Caminho

PrólogoCaráterDireção espiritualOraçãoSanta purezaCoraçãoMortificaçãoPenitênciaExame de consciênciaPropósitosEscrúpulosPresença de DeusVida sobrenaturalMais sobre vida interiorTibiezaEstudoFormaçãoO plano da tua santidadeAmor de DeusCaridadeOs meiosA Virgem MariaA IgrejaSanta MissaComunhão dos SantosDevoçõesHumildadeObediênciaPobrezaDiscriçãoAlegriaOutras virtudesTribulaçõesLuta interiorNovíssimosA vontade de DeusA glória de DeusProselitismoPequenas coisasTáticaInfância espiritualVida de infânciaChamamentoO apóstoloO apostoladoPerseverança

 «    Prólogo do autor    » 

Lê devagar estes conselhos.
Medita pausadamente estas considerações.
São coisas que te digo ao ouvido,
em confidência de amigo, de irmão,
de pai.
E estas confidências as escuta deus.
Não te contarei nada de novo.
vou revolver as tuas recordações,
para que aflore algum pensamento
que te fira.
E assim melhores a tua vida,
e entres por caminhos de oração
e de amor.
E acabes por ser alma de critério.

 «    CARÁTER    » 

1 Que a tua vida não seja uma vida estéril. – Sê útil. – Deixa rasto. – Ilumina com o resplendor da tua fé e do teu amor. Apaga, com a tua vida de apóstolo, o rasto viscoso e sujo que deixaram os semeadores impuros do ódio. – E incendeia todos os caminhos da terra com o fogo de Cristo que levas no coração.

2 Oxalá fossem tais o teu porte e a tua conversação, que todos pudessem dizer quando te vissem ou te ouvissem falar: "Este lê a vida de Jesus Cristo".

3 Gravidade. – Deixa esses meneios e caretas de mulherzinha ou de moleque. – Que o teu porte exterior seja o reflexo da paz e da ordem do teu espírito.

4 Não digas: "Eu sou assim.... são coisas do meu caráter". São coisas da tua falta de caráter. Sê homem – "esto vir".

5 Acostuma–te a dizer que não.

6 Vira as costas ao infame quando te sussurra ao ouvido: "Para que hás de complicar a vida?"

7 Não tenhas espírito de "caipira". – Dilata o teu coração, até que seja universal, "católico". Não voes como ave de capoeira, quando podes subir como as águias.

8 Serenidade. – Por que te zangas, se zangando–te ofendes a Deus, incomodas os outros, passas tu mesmo um mau bocado... e, por fim, tens de acalmar–te?

9 Isso mesmo que disseste, dize–o noutro tom, sem ira, e ganhará força o teu raciocínio, e sobretudo não ofenderás Deus.

10 Não repreendas quando sentes a indignação pela falta cometida. – Espera pelo dia seguinte, ou mais tempo ainda. – E depois, tranquilo e com a intenção purificada, não deixes de repreender. – Conseguirás mais com uma palavra afetuosa do que com três horas de briga. – Modera o teu gênio.

11 Vontade. – Energia. – Exemplo. – O que é preciso fazer, faz–se... Sem hesitar... Sem contemplações. Sem isso, nem Cisneros teria sido Cisneros*, nem Teresa de Ahumada, Santa Teresa..., nem Iñigo de Loyola, Santo Inácio... Deus e audácia! – Regnare Christum volumus!**. (*) Cardeal espanhol (1436–1517), Regente do trono de Espanha e confessor da Rainha Isabel, a Católica. Começou a reforma da Igreja na Espanha, antecipando–se à que seria iniciada, anos depois, pelo Concílio de Trento para toda a cristandade. Foram notórias a têmpera e a energia do seu caráter (N. do T.). (**) "Queremos que Cristo reine!"(N. do T.).

12 Cresce perante os obstáculos. – A graça do Senhor não te há de faltar: Inter medium montium pertransibunt aquae!: – passarás através das montanhas! Que importa que de momento tenhas de restringir a tua atividade, se em breve, como mola que foi comprimida, chegarás incomparavelmente mais longe do que nunca sonhaste?

13 Afasta de ti esses pensamentos inúteis que, pelo menos, te fazem perder o tempo.

14 Não percas as tuas energias e o teu tempo, que são de Deus, jogando pedras aos cachorros que te ladrem no caminho. Despreza–os.

15 Não deixes o teu trabalho para amanhã.

16 Perder–se na massa? Tu... da multidão?! Mas, se nasceste para líder! – Entre nós, não há lugar para os tíbios. Humilha–te, e Cristo voltará a inflamar–te com fogos de Amor.

17 Não caias nessa doença do caráter que tem por sintomas a falta de firmeza para tudo, a leviandade no agir e no dizer, o estouvamento..., a frivolidade, numa palavra. Essa frivolidade, que – não o esqueças – torna os teus planos de cada dia tão vazios ("tão cheios de vazio"), se não reages a tempo – não amanhã; agora! – fará da tua vida um boneco de trapos morto e inútil.

18 Obstinas–te em ser mundano, frívolo e estouvado porque és covarde. Que é, senão covardia, o não quereres enfrentar–te a ti próprio?

19 Vontade. É uma característica muito importante. Não desprezes as pequenas coisas, porque, através do contínuo exercício de negar e negares–te a ti próprio nessas coisas – que nunca são futilidades nem ninharias –, fortalecerás, virilizarás, com a graça de Deus, a tua vontade, para seres, em primeiro lugar, inteiro senhor de ti mesmo. E depois, guia, chefe, líder! – que prendas, que empurres, que arrastes, com o teu exemplo e com a tua palavra e com a tua ciência e com o teu império.

20 Chocas com o caráter deste ou daquele... Tem de ser assim necessariamente; não és moeda de ouro que a todos agrade. Além disso, sem esses choques que se produzem ao lidar com o próximo, como havias de perder as pontas, as arestas e saliências – imperfeições, defeitos – do teu temperamento, para adquirires a forma cinzelada, polida e rijamente suave da caridade, da perfeição? Se o teu caráter e o caráter dos que convivem contigo fossem adocicados e moles como gelatina, não te santificarias.

21 Pretextos. – Nunca te faltarão para deixares de cumprir teus deveres. Que fartura de razões... sem razão! Não pares a considerá–las. – Repele–as e cumpre a tua obrigação.

22 Sê rijo. – Sê viril. – Sê homem. – E depois... sê anjo.

23 Dizes que... não podes fazer mais? – Não será que... não podes fazer menos?

24 Tens ambições: de saber..., de ser líder..., de ser audaz. Muito bem. Está certo. – Mas... por Cristo, por Amor.

25 Não discutais. – Da discussão não costuma sair a luz, porque é apagada pela paixão.

26 O Matrimônio é um sacramento santo. – A seu tempo, quando tiveres de recebê–lo, que o teu Diretor ou o teu confessor te aconselhem a leitura de algum livro útil. – E estarás mais preparado para levar dignamente as cargas do lar.

27 Estás rindo porque te digo que tens "vocação matrimonial"? – Pois é verdade: isso mesmo, vocação. Pede a São Rafael que te conduza castamente ao termo do caminho, como a Tobias.

28 O matrimônio é para os soldados e não para o estado–maior de Cristo. – Ao passo que comer é uma exigência de cada indivíduo, procriar é apenas uma exigência da espécie, podendo dela desinteressar–se as pessoas individualmente. Ânsia de filhos...? Filhos, muitos filhos, e um rasto indelével de luz deixaremos, se sacrificarmos o egoísmo da carne.

29 A relativa e pobre felicidade do egoísta, que se encerra na sua torre de marfim, na sua própria carcaça..., não é difícil de conseguir neste mundo. – Mas a felicidade do egoísta não é duradoura. Será que queres perder, por essa caricatura do Céu, a felicidade da Glória, que não terá fim?

30 És calculista! – Não me digas que és jovem. A juventude dá tudo quanto pode; dá–se a si própria sem medidas.

31 Egoísta! – Tu, sempre atrás das "tuas coisas". – Pareces incapaz de sentir a fraternidade de Cristo: nos outros, não vês irmãos; vês "degraus". Pressinto o teu malogro rotundo. – E, quando estiveres afundado, quererás que vivam contigo a caridade que agora não queres viver.

32 Tu não serás líder se na massa só vires o escabelo para empoleirar–te. – Tu serás líder se tiveres a ambição de salvar todas as almas. Não podes viver de costas para a multidão. É preciso que tenhas ânsias de torná–la feliz.

33 Nunca queres "esgotar a verdade". – Umas vezes, por correção. Outras – a maioria –, para não passares um mau bocado. Algumas, para evitá–lo aos outros. E, sempre, por covardia. Assim, com esse medo de aprofundar, jamais serás homem de critério.

34 Não tenhas medo à verdade, ainda que a verdade te acarrete a morte.

35 Não gosto de tanto eufemismo: à covardia chamais prudência. – E a vossa "prudência" é ocasião para que os inimigos de Deus, com o cérebro vazio de idéias, tomem ares de sábios e ascendam a postos a que nunca deviam ascender.

36 Esse abuso não é irremediável. – É falta de caráter permitir que continue, como coisa desesperada e sem possível retificação. Não te esquives ao dever. Cumpre–o em toda a linha, ainda que outros deixem de cumpri–lo.

37 Tens, como por aí se diz, "muita lábia". – Mas, com todo o teu palavreado, não conseguirás que eu justifique ("foi providencial!", disseste) o que não tem justificação.

38 Será verdade (não acredito, não acredito...) que na terra não há homens, mas "estômagos"?

39 "Peça que eu nunca queira deter–me no fácil". – Já o pedi. Agora só falta que te empenhes em cumprir esse belo propósito.

40 Fé, alegria, otimismo. – Mas não a estupidez de fechar os olhos à realidade.

41 Que modo tão transcendental de viver bobagens vazias, e que maneira de chegar a ser alguém na vida – subindo, subindo – à força de "pesar pouco", de não ter nada, nem cérebro nem coração!

42 Por que essas variações de caráter? Quando fixarás a tua vontade em alguma coisa? – Larga esse teu gosto pelas primeiras pedras, e põe a última ao menos em um de teus projetos.

43 Não sejas tão... suscetível. – Magoas–te por qualquer coisinha. – Torna–se necessário medir as palavras para falar contigo do assunto mais insignificante. Não te zangues se te digo que és... insuportável. – Enquanto não te corrigires, nunca serás útil.

44 Desculpa–te com a cortesia que a caridade cristã e a vida social exigem. – E, depois, para a frente! – com santa desvergonha, sem parar, até subires inteiramente a encosta do cumprimento do dever.

45 Por que te doem essas errôneas conjecturas que se fazem a teu respeito? – A mais baixo chegarias se Deus te abandonasse. – Persevera no bem, e encolhe os ombros.

46 Não achas que a igualdade, tal como a entendem, é sinônimo de injustiça?

47 Essa ênfase e esse ar emproado ficam–te mal; vê–se que são postiços. – Procura, pelo menos, não os empregar com o teu Deus, nem com o teu Diretor, nem com os teus irmãos. E haverá uma barreira a menos entre ti e eles.

48 Pouco rijo é o teu caráter: que ânsia de te meteres em tudo! – Obstinas–te em ser o sal de todos os pratos... e – não te zangues se te falo claramente – tens pouca graça para ser sal; e não és capaz de desfazer–te e passar inadvertido à vista, como esse condimento. Falta–te espírito de sacrifício. E sobra–te espírito de curiosidade e de exibição.

49 Cala–te. – Não sejas "meninão", caricatura de criança, bisbilhoteiro, intriguista, linguarudo. – Com as tuas histórias e mexericos, esfriaste a caridade: fizeste a pior das obras. E... se por acaso abalaste – má língua! – os muros fortes da perseverança de outros, a tua perseverança deixa de ser graça de Deus, porque é instrumento traiçoeiro do inimigo.

50 És curioso e bisbilhoteiro, xereta e metediço. Não tens vergonha de ser, até nos defeitos, tão pouco masculino? – Sê homem. E esses desejos de saber da vida dos outros, troca–os por desejos e realidades de conhecimento próprio.

51 Teu espírito varonil, retilínio e simples, confrange–se ao sentir–se envolvido em enredos e mexericos, que não acaba de compreender e em que nunca se quis misturar. – Sofre a humilhação de andar assim em boca alheia e procura que essa dura experiência te dê mais discrição.

52 Por que razão, ao julgares os outros, pões na tua crítica o amargor dos teus próprios malogros?

53 Esse espírito crítico (concedo–te que não é murmuração), não o deves exercer no teu apostolado, nem com teus irmãos. – Esse espírito crítico é, para o vosso empreendimento sobrenatural (perdoas–me que o diga?), um grande estorvo, porque, enquanto examinas – embora com elevada finalidade, acredito – o trabalho dos outros, sem teres nada a ver com isso, não fazes nenhuma obra positiva, e dificultas, com o teu exemplo de passividade, o bom andamento de todos. "Então..." – perguntas, inquieto – "...esse espírito crítico, que é como que a substância do meu caráter...?" Olha (vou tranquilizar–te): apanha uma caneta e um papel, escreve simples e confiadamente – ah!, e com brevidade – os motivos que te torturam, entrega a nota ao superior e não penses mais nela. – Ele, que é quem vos dirige (tem graça de estado), arquivará a nota... ou a jogará no cesto dos papéis. – Para ti, como o teu espírito crítico não é murmuração, e só o exerces para fins elevados, tanto faz.

54 Contemporizar? É palavra que só se encontra ("é preciso contemporizar!") no léxico dos que não têm vontade de lutar – comodistas, manhosos ou covardes –, porque de antemão se sabem vencidos.

55 Olha, meu filho: sê um pouco menos ingênuo (ainda que sejas muito criança, e mesmo por o seres diante de Deus), e não "ponhas na berlinda", diante de estranhos, os teus irmãos.

 «    DIREÇÃO ESPIRITUAL    » 

56 "Madeira de santo". Isso dizem de alguns: que têm "madeira de santo". – Além de que os santos não foram de madeira, ter madeira não basta. É necessária muita obediência ao Diretor e muita docilidade à graça. – Porque, se não se permite à graça de Deus e ao Diretor que façam a sua obra, jamais aparecerá a escultura, imagem de Jesus, em que se transforma o homem santo. E a "madeira de santo", de que estamos falando, não passará de um tronco informe, sem talha, para o fogo... Para um bom fogo, se era boa madeira!

57 Cultiva o trato com o Espírito Santo – o Grande Desconhecido –, que é quem te há de santificar. Não esqueças que és templo de Deus. – O Paráclito está no centro da tua alma: escuta–O e segue docilmente as suas inspirações.

58 Não estorves a obra do Paráclito; une–te a Cristo, para te purificares, e sente, com Ele, os insultos, e os escarros, e as bofetadas..., e os espinhos, e o peso da Cruz..., e os ferros rasgando a tua carne, e as ânsias de uma morte ao desamparo... E mete–te no lado aberto de Nosso Senhor Jesus, até encontrares refúgio seguro em seu Coração chagado.

59 Convém que conheças esta doutrina segura: o espírito próprio é mau conselheiro, mau piloto, para dirigir a alma nas borrascas e tempestades, por entre os escolhos da vida interior. Por isso, é Vontade de Deus que a direção da nau esteja entregue a um Mestre, para que, com a sua luz e conhecimento, nos conduza a porto seguro.

60 Se não te lembrarias de construir sem arquiteto uma boa casa para viveres na terra, como queres levantar sem Diretor o edifício da tua santificação, para viveres eternamente no Céu?

61 Quando um leigo se erige em mestre de moral, erra frequentemente. Os leigos só podem ser discípulos.

62 Diretor. – Precisas dele. – Para te entregares, para te dares..., obedecendo. – E Diretor que conheça o teu apostolado, que saiba o que Deus quer. Assim secundará, com eficácia, a ação do Espírito Santo na tua alma, sem tirar–te do lugar em que estás..., enchendo–te de paz, e ensinando–te a tornar fecundo o teu trabalho.

63 Tu – pensas – tens muita personalidade: os teus estudos (teus trabalhos de pesquisa, tuas publicações), a tua posição social (teus antepassados), as tuas atuações políticas (os cargos que ocupas), o teu patrimônio..., a tua idade – não és mais uma criança!... Precisamente por tudo isso necessitas, mais do que outros, de um Diretor para a tua alma.

64 Não ocultes ao teu Diretor essas insinuações do inimigo. – A tua vitória, ao fazeres a confidência, te dá mais graça de Deus. – E, além disso, tens agora, para continuares a vencer, o dom de conselho e as orações de teu pai espiritual.

65 Por que esse receio de te veres a ti mesmo e te deixares ver por teu Diretor tal como na realidade és? – Terás ganho uma grande batalha se perderes o medo de te dares a conhecer.

66 O Sacerdote – seja quem for – é sempre outro Cristo.

67 Ainda que bem sabido, não quero deixar de recordar–te uma vez mais que o Sacerdote é "outro Cristo". – E que o Espírito Santo disse: Nolite tangere Christos meos" – não toqueis nos "meus Cristos".

68 Presbítero, etimologicamente, é o mesmo que ancião. – Se merece veneração a velhice, pensa quanto mais terás de venerar o Sacerdote.

69 Que pouca delicadeza de espírito – e que falta de respeito – não revela dirigir gracejos e chalaças ao Sacerdote – seja quem for – sob qualquer pretexto!

70 Insisto: esse gracejos – "gozações" – ao Sacerdote, apesar de todas as circunstâncias que a ti te pareçam atenuantes, são sempre, pelo menos, uma grosseria, uma ordinarice.

71 Quanto não temos de admirar a pureza sacerdotal! – É o seu tesouro. – Nenhum tirano poderá arrancar jamais à Igreja esta coroa.

72 Não ponhas o Sacerdote em risco de perder a gravidade. É virtude que, sem afetação, precisa ter. Como a pedia – "Senhor, dá–me... oitenta anos de gravidade!" – aquele jovem clérigo, nosso amigo! Pede–a tu também para todos os Sacerdotes, e terás feito uma boa coisa.

73 Doeu–te – como uma punhalada no coração – que tivessem dito que havias falado mal daquele sacerdote. – Alegro–me com a tua dor. Agora, sim, estou certo do teu bom espírito!

74 Amar a Deus e não venerar o Sacerdote... não é possível.

75 Como os filhos bons de Noé, cobre com o manto da caridade as misérias que vires em teu pai, o Sacerdote.

76 Se não tens um plano de vida, nunca terás ordem.

77 Sujeitar–se a um plano de vida, a um horário... é tão monótono!, disseste–me. – E eu te respondi: há monotonia porque falta Amor.

78 Se não te levantas a uma hora fixa, nunca cumprirás o teu plano de vida.

79 Virtude sem ordem? – Estranha virtude!

 «    ORAÇÃO    » 

80 Quando tiveres ordem, multiplicar–se–á o teu tempo e,portanto, poderás dar mais glória a Deus, trabalhando mais a seu serviço.

81 A ação nada vale sem a oração; a oração valoriza–se com o sacrifício.

82 Primeiro, oração; depois, expiação; em terceiro lugar, muito em "terceiro lugar", ação.

83 A oração é o alicerce do edifício espiritual. – A oração é onipotente.

84 "Domine, doce nos orare" – Senhor, ensina–nos a orar! – E o Senhor respondeu: Quando começardes a orar, haveis de dizer: Pater noster, qui es in coelis... – Pai nosso, que estais no Céu... Como não havemos de ter em muito apreço a oração vocal!

85 Devagar. – Repara no que dizes, quem o diz e a quem. – Porque esse falar às pressas, sem lugar para a reflexão, é ruído, chacoalhar de latas. E te direi, com Santa Teresa, que a isso não chamo oração, por muito que mexas os lábios.

86 A tua oração deve ser litúrgica. – Oxalá te afeiçoes a recitar os salmos e as orações do missal, em vez de orações privadas ou particulares.

87 "Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus", disse o Senhor. – Pão e palavra! – Hóstia e oração. Senão, não terás vida sobrenatural.

88 Procuras a companhia de amigos que, com a sua conversa e afeto, com o seu convívio, te tornem mais grato o desterro deste mundo..., embora os amigos às vezes atraiçoem. – Não me parece mal. Mas... como não frequentas cada dia com maior intensidade a companhia, a conversa com o Grande Amigo, que nunca atraiçoa?

89 "Maria escolheu a melhor parte", lê–se no Santo Evangelho. – Aí está ela, bebendo as palavras do Mestre. Em aparente inatividade, ora e ama. – Depois, acompanha Jesus em suas pregações por cidades e aldeias. Sem oração, como é difícil acompanhá–Lo!

90 Não sabes orar? – Põe–te na presença de Deus, e logo que começares a dizer: "Senhor, não sei fazer oração!...", podes ter certeza de que começaste a fazê–la.

91 Escreveste–me: "Orar é falar com Deus. Mas de quê?" – De quê? DEle e de ti: alegrias, tristezas, êxitos e malogros, ambições nobres, preocupações diárias..., fraquezas; e ações de graças e pedidos; e Amor e desagravo. Em duas palavras: conhecê–Lo e conhecer–te – ganhar intimidade!

92 Et in meditatione mea exardescit ignis. – E na minha meditação se ateia o fogo. – Para isso vais à oração: para tornar–te uma fogueira, lume vivo, que dê calor e luz. Por isso, quando não souberes ir mais longe, quando sentires que te apagas, se não puderes lançar ao fogo troncos olorosos, lança os ramos e a folhagem de pequenas orações vocais, de jaculatórias, que continuem alimentando a fogueira. – E terás aproveitado o tempo.

93 Vês–te tão miserável que te reconheces indigno de que Deus te ouça... Mas... e os méritos de Maria? E as chagas do teu Senhor? E... porventura não és filho de Deus? Além disso, Ele te escuta, quoniam bonus..., quoniam in saeculum misericordia eius, porque é bom, porque a sua misericórdia permanece para sempre.

94 Fez–se tão pequeno – bem vês: um Menino! – para que te aproximes dEle com confiança.

95 In te, Domine, speravi: em ti, Senhor, esperei. – E aos meios humanos acrescentei a minha oração e a minha cruz. – E não foi vã a minha esperança, nem jamais o será: Non confundar in aeternum!*. (*)"Não seja eu jamais confundido" (N. do T.).

96 Fala Jesus: "Digo–vos, pois: Pedi e dar–se–vos–á; buscai e achareis; batei e abrir–se–vos–á". Faz oração. Em que negócio humano te podem dar mais garantias de êxito?

97 Não sabes o que dizer ao Senhor na oração. Não te lembras de nada, e, no entanto, quererias consultá–Lo sobre muitas coisas. – Olha: durante o dia, toma algumas notas sobre os assuntos que desejes considerar na presença de Deus. E depois, serve–te dessas notas na oração.

98 Depois da oração do Sacerdote e das virgens consagradas, a oração mais grata a Deus é a das crianças e a dos doentes.

99 Quando fores orar, que seja este um firme propósito: não ficar mais tempo por consolação, nem menos por aridez.

100 Não digas a Jesus que queres consolações na oração. – Se as dá, agradece–as. – Diz–Lhe sempre que queres perseverança.

101 Persevera na oração. – Persevera, ainda que o teu esforço pareça estéril. – A oração é sempre fecunda.

102 A tua inteligência está obtusa, inativa. Fazes esforços inúteis para coordenar as idéias na presença de Senhor; um verdadeiro entontecimento! Não te esforces nem te preocupes. – Escuta: é a hora do coração.

103 Essas palavras que te feriram durante a oração, grava–as na memória e recita–as pausadamente muitas vezes ao longo do dia.

104 Pernoctans in oratione Dei – passou a noite em oração. – É o que São Lucas nos diz do Senhor. Tu, quantas vezes perseveraste assim? – Então...

105 Se não procuras a intimidade com Cristo na oração e no Pão, como poderás dá–Lo a conhecer?

106 Escreveste–me e te compreendo: "Faço todos os dias o meu pouquinho de oração. Se não fosse isso!..."

107 Santo, sem oração?!... – Não acredito nessa santidade.

108 Dir–te–ei, plagiando a frase de um autor estrangeiro, que a tua vida de apóstolo vale o que valer a tua oração.

109 Se não és homem de oração, não acredito na retidão de tuas intenções quando dizes que trabalhas por Cristo.

110 Disseste–me uma vez que parecias um relógio desregulado, que bate fora de horas: estás frio, seco e árido à hora da tua oração; e, pelo contrário, quando menos era de esperar, na rua, entre os afazeres de cada dia, no meio da balbúrdia e da gritaria da cidade, ou na quietude laboriosa do teu trabalho profissional, surpreendes–te orando... Fora de horas? Certo... Mas não desaproveites essas badaladas do teu relógio. – O Espírito sopra onde quer.

111 Fizeste–me rir com a tua oração... impaciente. – Dizias–Lhe: "Não me quero tornar velho, Jesus... É esperar demais para Te ver! Nessa altura, talvez não tenha o coração em carne viva, como agora. Velho, parece–me tarde. Agora, a minha união seria mais galharda, porque Te amo com Amor de donzel".

112 Gosto de que vivas essa "reparação ambiciosa": o mundo inteiro!, disseste–me. – Bem. Mas, em primeiro lugar, os da tua família sobrenatural e da humana, os do país que é a nossa Pátria.

113 Dizias–Lhe: "Não Te fies de mim. Eu, sim, é que me fio de Ti, Jesus. Abandono–me em teus braços. Aí deixo o que tenho: as minhas misérias!" – E me parece uma boa oração.

114 A oração do cristão nunca é monólogo.

115 "Minutos de silêncio". – Deixai–os para os que têm o coração seco. Nós, os católicos, filhos de Deus, falamos com nosso Pai que está nos Céus.

116 Não abandones a tua leitura espiritual. – A leitura tem feito muitos santos.

117 Na leitura – escreves – preparo o depósito de combustível. – Parece um montão inerte, mas é dali que muitas vezes a minha memória tira espontaneamente material, que enche de vida a minha oração e inflama a minha ação de graças depois de comungar.

 «    SANTA PUREZA    » 

118 Deus concede a santa pureza aos que a pedem com humildade.

119 Que bela é a santa pureza! Mas não é santa nem agradável a Deus, se a separamos da caridade. A caridade é a semente que crescerá e dará frutos saborosíssimos com a rega que é a pureza. Sem caridade, a pureza é infecunda, e as suas águas estéreis convertem as almas num lodaçal, num charco imundo, donde saem baforadas de soberba.

120 Pureza?, perguntam. E sorriem. – São os mesmos que vão para o matrimônio com o corpo murcho e a alma desiludida. Prometo–vos um livro – se Deus me ajudar – que poderá ter este título: "Celibato, Matrimônio e Pureza".

121 É necessária uma cruzada de virilidade e de pureza que enfrente e anule o trabalho selvagem daqueles que pensam que o homem é uma besta. – E essa cruzada é obra vossa.

122 Muitos vivem como anjos no meio do mundo. – Tu... por que não?

123 Quando te decidires com firmeza a ter vida limpa, a castidade não será para ti um fardo; será coroa triunfal.

124 Escreveste–me, médico apóstolo: "Todos sabemos por experiência que podemos ser castos, vivendo vigilantes, frequentando os Sacramentos e apagando as primeiras chispas da paixão, sem deixar que ganhe corpo a fogueira. "É precisamente entre os castos que se contam os homens mais íntegros, sob todos os aspectos. E entre os luxuriosos predominam os tímidos, os egoístas, os falsos e os cruéis, que são tipos de pouca virilidade".

125 Eu quereria – disseste–me – que João, o Apóstolo adolescente, tivesse uma confidência comigo e me desse um conselho; e me animasse a conseguir a pureza do meu coração. Se na verdade o queres, dize–lhe isso. E sentirás ânimo e terás conselho.

126 A gula é a vanguarda da impureza.

127 Não queiras dialogar com a concupiscência; despreza–a.

128 O pudor e a modéstia são os irmãos menores da pureza.

129 Sem a santa pureza, não se pode perseverar no apostolado.

130 Tira–me, Jesus, esta crosta suja de podridão sensual que me recobre o coração, para que sinta e siga com facilidade os toques do Paráclito na minha alma.

131 Nuncas fales, nem sequer para te lamentares, de coisas ou acontecimentos impuros. Olha que é matéria mais pegajosa que o piche. – Muda de conversa, e, se não é possível, continua, falando da necessidade e formosura da santa pureza, virtude de homens que sabem o que vale a sua alma.

132 Não tenhas a covardia de ser "valente"; foge!

133 Os santos não foram seres disformes, casos de estudo para um médico modernista. Foram e são normais; de carne, como a tua. – E venceram.

134 Ainda que a carne se vista de seda... – dir–te–ei, quando te vir vacilar diante da tentação, que oculta a sua impureza sob pretextos de arte, de ciência..., de caridade! Dir–te–ei, com palavras de um velho ditado espanhol: "Ainda que a carne se vista de seda, carne se queda"*. (*)O ditado original é: Aunque la mona se vista de seda, mona se queda (N. do T.).

135 Se soubesses o que vales!... É São Paulo quem te diz: foste comprado pretio magno – por alto preço. E depois continua: Glorificate et portate Deum in corpore vestro – glorifica a Deus e traze–O em teu corpo.

136 Quando procuraste a companhia de uma satisfação sensual... – depois, que solidão!

137 E pensar que por uma satisfação de um momento, que deixou em ti travos de fel e azebre, perdeste "o caminho"!

138 Infelix ego homo! Quis me liberabit de corpore mortis huius? – Pobre de mim! Quem me libertará deste corpo de morte? – Assim clama São Paulo. – Anima–te. Ele também lutava.

139 À hora da tentação, pensa no Amor que te espera no Céu. Fomenta a virtude da esperança, que não é falta de generosidade.

140 Não te preocupes, aconteça o que acontecer, desde que não consistas. – Porque só a vontade pode abrir a porta do coração e introduzir nele essas coisas execrandas.

141 Na tua alma, parece que ouves materialmente: "Esse preconceito religioso!..." – E depois, a defesa eloquente de todas as misérias da nossa pobre carne decaída: "os seus direitos!" Quando isto te acontecer, diz ao inimigo que há lei natural e lei de Deus, e Deus! – E também inferno.

142 Domine! – Senhor! – si vis, potes me mundare – se quiseres, podes curar–me. – Que bela oração para que a digas muitas vezes, com a fé do pobre leproso, quando te acontecer o que Deus e tu e eu sabemos! – Não tardarás a sentir a resposta do Mestre: Volo, mundare! – Quero, sê limpo!

143 Para defender a sua pureza, São Francisco revolveu–se na neve, São Bento jogou–se num silvado, São Bernardo mergulhou num tanque gelado... – Tu, que fizeste?

144 A pureza limpidíssima de toda a vida de João torna–o forte diante da Cruz. – Os outros apóstolos fogem do Gólgota; ele, com a Mãe de Cristo, fica. – Não esqueças que a pureza enrijece, viriliza o caráter.

145 Frente de Madrid. Uma vintena de oficiais, em nobre e alegre camaradagem. Ouve–se uma canção, e depois outra e mais outra. Aquele jovem tenente de bigode escuro só ouviu a primeira: "Corações partidos, eu não os quero; e se lhe dou o meu, dou–o inteiro". "Quanta resistência a dar meu coração inteiro!" – E a oração brotou em caudal manso e largo.

 «    CORAÇÃO    » 

146 Dás–me a impressão de que levas o coração na mão, como quem oferece uma mercadoria: Quem o quer? – Se não apetecer a nenhuma criatura, virás entregá–lo a Deus. Achas que assim fizeram os santos?

147 As criaturas para ti? – As criaturas para Deus. Quando muito, para ti por Deus.

148 Por que te debruçares a beber nos charcos dos consolos mundanos, se podes saciar a tua sede em águas que saltam para a vida eterna?

149 Desprende–te das criaturas até ficares despido delas. Porque – diz o Papa São Gregório – o demônio nada tem de seu neste mundo, e acode nu à contenda. Se vais vestido lutar com ele, em breve cairás por terra. Porque terá por onde te pegar.

150 É como se o teu Anjo te dissesse: – Tens o coração cheio de tanta afeição humana!... E a seguir: – E isso queres que guarde o teu Anjo da Guarda?

151 Desprendimento. – Como custa!... Quem me dera não ter mais atadura que três cravos, nem outra sensação em minha carne que a Cruz!

152 Não pressentes que te espera mais paz e mais união quando tiveres correspondido a essa graça extraordinária que te exige um desprendimento total? – Luta por Ele, para Lhe dar gosto; mas fortalece a tua esperança.

153 Vamos! Diz–Lhe com generosidade e como um menino: – Que vais dar–me quando me exiges "isso"?

154 Tens medo de tornar–te frio e duro para todos. Tanto te queres desapegar! – Afasta essa preocupação. Se és Cristo – todo de Cristo! –, para todos terás – também de Cristo – fogo, luz e calor.

155 Jesus não se sastifaz "compartilhando"; quer tudo.

156 Não queres submeter–te à Vontade de Deus... E, no entanto, acomodas–te à vontade de qualquer pobre criatura.

157 Não tires as coisas do seu lugar: se se dá a ti o próprio Deus, por que esse apego às criaturas?

158 Agora, tudo são lágrimas. – Dói, não é mesmo? – Pois é claro! Por isso precisamente te acertaram com o dedo na chaga.

159 Fraqueja teu coração e buscas um arrimo na terra. – Certo. Mas procura que o apoio de que te serves para não cair não o converta em peso morto que te arraste, em cadeia que te escravize.

160 Escuta, escuta: isso... é uma amizade ou uma algema?

161 Tens expansões de ternura. E eu te digo: – Caridade com o próximo, sim, sempre. Mas – ouve–me bem, alma de apóstolo –, é de Cristo, e só para Ele, esse outro sentimento que o próprio Senhor pôs em teu peito. – Além disso..., não é verdade que, ao abrires algum ferrolho do teu coração – necessitas de sete ferrolhos –, mais de uma vez ficou pairando em teu horizonte sobrenatural a nuvenzinha da dúvida... e perguntaste a ti mesmo, preocupado, apesar da tua pureza de intenção: – Não será que fui demasiado longe nas minhas manifestações exteriores de afeto?

162 O coração, de lado. Primeiro, o dever. – Mas, ao cumprires o dever, põe nesse cumprimento o coração, que é suavidade.

163 "Se teu olho direito te escandaliza..., arranca–o e joga–o para longe!" – Pobre coração, que é ele que te escandaliza! Aperta–o, amarfanha–o entre as mãos; não lhe dês consolações. – E, cheio de uma nobre compaixão, quando as pedir, segreda–lhe devagar, como em confidência: – "Coração: coração na Cruz, coração na Cruz!"

164 Como vai esse coração? – Não te inquietes; os santos – que eram seres bem constituídos e normais, como tu e como eu – sentiam também essas "naturais" inclinações. E se não as tivessem sentido, a sua reação "sobrenatural" de guardar o coração – alma e corpo – para Deus, em vez de entregá–lo a uma criatura, pouco mérito teria tido. Por isso, uma vez visto o caminho, creio que a fraqueza do coração não deve ser obstáculo para uma alma decidida e "bem enamorada".

165 Tu..., que por um pobre amor da terra passaste por tantas baixezas, acreditas de verdade que amas a Cristo, e não passas – por Ele! – essa humilhação?

166 Escreves–me: "Padre, tenho... dor de dentes no coração". – Não tomo isso como brincadeira, porque entendo que precisas de um bom dentista que te faça umas extrações. Se tu deixasses!...

167 "Ah, se eu tivesse cortado no princípio!", disseste–me. – Oxalá não tenhas que repetir essa exclamação tardia.

168 "Achei graça quando o ouvi falar nas contas que lhe pedirá Nosso Senhor. Não, para vós não será Juiz – no sentido austero da palavra –, mas simplesmente Jesus". – Esta frase, escrita por um Bispo santo, que consolou mais de um coração atribulado, bem pode consolar o teu.

169 A dor esmaga–te porque a recebes com covardia. – Recebe–a como um valente, com espírito cristão; e a estimarás como um tesouro.

170 Que claro o caminho!... Que patentes os obstáculos!... Que boas armas para os vencer!... E, apesar disso, quantos desvios e quantos tropeços! Não é mesmo? – É esse fiozinho sutil (cadeia; cadeia de ferro forjado), que tu e eu conhecemos e que não queres quebrar, a causa que te afasta do caminho, que te faz tropeçar e até cair. – Que esperas para cortá–lo.. e avançar?

171 O Amor... bem vale um amor!

 «    MORTIFICAÇÃO    » 

172 Se não te mortificas, nunca serás alma de oração.

173 Essa frase feliz, a piada que não te escapou da boca, o sorriso amável para quem te incomoda, aquele silêncio ante a acusação injusta, a tua conversa afável com os maçantes e os inoportunos, o não dar importância cada dia a um pormenor ou outro, aborrecido e impertinente, das pessoas que convivem contigo... Isto, com perseverança, é que é sólida mortificação interior.

174 Não digas: essa pessoa me aborrece. – Pensa: essa pessoa me santifica.

175 Nenhum ideal se torna realidade sem sacrifício. – Nega–te a ti mesmo. – É tão belo ser vítima!

176 Quantas vezes te propões servir a Deus em alguma coisa... e tens de conformar–te – tão miserável és! – com oferecer o aborrecimento, o desgosto de não teres sabido cumprir aquele propósito tão fácil!

177 Não desaproveites a ocasião de abater o teu próprio juízo. – Custa..., mas como é agradável aos olhos de Deus!

178 Quando vires uma pobre Cruz de madeira, só, desprezível e sem valor... e sem Crucificado, não esqueças que essa Cruz é a tua Cruz: a de cada dia, a escondida, sem brilho e sem consolação..., que está esperando o Crucificado que lhe falta. E esse Crucificado tens que ser tu.

179 Procura mortificações que não mortifiquem os outros.

180 Onde não há mortificação, não há virtude.

181 Mortificação interior. – Não acredito na tua mortificação interior, se vejo que desprezas, que não praticas a mortificação dos sentidos.

182 Bebamos até a última gota o cálice da dor na pobre vida presente. – Que importa padecer dez, vinte, cinquenta anos..., se depois vem o Céu para sempre, para sempre... para sempre? E sobretudo – melhor do que a razão apontada – propter retributionem* –, que importa padecer, se se padece para consolar, para dar gosto a Deus Nosso Senhor, com espírito de reparação, unido a Ele na Cruz..., numa palavra: se se padece por Amor? (*)Pela recompensa (N. do T.).

183 Os olhos! Por eles entram na alma muitas iniquidades. – Quantas experiências como a de Davi!... – Se guardardes a vista, tereis assegurado a guarda do vosso coração.

184 Para que hás de olhar, se "o teu mundo", o levas dentro de ti?

185 O mundo admira somente o sacrifício com espetáculo, porque ignora o valor do sacrifício escondido e silencioso.

186 É preciso dar–se de todo, é preciso negar–se de todo: o sacrifício tem que ser holocausto.

187 Paradoxo: para Viver é preciso morrer.

188 Olha que o coração é um traidor. – Fecha–o a sete chaves.

189 Tudo o que não te leva a Deus é um estorvo. Arranca–o e joga–o para longe.

190 Fazia o Senhor dizer a uma alma que tinha um superior iracundo e grosseiro: "Muito obrigado, meu Deus, por este tesouro verdadeiramente divino, porque, quando encontrarei outra pessoa que a cada amabilidade me corresponda com um par de coices?"

191 Vence–te em cada dia desde o primeiro momento, levantando–te pontualmente a uma hora fixa, sem conceder um só minuto à preguiça. Se, com a ajuda de Deus, te venceres, muito terás adiantado para o resto do dia. Desmoraliza tanto sentir–se vencido na primeira escamaruça!

192 Sempre acabas deixando–te vencer. – Propõe–te, de cada vez, a salvação de uma alma determinada, ou a sua santificação, ou a sua vocação para o apostolado... – Assim, estou certo da tua vitória.

193 Não sejas frouxo, mole. – Já é tempo de repelires essa estranha compaixão que sentes por ti mesmo.

194 Eu te vou dizer quais são os tesouros do homem na terra, para que não os desperdices: fome, sede, calor, frio, dor, desonra, pobreza, solidão, traição, calúnia, cárcere...

195 Tinha razão quem disse que a alma e o corpo são dois inimigos que não se podem separar, e dois amigos que não se podem ver.

196 Ao corpo, é preciso dar–lhe um pouco menos que o necessário. Senão, atraiçoa.

197 Se foram testemunhas das tuas fraquezas e misérias, que importa que o sejam da tua penitência?

198 Estes são os saborosos frutos da alma mortificada: compreensão e transigência para as misérias alheias; intransigência para as próprias.

199 Se o grão de trigo não morre, permanece infecundo. – Não queres ser grão de trigo, morrer pela mortificação e dar espigas bem graúdas? – Que Jesus abençoe o teu trigal!

200 Não te vences, não és mortificado, porque és soberbo. – Dizes que tens uma vida penitente? Não te esqueças de que a soberba é compatível com a penitência... – Mais razões: teu desgosto depois da queda, depois das tuas faltas de generosidade, é dor ou despeito de te veres tão pequeno e sem forças? – Que longe estás de Jesus se não és humilde..., ainda que as tuas disciplinas façam florescer, cada dia, rosas novas!

201 Que sabor a fel e a vinagre, a cinza e a azebre! Que paladar tão ressequido, pastoso e gretado! – Parece que não é nada essa impressão fisiológica, se a compararmos com os outros dissabores da tua alma. – É que te "pedem mais" e não o sabes dar. – Humilha–te: ficaria essa amarga impressão de desagrado, na tua carne e no teu espírito, se tivesses feito tudo quanto podes?

202 Quer dizer que vais impor–te voluntariamente um castigo por tua fraqueza e falta de generosidade? – Está certo; mas que seja uma penitência discreta, como imposta a um inimigo que ao mesmo tempo fosse nosso irmão.

203 A alegria dos pobrezinhos dos homens, ainda que tenha um motivo sobrenatural, deixa sempre um ressaibo de amargura. – Que julgavas? – Aqui em baixo, a dor é o sal da nossa vida.

204 Quantos se deixariam cravar numa cruz perante o olhar atônito de milhares de espectadores, e não sabem sofrer cristãmente as alfinetadas de cada dia! – Pensa então no que será mais heróico.

205 Estávamos lendo – tu e eu – a vida heroicamente vulgar daquele homem de Deus. – E o vimos lutar, durante meses e anos (que "contabilidade", a do seu exame particular!), à hora do café da manhã: hoje vencia, amanhã era vencido... Anotava: "Não comi manteiga... Comi manteiga!" Oxalá vivêssemos também – tu e eu – a nossa... "tragédia" da manteiga.

206 O minuto heróico. – É a hora exata de te levantares. Sem hesitar: um pensamento sobrenatural e... fora! – O minuto heróico: aí tens uma mortificação que te fortalece a vontade e não te debilita a natureza.

207 Agradece, como um favor muito especial, esse santo aborrecimento que sentes de ti mesmo.

 «    PENITÊNCIA    » 

208 Bendita seja a dor. – Amada seja a dor. Santificada seja a dor... Glorificada seja a dor!

209 Todo um programa, para cursar com aproveitamento a matéria da dor, nos dá o Apóstolo: spe gaudentes – na esperança, alegres; in tribulatione patientes – pacientes na tribulação ; orationi instantes – na oração, perseverantes.

210 Expiação: esta é a senda que conduz à Vida.

211 Enterra com a penitência, no fosso profundo que a tua humildade abrir, as tuas negligências, ofensas e pecados. – Assim enterra o lavrador, ao pé da árvore que os produziu, frutos apodrecidos, ramos secos e folhas caducas. – E o que era estéril, melhor, o que era prejudicial, contribui eficazmente para uma nova fecundidade. Aprende a tirar das quedas, impulso; da morte, vida.

212 Esse Cristo que tu vês não é Jesus. – Será, quando muito, a triste imagem que podem formar teus olhos turvos... – Purifica–te. Clarifica o teu olhar com a humildade e a penitência. Depois... não te hão de faltar as luzes límpidas do Amor. E terás uma visão perfeita. A tua imagem será realmente a sua: Ele!

213 Jesus sofre para cumprir a Vontade do Pai... E tu, que também queres cumprir a Santíssima Vontade de Deus, seguindo os passos do Mestre, poderás queixar–te se encontras por companheiro de caminho o sofrimento?

214 Diz ao teu corpo: prefiro ter um escravo a sê–lo teu.

215 Que medo têm da expiação! Se o que fazem para ficar bem diante do mundo, o fizessem retificando a intenção, por Deus..., que santos seriam alguns e algumas!

216 Choras? – Não te envergonhes. Chora; sim, os homens também choram, como tu, na solidão e diante de Deus. – Durante a noite, diz o rei Davi, regarei de lágrimas o meu leito. Com essas lágrimas, ardentes e viris, podes purificar o teu passado e sobrenaturalizar a tua vida atual.

217 Quero que sejas feliz na terra. – Não o serás se não perdes esse medo à dor. Porque, enquanto "caminhamos", na dor está precisamente a felicidade.

218 Que belo é perder a vida pela Vida!

219 Se sabes que essas dores – físicas ou morais – são purificação e merecimento, abençoa–as.

220 Não te deixa um mau sabor na boca esse desejo de bem–estar fisiológico – "Deus lhe dê saúde" – com que certos pobres agradecem ou reclamam uma esmola?

221 Se formos generosos na expiação voluntária, Jesus nos encherá de graça para amarmos as expiações que Ele nos mandar.

222 Que a tua vontade exija aos sentidos, mediante a expiação, o que as outras potências lhe negam na oração.

223 Vale tão pouco a penitência sem a contínua mortificação!

224 Tens medo da penitência?... da penitência, que te ajudará a obter a Vida eterna? No entanto, não vês como os homens, para conservarem esta pobre vida de agora, se submetem às mil torturas de uma cruenta operação cirúrgica?

225 Teu maior inimigo és tu mesmo.

226 Trata o teu corpo com caridade, mas não com mais caridade que a que se tem com um inimigo traidor.

227 Se sabes que o teu corpo é teu inimigo, e inimigo da glória de Deus por sê–lo da tua santificação, por que o tratas com tanta brandura?

228 "Passem muito boa tarde" – disseram–nos, como é costume –, e comentou uma alma muito de Deus: – Que desejos tão curtos!

229 Contigo, Jesus, que agradável é a dor e que luminosa a obscuridade!

230 Sofres! – Pois olha: "Ele" não tem o Coração menor que o nosso. – Sofres? Convém.

231 O jejum rigoroso é penitência agradabilíssima a Deus. – Mas, ora por esta, ora por aquela razão, temos feito concessões. Não faz mal – muito pelo contrário! – que tu, com a aprovação do teu Diretor, o pratiques com frequência.

232 Motivos para a penitência? Desagravo, reparação, petição, ação de graças; meio para progredir...; por mim, pelos outros, pela tua família, pelo teu país, pela Igreja... E mil motivos mais.

233 Não faças mais penitência do que a que o teu Diretor te consentir.

234 Como enobrecemos a dor quando a colocamos no lugar que lhe corresponde – expiação – na economia do espírito!

 «    EXAME DE CONSCIÊNCIA    » 

235 Exame. – Tarefa diária. – Contabilidade que nunca descura quem tem um negócio. E há negócio que renda mais que o negócio da vida eterna?

236 À hora do exame, vai prevenido contra o demônio mudo.

237 Examina–te: devagar, com valentia. – Não é verdade que o teu mau humor e a tua tristeza inexplicáveis (inexplicáveis, aparentemente) procedem da tua falta de decisão em cortar os laços, sutis, mas "concretos", que te armou – arteiramente, com paliativos – a tua concupiscência?

238 O exame geral assemelha–se à defesa. – O particular, ao ataque. – O primeiro é a armadura. O segundo, espada toledana*. (*)As espadas fabricadas na cidade castelhana de Toledo eram conhecidas pela excelente têmpera do seu aço (N. do T.).

239 Um olhar sobre o passado. – E... lamentar–te? Não, que é estéril. – Aprender, que é fecundo.

240 Pede luz. Insiste. – Até dares com a raiz, para lhe aplicares essa arma de combate que é o exame particular.

241 Com o exame particular tens de procurar diretamente adquirir uma virtude determinada ou arrancar o defeito que te domina.

242 "Quanto não devo a Deus, como cristão! A minha falta de correspondência, perante essa dívida, tem–me feito chorar de dor: de dor de Amor. Mea culpa!" – Bom é que vás reconhecendo as tuas dívidas. Mas não esqueças como se pagam: com lágrimas... e com obras.

243 Qui fidelis est in minimo et in maiori fidelis est – quem é fiel no pouco, também o é no muito. – São palavras de São Lucas, que te indicam – faz exame – a raiz dos teus descaminhos.

244 Reage. – Ouve o que te diz o Espírito Santo: Si inimicus meus maledixisset mihi, sustinuissem utique – que o meu inimigo me ofenda, não é estranho e é mais tolerável. Mas tu... tu vero homo unanimis, dux meus, et notus meus, qui simul mecum dulces capiebas cibos" – tu, meu amigo, meu apóstolo, que te sentas à minha mesa e comes comigo doces manjares!

245 Em dias de retiro, o teu exame deve ser mais profundo e mais extenso que o habitual exame da noite. – Quando não, perdes uma grande ocasião de retificar.

246 Acaba sempre o teu exame com um ato de Amor – dor de Amor –: por ti, por todos os pecados dos homens... – E considera o cuidado paternal de Deus, que afastou de ti os obstáculos para que não tropeçasses.

 «    PROPÓSITOS    » 

247 Concretiza. – Que os teus propósitos não sejam fogos de artifício, que brilham um instante para deixarem, como realidade amarga, uma vareta de foguete, negra e inútil, que se joga fora com desprezo.

248 És tão jovem! – Pareces um barco que empreende viagem. – Esse ligeiro desvio de agora, se não o corriges, fará que no fim não chegues ao porto.

249 Faz poucos propósitos. – Faz propósitos concretos. – E cumpre–os com a ajuda de Deus.

250 Disseste–me e te ouvi em silêncio: "Sim, quero ser santo". Se bem que esta afirmação, tão esfumada, tão geral, me pareça normalmente uma tolice.

251 Amanhã! Algumas vezes, é prudência; muitas vezes, é o advérbio dos vencidos.

252 Faz este propósito determinado e firme: lembrar–te, quando te derem honras e louvores, daquilo que te envergonha e te faz corar. – Isso é teu; o louvor e a glória, de Deus.

253 Porta–te bem "agora", sem te lembrares de "ontem", que já passou, e sem te preocupares com o "amanhã", que não sabes se chegará para ti.

254 Agora! Volta à tua vida nobre agora. – Não te deixes enganar: "agora" não é demasiado cedo... nem demasiado tarde.

255 Queres que te diga tudo o que penso do "teu caminho"? Pois olha: verás que, se correspondes à chamada, trabalharás por Cristo como ninguém; se te fazes homem de oração, conseguirás essa correspondência de que te falo, e procurarás, com fome de sacrifício, os trabalhos mais duros... E serás feliz aqui, e felicíssimo depois, na Vida.

256 Essa chaga dói. – Está, porém, em vias de cura; sê consequente com os teus propósitos. – E em breve a dor será gozosa paz.

257 Estás como um saco de areia. – Não fazes nada da tua parte. E assim não admira que comeces a sentir os sintomas da tibieza. – Reage.

 «    ESCRÚPULOS    » 

258 Repele esses escrúpulos que te tiram a paz. – Não é de Deus o que rouba a paz da alma. Quando Deus te visitar, hás de sentir a verdade daquelas saudações: Dou–vos a paz..., deixo–vos a paz..., a paz seja convosco... E isto, no meio da tribulação.

259 Ainda os escrúpulos! – Fala com simplicidade e clareza ao teu Diretor. Obedece..., e não julgues que é tão mesquinho assim o Coração amorosíssimo do Senhor.

260 Tristeza, abatimento. – Não me admira; é a nuvem de pó que a tua queda levantou. Mas basta! Por acaso o vento da graça não levou para longe essa nuvem? Além disso, a tua tristeza – se não a repeles – bem pode ser o invólucro da tua soberba. – Julgavas–te perfeito e impecável?

261 Proíbo–te que penses mais nisso. – Pelo contrário, louva a Deus, que fez voltar a vida à tua alma.

262 Não penses mais na tua queda. – Esse pensamento, além de pesada laje que te cobre e esmaga, facilmente se tornará uma ocasião de próximas tentações. – Cristo te perdoou. Esquece o "homem velho".

263 Não desanimes. – Eu te vi lutar... A tua derrota de hoje é treino para a vitória definitiva.

264 Sei que te portaste bem..., apesar de teres caído tão fundo. – Sei que te portaste bem, porque te humilhaste, porque retificaste, porque te encheste de esperança, e a esperança te trouxe de novo ao Amor. – Não faças essa cara boba de surpresa; de fato, te portaste bem! – Já te levantaste do chão. "Surge', clamou de novo a voz poderosa, et ambula!* – Agora, ao trabalho! (*)"Levanta–te e anda!" (N. do T.).

 «    PRESENÇA DE DEUS    » 

265 Os filhos..., como procuram comportar–se dignamente quando estão diante de seus pais! E os filhos de Reis, diante de seu pai El–Rei, como procuram guardar a dignidade da realeza! E tu... não sabes que estás sempre diante do Grande Rei, teu Pai–Deus?

266 Não tomes uma decisão sem te deteres a considerar o assunto diante de Deus.

267 É preciso convencer–se de que Deus está junto de nós continuamente. – Vivemos como se o Senhor estivesse lá longe, onde brilham as estrelas, e não consideramos que também está sempre ao nosso lado. E está como um Pai amoroso – quer mais a cada um de nós do que todas as mães do mundo podem querer a seus filhos –, ajudando–nos, inspirando–nos, abençoando... e perdoando. Quantas vezes fizemos desanuviar o rosto de nossos pais, dizendo–lhes, depois de uma travessura: não volto a fazer mais! – Talvez naquele mesmo dia tenhamos tornado a cair... – E o nosso pai, com fingida dureza na voz, de cara séria, repreende–nos..., ao mesmo tempo que se enternece o seu coração, conhecedor da nossa fraqueza, pensando: pobre criatura, que esforços faz para se portar bem! Necessário é que nos embebamos, que nos saturemos de que Pai e muito Pai nosso é o Senhor que está junto de nós e nos Céus.

268 Habitua–te a elevar o coração a Deus em ação de graças, muitas vezes ao dia. – Porque te dá isto e aquilo. – Porque te desprezaram. – Porque não tens o que precisas, ou porque o tens. Porque fez tão formosa a sua Mãe, que é também tua Mãe. – Porque criou o Sol e a Lua e este animal e aquela planta. – Porque fez aquele homem eloquente e a ti te fez difícil de palavra... Dá–Lhe graças por tudo, porque tudo é bom.

269 Não sejas tão cego ou tão estouvado que deixes de meter–te dentro de cada Sacrário quando divisares os muros ou as torres das casas do Senhor. – Ele te espera. Não sejas tão cego ou tão estouvado que deixes de rezar a Maria Imaculada ao menos uma jaculatória sempre que passes junto de lugares onde sabes que se ofende a Cristo.

270 Não te alegras quando descobres no teu caminho habitual, pelas ruas da cidade, outro Sacrário?

271 Dizia uma alma de oração: nas intenções, seja Jesus o nosso fim; nos afetos, o nosso Amor; na palavra, o nosso assunto; nas ações, o nosso modelo.

272 Emprega esses santos "expedientes humanos" que te aconselhei para não perderes a presença de Deus: jaculatórias, atos de Amor e desagravo, comunhões espirituais, "olhares" à imagem de Nossa Senhora...

273 Só! – Não estás só. Fazemos–te muita companhia, mesmo de longe. – Além disso..., firmado na tua alma em graça, o Espírito Santo – Deus contigo – vai dando tom sobrenatural a todos os teus pensamentos, desejos e obras.

274 "Padre" – dizia–me aquele rapagão (que será feito dele?), bom estudante da Central* –, "estava pensando no que o senhor me falou..., que sou filho de Deus! E me surpreendi, pela rua, de corpo emproado e soberbo por dentro... Filho de Deus!" Aconselhei–o, com segura consciência, a fomentar a "soberba". (*)Assim se chamava à Universidade de Madrid na época em que Caminho foi escrito (N. do T.).

275 Não duvido da tua retidão. – Sei que ages na presença de Deus. Mas... (há um "mas"!) as tuas ações são presenciadas ou podem ser presenciadas por homens que julguem humanamente... E é preciso dar–lhes bom exemplo.

276 Se te habituares, mesmo que seja uma só vez por semana, a procurar a união com Maria para ir a Jesus, verás como tens mais presença de Deus.

277 Perguntas–me: – Por que essa Cruz de madeira? – E copio de uma carta: "Ao levantar a vista do microscópio, o olhar vai tropeçar na Cruz negra e vazia. Esta Cruz sem Crucificado é um símbolo. Tem um sentido que os outros não entenderão. E aquele que, cansado, estava a ponto de abandonar a tarefa, aproxima de novo os olhos da ocular e continua trabalhando: porque a Cruz solitária está pedindo uns ombros que carreguem com ela."

278 Tem presença de Deus e terás vida sobrenatural.

 «    VIDA SOBRENATURAL    » 

279 As pessoas, geralmente, têm uma visão plana, pegada à terra, de duas dimensões. – Quando a tua vida for sobrenatural, obterás de Deus a terceira dimensão: a altura. E, com ela, o relevo, o peso e o volume.

280 Se perdes o sentido sobrenatural da tua vida, a tua caridade será filantropia; a tua pureza, decência; a tua mortificação, bobice; as tuas disciplinas, látego; e todas as tuas obras, estéreis.

281 O silêncio é como que o porteiro da vida interior.

282 Paradoxo: é mais acessível ser santo do que sábio, mas é mais fácil ser sábio do que santo.

283 Distrair–te. – Precisas distrair–te..., abrindo muito os olhos, para que entrem bem as imagens das coisas, ou fechando–os quase, por exigência da tua miopia... Fecha–os de todo! Tem vida interior, e verás, com cor o relevo imprevistos, as maravilhas de um mundo melhor, de um mundo novo: e terás intimidade com Deus..., e conhecerás a tua miséria..., e te endeusarás..., com um endeusamento que, aproximando–te de teu Pai, te fará mais irmão de teus irmãos, os homens.

284 Aspiração: que eu seja bom, e todos os outros melhores do que eu.

285 A conversão é coisa de um instante. A santificação é obra de toda a vida.

286 Não há nada melhor no mundo do que estar em graça de Deus.

287 Pureza de intenção. – Tê–la–ás sempre se, sempre e em tudo, só procurares agradar a Deus.

288 Mete–te nas chagas de Cristo Crucificado. Ali aprenderás a guardar os teus sentidos, terás vida interior, e oferecerás ao Pai continuamente as dores do Senhor e as de Maria, para pagar por tuas dívidas e por todas as dívidas dos homens.

289 Essa tua santa impaciência por servi–Lo não desagrada a Deus. – Mas será estéril se não for acompanhada por um efetivo melhoramento na tua conduta diária.

290 Retificar. – Cada dia um pouco. – Eis o teu trabalho constante, se de verdade queres tornar–te santo.

291 Tens obrigação de santificar–te. – Tu também. – Alguém pensa, por acaso, que é tarefa exclusiva de sacerdotes e religiosos? A todos, sem exceção, disse o Senhor: "Sede perfeitos, como meu Pai Celestial é perfeito".

292 A tua vida interior deve ser isso precisamente: começar... e recomeçar...

293 Na vida interior, tens considerado devagar a beleza de "servir" com voluntariedade sempre atual?

294 Não se viam as plantas cobertas pela neve. – E o agricultor, dono do campo, comentou jovialmente: "Agora, estão crescendo para dentro". – Pensei em ti, na tua forçosa inatividade... – E... diz–me uma coisa: também cresces para dentro?

295 Se não és senhor de ti mesmo, ainda que sejas poderoso, dá–me pena e riso o teu poderio.

296 É duro ler nos Santos Evangelhos a pergunta de Pilatos: "Quem quereis que vos solte? Barrabás ou Jesus, que se chama Cristo?" – É mais penoso ouvir a resposta: "Barrabás!" E mais terrível ainda verificar que – muitas vezes! –, ao afastar–me do caminho, tenho dito também: "Barrabás!" E tenho acrescentado: "Cristo?... Crucifige eum! – Crucifica–o!"

297 Tudo isso, que te preocupa de momento, é mais ou menos importante. – O que importa acima de tudo é que sejas feliz, que te salves.

298 Luzes novas! – Que alegria sentes porque o Senhor te fez descobrir uma nova América! – Aproveita esses instantes: é a hora de sacudires o pó de alguns recantos da tua alma, de abandonares certas rotinas, de agires mais sobrenaturalmente, de evitares um possível escândalo ao próximo... – Numa palavra: que o teu agradecimento se manifeste em um propósito concreto.

299 Cristo morreu por ti. – Tu... que deves fazer por Cristo?

300 A tua experiência pessoal – esse desgosto, essa inquietação, essa amargura – te faz sentir a verdade daquelas palavras de Jesus: "Ninguém pode servir a dois senhores!"

 «    MAIS SOBRE VIDA INTERIOR    » 

301 Um segredo. – Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de santos. – Deus quer um punhado de homens "seus" em cada atividade humana. – Depois... pax Christi in regno Christi – a paz de Cristo no reino de Cristo.

302 O teu Crucifixo. – Como cristão, deverias trazer sempre contigo o teu Crucifixo. E colocá–lo sobre a tua mesa de trabalho. E beijá–lo antes de te entregares ao descanso e ao acordar. – E quando o pobre corpo se rebelar contra a tua alma, beija–o também.

303 Perde o medo de chamar o Senhor pelo seu nome – Jesus – e de Lhe dizer que O amas.

304 Procura encontrar diariamente uns minutos dessa bendita solidão que tanta falta te faz para teres em andamento a vida interior.

305 Escreveste–me: "A simplicidade é como que o sal da perfeição. E é o que me falta. Quero consegui–la, com a ajuda dEle e a sua". – Nem a dEle nem a minha te hão de faltar. – Põe em prática os meios.

306 Que a vida do homem sobre a terra é milícia, disse–o Jó há muitos séculos. – Ainda há comodistas que não deram por isso.

307 Esse modo sobrenatural de proceder é uma verdadeira tática militar. – Sustentas a guerra – as lutas diárias da tua vida interior – em posições que colocas longe dos redutos da tua fortaleza. E o inimigo acode aí: à tua pequena mortificação, à tua oração habitual, ao teu trabalho metódico, ao teu plano de vida; e é difícil que chegue a aproximar–se dos torreões, fracos para o assalto, do teu castelo. E, se chega, chega sem eficácia.

308 Escreves–me e copio: "A minha alegria e a minha paz... Nunca poderei ter verdadeira alegria se não tiver paz. E o que é a paz? A paz é algo de muito relacionado com a guerra. A paz é consequência da vitória. A paz exige de mim uma contínua luta. Sem luta, não poderei ter paz".

309 Repara que entranhas de misericórdia tem a justiça de Deus! – Porque, nos julgamentos humanos, castiga–se a quem confessa a sua culpa; e no divino, perdoa–se. Bendito seja o santo Sacramento da Penitência!

310 Induimini Dominum Jesum Christum – revesti–vos de Nosso Senhor Jesus Cristo, dizia São Paulo aos Romanos. – É no Sacramento da Penitência que tu e eu nos revestimos de Jesus Cristo e dos seus merecimentos.

311 A guerra! – A guerra – dizes – tem uma finalidade sobrenatural desconhecida do mundo: a guerra foi feita para nós... – A guerra é o obstáculo máximo do caminho fácil. – Mas temos de amá–la, ao fim e ao cabo, como o religioso deve amar as suas disciplinas.

312 O poder do teu nome, Senhor! – Encabecei a minha carta como costumo: "Jesus te guarde". – E me escrevem: "O Jesus te guarde da sua carta já me serviu para escapar de uma boa. Que Ele os guarde a todos também".

313 "Já que o Senhor me ajuda com a sua habitual generosidade, procurarei corresponder com um aprimoramento dos meus modos", disseste–me. E eu nada tive que acrescentar.

314 Escrevi–te dizendo: "Apóio–me em ti. Vê lá o que fazemos!..." – Que havíamos de fazer, senão apoiar–nos no Outro!

315 Missionário. – Sonhas em ser missionário. Tens vibrações como as de Xavier, e queres conquistar para Cristo um império. – O Japão, a China, a Índia, a Rússia..., os povos frios do norte da Europa, ou a América, ou a África, ou a Austrália... – Fomenta esses incêndios em teu coração, essa fome de almas. Mas não esqueças que és mais missionário "obedecendo". Geograficamente longe desses campos de apostolado, trabalhas "aqui" e "ali". Não sentes – como Xavier! – o braço cansado, depois de administrares a tantos o batismo?

316 Dizes que sim, que queres. – Está bem. – Mas... queres como um avaro quer o seu ouro, como uma mãe quer ao seu filho, como um ambicioso quer as honras, ou como um pobre sensual quer o seu prazer? – Não? Então não queres.

317 Que empenho põem os homens em seus assuntos terrenos!: sonhos de honras, ambição de riquezas, preocupações de sensualidade. – Eles e elas, ricos e pobres, velhos e homens feitos e moços e até crianças; todos a mesma coisa. – Quando tu e eu pusermos o mesmo empenho nos assuntos da nossa alma, teremos uma fé viva e operante; e não haverá obstáculo que não vençamos nos nossos empreendimentos apostólicos.

318 Para ti, que és esportista, que boa razão é a do Apóstolo!: Nescitis quod ii qui in stadio currunt omnes quidem currunt, sed unus accipit bravium? Sic currite ut comprehendatis. – Não sabeis que, dos que correm no estádio, embora todos corram, um só obtém o prêmio? Correi de tal maneira que o ganheis.

319 Recolhe–te. – Procura a Deus em ti e escuta–O.

320 Fomenta esses pensamentos nobres, esses santos desejos incipientes... – Uma faísca pode dar origem a uma fogueira.

321 Alma de apóstolo: essa intimidade de Jesus contigo – tão junto dEle, tantos anos! – não te diz nada?

322 É verdade que ao nosso Sacrário chamo sempre Betânia... – Faz–te amigo dos amigos do Mestre: Lázaro, Marta, Maria. – E depois não me perguntarás mais por que chamo Betânia ao nosso Sacrário.

323 Tu sabes que há "conselhos evangélicos". Segui–los é uma finura de Amor. – Dizem que é caminho de poucos. – Às vezes penso que podia ser caminho de muitos.

324 Quia hic homo coepit aedificare et non potuit consummare! – começou a edificar e não pôde terminar! Triste comentário que, se quiseres, não se fará de ti, porque tens todos os meios para coroar o edifício da tua santificação: a graça de Deus e a tua vontade.

 «    TIBIEZA    » 

325 Luta contra essa frouxidão que te faz preguiçoso e desleixado na tua vida espiritual. – Olha que pode ser o princípio da tibieza..., e, na frase da Escritura, os tíbios, Deus os vomitará.

326 Dói–me ver o perigo de tibieza em que te encontras quando não te vejo caminhar seriamente para a perfeição dentro do teu estado. – Diz comigo: Não quero tibieza! Confige timore tuo carnes meas! – dai–me, meu Deus, um temor filial que me faça reagir!

327Já sei que evitas os pecados mortais. – Queres salvar–te! – Mas não te preocupa esse contínuo cair deliberadamente em pecados veniais, ainda que sintas o chamado de Deus para te venceres em cada caso. – É a tibieza que torna a tua vontade tão fraca.

328 Que pouco Amor de Deus tens quando cedes sem luta só porque não é pecado grave!

329 Os pecados veniais fazem muito mal à alma. – Por isso, capite nobis vulpes parvulas, quae demoliuntur vineas, diz o Senhor no "Cântico dos Cânticos": caçai as pequenas raposas que destroem a vinha.

330 Que pena me dás enquanto não sentires dor dos teus pecados veniais! – Porque, até então, não terás começado a ter verdadeira vida interior.

331 És tíbio se fazes preguiçosamente e de má vontade as coisas que se referem ao Senhor; se procuras com cálculo ou "manha" o modo de diminuir os teus deveres; se só pensas em ti e na tua comodidade; se as tuas conversas são ociosas e vãs; se não aborreces o pecado venial; se ages por motivos humanos.

 «    ESTUDO    » 

332 Àquele que puder ser sábio, não lhe perdoamos que não o seja.

333 Estudo. – Obediência: Non multa, sed multum*. (*)"Não muitas coisas, mas muito", em profundidade (N. do T.).

334 Oras, mortificas–te, trabalhas em mil coisas de apostolado..., mas não estudas. – Não serves, então, se não mudas. O estudo, a formação profissional, seja qual for, é obrigação grave entre nós.

335 Para um apóstolo moderno, uma hora de estudo é uma hora de oração.

336 Se tens de servir a Deus com a tua inteligência, para ti estudar é uma obrigação grave.

337 Frequentas os Sacramentos, fazes oração, és casto... e não estudas... – Não me digas que és bom; és apenas bonzinho.

338 Dantes, como os conhecimentos humanos – a ciência – eram muito limitados, parecia bem possível que um só homem sábio pudesse fazer a defesa e a apologia da nossa santa Fé. Hoje, com a extensão e a intensidade da ciência moderna, é preciso que os apologistas dividam entre si o trabalho, para defenderem cientificamente a Igreja em todos os campos. – Tu... não podes furtar–te a esta obrigação.

339 Livros. Não os compres sem te aconselhares com pessoas cristãs, doutas e prudentes. – Poderias comprar uma coisa inútil ou prejudicial. Quantas vezes julgam levar debaixo do braço um livro... e levam um montão de lixo!

340 Estuda. – Estuda com empenho. – Se tens de ser sal e luz, necessitas de ciência, de idoneidade. Ou julgas que, por seres mandrião e comodista, hás de receber ciência infusa?

341 Está certo que ponhas esse empenho no estudo, sempre que ponhas o mesmo empenho em adquirir a vida interior.

342 Não esqueças que antes de ensinar é preciso fazer. – Coepit facere et docere, diz de Jesus Cristo a Sagrada Escritura: começou a fazer e a ensinar. – Primeiro, fazer. Para que tu e eu aprendamos.

343 Trabalha. – Quando tiveres a preocupação de um trabalho profissional, melhorará a vida da tua alma. E serás mais varonil, porque abandonarás esse "espírito de mexerico" que te consome.

344 Educador: o inegável empenho que pões em conhecer e praticar o melhor método para que os teus alunos adquiram a ciência terrena, põe–no também em conhecer e praticar a ascética cristã, que é o único método para que eles e tu sejais melhores.

345 Cultura, cultura! – Está certo. Que ninguém nos vença em ambicioná–la e possuí–la. – Mas a cultura é meio, e não fim.

346 Estudante: forma–te numa piedade sólida e ativa, sobressai no estudo, sente anelos firmes de apostolado profissional. – E eu te prometo, ante o vigor da tua formação religiosa e científica, próximas e amplas conquistas.

347 Só te preocupas em edificar a tua cultura. E é preciso edificar a tua alma. – Assim trabalharás como deves, por Cristo. Para que Ele reine no mundo, é necessário que haja gente que, com o olhar posto no Céu, se dedique prestigosamente a todas as atividades humanas e, dentro delas, realize silenciosamente – e eficazmente – um apostolado de caráter profissional.

348 A tua incúria, o teu desleixo, a tua mandriice são covardia e comodismo – assim te argúi continuamente a consciência –, mas "não são caminho".

349 Fica tranquilo se exprimiste uma opinião ortodoxa, ainda que a malícia de quem te escutou o leve a escandalizar–se. – Porque o seu escândalo é farisaico.

350 Não é suficiente seres sábio, além de bom cristão. – Se não corriges as maneiras bruscas do teu caráter, se tornas incompatível o teu zelo e a tua ciência com a boa educação, não compreendo como possas vir a ser santo. – E mesmo que realmente sejas sábio, devias estar amarrado a uma manjedoura, como um mulo.

351 Com esse ar de auto–suficiência, tornas–te aborrecido e antipático, fazes o ridículo e, o que é pior, tiras eficácia ao teu trabalho de apóstolo. Não esqueças que até os "medíocres" podem pecar por demasiado sábios.

352 A tua própria inexperiência te leva a essa presunção, a essa vaidade, a isso que tu julgas que te dá um ar de importância. – Corrige–te, por favor. Néscio e tudo, podes chegar a ocupar cargos de direção (mais de um caso se tem visto), e, se não te persuades da tua falta de dotes, te negarás a escutar os que têm dom de conselho. – E dá medo pensar no mal que fará o teu desgoverno.

353 Aconfessionalismo. – Neutralidade. – Velhos mitos que tentam sempre remoçar. Tens–te dado ao trabalho de meditar no absurdo que é deixar de ser católico ao entrar na Universidade, ou na Associação profissional, ou na sábia Assembléia, ou no Parlamento, como quem deixa o chapéu à porta?

354 Aproveita o tempo. – Não te esqueças da figueira amaldiçoada. Já fazia alguma coisa: dar folhas. Como tu... Não me digas que tens desculpas. De nada valeu à figueira – narra o Evangelista – não ser tempo de figos, quando o Senhor lá os foi buscar. – E estéril ficou para sempre.

355 Os que andam em negócios humanos dizem que o tempo é ouro. – Parece–me pouco; para nós, que andamos em negócios de almas, o tempo é Glória!

356 Não compreendo que te digas cristão e tenhas essa vida de mandrião inútil. – Será que esqueces a vida de trabalho de Cristo?

357 Todos os pecados – disseste–me – parece que estão à espera do primeiro momento de ócio. O próprio ócio já deve ser um pecado! – Quem se entrega a trabalhar por Cristo não há de ter um momento livre, porque o descanso não é não fazer nada; é distrair–se em atividades que exigem menos esforço.

358 Estar ocioso é coisa que não se compreende num homem com alma de apóstolo.

359 Coloca um motivo sobrenatural na tua atividade profissional de cada dia, e terás santificado o trabalho.

 «    FORMAÇÃO    » 

360 Como te rias, nobremente, quando te aconselhei a pôr teus anos moços sob a proteção de São Rafael!: para que ele te leve a um matrimônio santo, como ao jovem Tobias, com uma moça que seja boa e bonita e rica – disse–te, gracejando. E depois, que pensativo ficaste quando continuei a aconselhar–te que te pusesses também sob o patrocínio daquele Apóstolo adolescente, João, para o caso de o Senhor te pedir mais.

361 Para ti, que te queixas interiormente porque te tratam com dureza, e sentes o contraste desse rigor com a conduta da tua família, copio estes parágrafos da carta de um tenente médico: "Diante do enfermo, é possível a atitude fria e calculadora, mas objetiva e útil para o paciente, do profissional honesto. E também a pieguice lamurienta da família. – Que seria de um posto de socorros durante um combate, quando vai chegando a vaga de feridos, que se amontoam porque a evacuação não é suficientemente rápida, se junto de cada maca houvesse uma família? Era caso para se passar ao inimigo".

362 Não necessito de milagres; bastam–me os que há na Escritura. – Pelo contrário, faz–me falta o teu cumprimento do dever, a tua correspondência à graça.

363 Desiludido. – Vens de asa caída. Os homens acabam de te dar uma lição! – Julgavam que não necessitavas deles, e se desfaziam em oferecimentos. A possibilidade de terem que ajudar–te economicamente – uns miseráveis cruzeirinhos – converteu a amizade em indiferença. – Confia só em Deus e naqueles que, por Ele, estão unidos a ti.

364 Ah! Se te propusesses servir a Deus "seriamente", com o mesmo empenho que pões em servir a tua ambição, as tuas vaidades, a tua sensualidade!...

365 Se sentes impulsos de ser líder, a tua aspiração deve ser esta: com os teus irmãos, o último; com os outros, o primeiro.

366 Mas olha aqui: de que injúria te queixas só porque este ou aquele tem mais confiança com determinadas pessoas, que conheceu antes ou por quem sente mais afinidades de simpatia, de profissão, de caráter? – No entanto, entre os teus, evita cuidadosamente mesmo a aparência de uma amizade particular.

367 O manjar mais delicado e seleto, se o comer um porco (que assim se chama, sem perdão da palavra), converte–se, quando muito, em carne de porco! Sejamos anjos, para dignificar as idéias ao assimilá–las. – Pelo menos, sejamos homens, para converter os alimentos ao menos em músculos nobres e belos, ou talvez em cérebro potente... capaz de entender e adorar a Deus. – Mas... não sejamos bestas, como tantos e tantos!

368 Estás entediado? – É que tens os sentidos despertos e a alma adormecida.

369 A caridade de Jesus Cristo te levará a muitas concessões... nobilíssimas. – E a caridade de Jesus Cristo te levará a muitas intransigências... nobilíssimas também.

370 Se não és mau e o pareces, és bobo. – E essa bobice – pedra de escândalo – é pior do que a maldade.

371 Quando fervilham, liderando manifestações exteriores de religiosidade, pessoas profissionalmente mal conceituadas, com certeza sentis vontade de lhes dizer ao ouvido: – Por favor, tenham a bondade de ser menos católicos!

372 Se ocupas um posto oficial, tens também uns direitos, que nascem do exercício desse cargo, e uns deveres. – Desvias–te do teu caminho de apóstolo se, por ocasião – ou com o pretexto – de uma obra de apostolado, deixas por cumprir os deveres do cargo. Porque perderás o prestígio profissional, que é precisamente o teu "anzol de pescador de homens".

373 Gosto do teu lema de apóstolo: "Trabalhar sem descanso".

374 Por que essa precipitação? – Não me digas que é atividade; é estouvamento.

375 Dissipação. – Deixas que os teus sentidos e potências se embebam em qualquer charco. – E depois andas desse jeito: sem firmeza, dispersa a atenção, adormecida a vontade e desperta a concupiscência. – Torna a sujeitar–te com seriedade a um plano que te faça ter vida de cristão, ou nunca farás nada de proveito.

376 "Influi tanto o ambiente!", disseste–me. – E tive que responder: sem dúvida. Por isso é mister que seja tal a vossa formação, que saibais levar convosco, com naturalidade, o vosso próprio ambiente, para dar o "vosso tom" à sociedade em que viveis. – E então, se apreendeste esse espírito, tenho a certeza de que me dirás com o pasmo dos primeiros discípulos, ao contemplarem as primícias dos milagres que se operavam por suas mãos em nome de Cristo: "Influímos tanto no ambiente!"

377 E como adquirirei a "nossa formação", e como conservarei o "nosso espírito"? – Cumprindo as normas concretas que o teu Diretor te entregou e te explicou e te fez amar; cumpre–as, e serás apóstolo.

378 Não sejas pessimista. – Não sabes que tudo quanto sucede ou pode suceder é para bem? – Teu otimismo será consequência necessária da tua fé.

379 Naturalidade. – Que a vossa vida de cavalheiros cristãos, de mulheres cristãs – o vosso sal e a vossa luz – flua espontaneamente, sem esquisitices nem pieguices; levai sempre convosco o nosso espírito de simplicidade.

380 "E num ambiente paganizado ou pagão, quando esse ambiente chocar com a minha vida, não parecerá postiça a minha naturalidade?", perguntas. – E te respondo: chocará, sem dúvida, a tua vida com a deles. E esse contraste, porque confirma com as tuas obras a tua fé, é precisamente a naturalidade que eu te peço.

381 Não te importes se dizem que tens "espírito de grupo". – Que querem? Um instrumento deliquescente que se faça em pedaços à hora de empunhá–lo?

382 Ao oferecer–te aquela História de Jesus, pus como dedicatória: "Que procures Cristo. Que encontres Cristo. Que ames a Cristo". – São três etapas claríssimas. Tentaste, pelo menos, viver a primeira?

383 Se te vêem fraquejar... e és autoridade, não é de estranhar que se quebrante a obediência.

384 Confusionismo. Soube que estava vacilando a retidão do teu critério. E, para que me entendesses, escrevi–te: – O diabo tem a cara muito feia e, como é esperto, não se expõe a que lhe vejamos os cornos. Não vem de frente. – Por isso, quantas vezes aparece com disfarces de nobreza e até de espiritualidade!

385 Diz o Senhor: "Um preceito novo vos dou: que vos ameis uns aos outros... Nisto se conhecerá que sois meus discípulos". – E São Paulo: "Carregai os fardos uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo". – Eu não te digo nada.

386 Não esqueças, meu filho, que para ti, na terra, só há um mal que deverás temer e evitar com a graça divina: o pecado.

 «    O PLANO DA TUA SANTIDADE    » 

387 O plano de santidade que o Senhor nos pede é determinado por estes três pontos: – A santa intransigência, a santa coação e a santa desvergonha.

388 Uma coisa é a santa desvergonha, e outra o despudor "laico".

389 A santa desvergonha é uma característica da "vida de infância". A uma criança, nada a preocupa. – As suas misérias, as suas naturais misérias, põem–se em evidência com simplicidade, mesmo que todo o mundo a contemple... Essa desvergonha, aplicada à vida sobrenatural, traz consigo este raciocínio: louvor... menosprezo; admiração... escárnio; honra... desonra; saúde... doença; riqueza... pobreza; formosura... fealdade... E tudo isso... que importa?

390 Ri–te do ridículo. – Despreza o que dirão. Vê e sente a Deus em ti mesmo e no que te rodeia. – Assim acabarás conseguindo a santa desvergonha de que precisas – oh paradoxo! – para viver com delicadeza de cavalheiro cristão.

391 Se tens a santa desvergonha, que te importa "o que terão dito" ou "o que dirão"?

392 Convence–te de que o ridículo não existe para quem faz o melhor.

393 Um homem, um... cavalheiro transigente, tornaria a condenar Jesus à morte.

394 A transigência é sinal certo de não se possuir a verdade. Quando um homem transige em coisas de ideal, de honra ou de Fé, esse homem é um homem... sem ideal, sem honra e sem Fé.

395 Aquele homem de Deus, curtido na luta, argumentava assim: – Não transijo? Mas é claro! Porque estou persuadido da verdade do meu ideal. Pelo contrário, você é muito transigente... Parece–lhe que dois e dois sejam três e meio? – Não?... Nem por amizade cede em tão pouca coisa? – É que pela primeira vez se persuadiu de ter a verdade... e passou–se para o meu partido!

396 A santa intransigência não é destempero.

397 Sê intransigente na doutrina e na conduta. – Mas suave na forma. – Maça poderosa de aço, almofadada. – Sê intransigente, mas não sejas casmurro.

398 A intransigência não é intransigência sem mais nada: é "a santa intransigência". Não nos esqueçamos de que também há uma "santa coação".

399 Se, para salvar uma vida terrena, com o aplauso de todos, empregamos a força para evitar que um homem se suicide..., não havemos de poder empregar a mesma coação – a santa coação – para salvar a Vida (com maiúscula) de muitos que se obstinam em suicidar idiotamente a sua alma?

400 Quantos crimes se cometem em nome da justiça! – Se tu vendesses armas de fogo, e alguém te desse o preço de uma delas para matar com essa arma a tua mãe, tu venderias?... Mas será que não te dava o seu justo preço?!... – Professor, jornalista, político, diplomata: meditai.

401 Deus e audácia! – Audácia não é imprudência. – Audácia não é temeridade.

402 Não peças perdão a Jesus apenas de tuas culpas; não O ames com teu coração somente... Desagrava–O por todas as ofensas que Lhe têm feito, que Lhe fazem e Lhe hão de fazer...; ama–O com toda a força de todos os corações de todos os homens que mais O tenham amado. Sê audaz: diz–Lhe que estás mais louco por Ele que Maria Madalena, mais que Teresa e Teresinha..., mais apaixonado que Agostinho e Domingos e Francisco, mais que Inácio e Xavier.

403 Ganha mais audácia ainda e, quando precisares de alguma coisa, aceitando sempre de antemão o fiat*, não peças; diz: "Jesus, quero isto ou aquilo", porque assim pedem as crianças. (*)"Faça–se" (N. do T.).

404 Malograste! – Nós nunca malogramos. – Puseste por completo a tua confiança em Deus. Não omitiste, depois, nenhum meio humano. Convence–te? desta verdade: o teu êxito – agora e nisto – era malograr. – Dá graças ao Senhor e... torna a começar!

405 Malograste? – Tu (estás bem convencido) não podes malograr. Não malograste; adquiriste experiência. – Para a frente!

406 Aquilo, sim, foi um malogro, um desastre; porque perdeste o nosso espírito. – Já sabes que, com sentido sobrenatural, o final (vitória?, derrota? Ora!...) só tem um nome: êxito.

407 Não confundamos os direitos do cargo com os da pessoa. – Àqueles não se pode renunciar.

408 Santarrão está para santo como beato para piedoso: é a sua caricatura.

409 Não pensemos que há de valer alguma coisa a nossa aparente virtude de santos, se não estiver unida às comuns virtudes de cristãos. – Seria o mesmo que adornar–se com esplêndidas jóias sobre roupa de baixo.

410 Que a tua virtude não seja uma virtude sonora.

411 Muitos falsos apóstolos, apesar deles, fazem bem à massa, ao povo, pela própria virtude da doutrina de Jesus que pregam, ainda que não a pratiquem. Mas, com este bem, não se compensa o mal enorme e efetivo que produzem, matando almas de líderes, de apóstolos, que se afastam, enojadas, daqueles que não fazem o que ensinam aos outros. Por isso, se não querem ter uma vida íntegra, nunca devem pôr–se na primeira fila, como chefes de grupo – nem eles, nem elas.

412 Que o fogo do teu Amor não seja um fogo–fátuo – ilusão, mentira de fogo, que nem ateia em labaredas o que toca nem dá calor.

413 O non serviam* de Satanás tem sido demasiado fecundo. – Não sentes o impulso generoso de dizer cada dia, com vontade de oração e de obras, um "serviam" – eu Te servirei, eu Te serei fiel! – que vença em fecundidade aquele clamor de rebeldia? (*)"Não servirei" (N. do T.).

414 Que pena um "homem de Deus" pervertido! – Mas mais pena ainda um "homem de Deus" tíbio e mundano!

415 Não ligues muita importância ao que o mundo chama vitórias ou derrotas. – Sai tantas vezes derrotado o vencedor!

416 Sine me nihil potestis facere!** Nova luz, ou melhor, resplendores novos, para os meus olhos, dessa Luz Eterna que é o Santo Evangelho. – Podem surpreender–me as "minhas"...tolices? – Meta eu Jesus em todas as minhas coisas. E, então, não haverá tolices na minha conduta. E, para falar com propriedade, não direi mais as minhas coisas, mas "as nossas coisas". (**) "Sem mim nada podeis fazer" (N. do T.).

 «    AMOR DE DEUS    » 

417 Não há outro amor além do Amor!

418 O segredo para dar relevo às coisas mais humildes, mesmo às mais humilhantes, é amar.

419 Criança – Doente. – Ao escrever estas palavras, não sentis a tentação de as pôr com maiúsculas? É que, para uma alma enamorada, as crianças e os doentes são Ele.

420 Que pouco é uma vida para oferecê–la a Deus!...

421 Um amigo é um tesouro. – Quanto mais... um Amigo!..., que onde está o teu tesouro, aí está o teu coração.

422 Jesus é teu amigo. – O Amigo. – Com coração de carne como o teu. – Com olhos de olhar amabilíssimo, que choraram por Lázaro... – E, tanto como Lázaro, te ama a ti.

423 Meu Deus, eu Te amo, mas... ensina–me a amar!

424 Castigar por Amor: este é o segredo para elevar a um plano sobrenatural a pena imposta aos que a merecem. Por amor a Deus, a quem se ofende, sirva a pena de expiação; por amor ao próximo por Deus, nunca sirva a pena de vingança, mas de remédio salutar.

425 Saber que me amas tanto, meu Deus, e... não enlouqueci!

426 Em Cristo temos todos os ideais: porque é Rei, é Amor, é Deus.

427 Senhor: que eu tenha peso e medida em tudo... menos no Amor.

428 Se o amor, mesmo o amor humano, dá tantas consolações aqui, o que será o Amor no Céu?

429 Tudo o que se faz por Amor adquire formosura e se engrandece.

430 Jesus, que eu seja o último em tudo... e o primeiro no Amor.

431 Não temas a Justiça de Deus. – Tão admirável e tão amável é em Deus a Justiça como a Misericórdia; ambas são provas do Amor.

432 Considera o que há de mais formoso e grande na terra..., o que apraz ao entendimento e às outras potências..., o que é recreio da carne e dos sentidos... E o mundo, e os outros mundos que brilham na noite: o Universo inteiro. E isso, mais todas as loucuras do coração satisfeitas..., nada vale, é nada e menos que nada, ao lado deste Deus meu! – teu! –, tesouro infinito, pérola preciosíssima, humilhado, feito escravo, aniquilado sob a forma de servo no curral onde quis nascer, na oficina de José, na Paixão e na morte ignominiosa..., e na loucura de Amor da Sagrada Eucaristia.

433 Vive de Amor e vencerás sempre – ainda que sejas vencido – nas Navas e Lepantos* da tua vida interior. (*)Navas de Tolosa: famosa batalha travada em XXXX no sul da Espanha, ganha pelos exércitos dos reinos cristãos da Península Ibérica contra os muçulmanos da Andaluzia e do norte da Ôfrica. Lepanto: batalha naval travada no Mediterrâneo em 1571, entre uma esquadra turca e outra cristã. Venceu a frota cristã (N. do T.).

434 Deixa que teu coração transborde em efusões de Amor e de agradecimento ao considerar como a graça de Deus te liberta todos os dias dos laços que te arma o inimigo.

435 Timor Domini sanctus. – Santo é o temor de Deus. – Temor que é veneração do filho por seu Pai; nunca temor servil, porque teu Pai–Deus não é um tirano.

436 Dor de Amor. – Porque Ele é bom. – Porque é teu Amigo, que deu a sua Vida por ti. – Porque tudo o que tens de bom é dEle. – Porque O tens ofendido tanto... Porque te tem perdoado... Ele!... a ti! – Chora, meu filho, de dor de Amor.

437 Se um homem tivesse morrido para me livrar da morte!... – Morreu Deus. E fico indiferente.

438 Louco! – Bem te vi (julgavas–te só na capela episcopal) depor um beijo em cada cálice e em cada patena recém–consagrados; para que Ele os encontre, quando pela primeira vez "descer" a esses vasos eucarísticos.

439 Não esqueças que a Dor é a pedra de toque do Amor.

 «    CARIDADE    » 

440 Quando tiveres terminado o teu trabalho, faz o do teu irmão, ajudando–o, por Cristo, com tal delicadeza e naturalidade, que nem mesmo o favorecido repare que estás fazendo mais do que em justiça deves. – Isso, sim, é fina virtude de filho de Deus!

441 Doem–te as faltas de caridade do próximo para contigo. Quanto não hão de doer a Deus as tuas faltas de caridade – de Amor – para com Ele?

442 Não admitas um mau pensamento acerca de ninguém, mesmo que as palavras ou obras do interessado dêem motivo para assim julgares razoavelmente.

443 Não faças crítica negativa; quando não puderes louvar, cala–te.

444 Nunca fales mal do teu irmão, mesmo que tenhas motivos de sobra. – Vai primeiro ao Sacrário, e depois procura o Sacerdote, teu pai, e desabafa também com ele a tua pena. – E com mais ninguém.

445 A murmuração é crosta que suja e entorpece o apostolado. – Vai contra a caridade, tira forças, rouba a paz e faz perder a união com Deus.

446 Se és tão miserável, como estranhas que os outros tenham misérias?

447 Depois de ver em que se empregam, por completo!, muitas vidas (língua, língua, língua, com todas as suas consequências), parece–me mais necessário e mais amável o silêncio. – E compreendo muito bem que peças contas, Senhor, da palavra ociosa.

448 É mais fácil dizer que fazer. – Tu..., que tens essa língua cortante – de navalha –, experimentaste alguma vez, ao menos por acaso, fazer "bem" o que, segundo a tua "autorizada" opinião, os outros fazem menos bem?

449 Isso chama–se: bisbilhotice, murmuração, mexerico, enredo, intriga, alcovitice, insídia..., calúnia?... vileza? – É díficil que a "função de dar critério" de quem não tem o dever de a exercitar, não acabe em "negócio de comadres".

450 Quanto dói a Deus e quanto mal faz a muitas almas – e quanto pode santificar outras – a injustiça dos "justos"!

451 Não queiramos julgar. – Cada qual vê as coisas do seu ponto de vista... e com o seu entendimento, bem limitado quase sempre, e com os olhos obscurecidos ou enevoados, com trevas de exaltação muitas vezes. Além disso, tal como a desses pintores modernistas, a visão de certas pessoas é tão subjetiva e enfermiça, que desenham uns traços arbitrários, assegurando–nos que são o nosso retrato, a nossa conduta... Como valem pouco os juízos dos homens! – Não julgueis sem joeirar o vosso juízo na oração.

452 Esforça–te, se é preciso, por perdoar sempre aos que te ofendem, desde o primeiro instante, já que, por maior que seja o prejuízo ou a ofensa que te façam, mais te tem perdoado Deus a ti.

453 Murmuras? – Então, estás perdendo o bom espírito. E, se não aprendes a calar–te, cada palavra é um passo que te aproxima da porta de saída desse empreendimento apostólico em que trabalhas.

454 Não julgueis sem ouvir ambas as partes. – Muito facilmente, mesmo as pessoas que se têm por piedosas esquecem esta norma de prudência elementar.

455 Sabes o mal que podes ocasionar jogando para longe uma pedra com os olhos vendados? – Também não sabes o prejuízo que podes causar, às vezes grave, quando lanças frases de murmuração, que te parecem levíssimas por teres os olhos vendados pela falta de escrúpulos ou pela exaltação.

456 Fazer crítica, destruir, não é difícil: o último aprendiz de pedreiro sabe cravar a sua ferramenta na pedra nobre e bela de uma catedral. – Construir: esse é o trabalho que requer mestres.

457 Quem és tu para julgar do acerto do superior? – Não vês que ele tem mais elementos de juízo do que tu; mais experiência; mais retos, sábios e desapaixonados conselheiros; e, sobretudo, mais graça, uma graça especial, a graça de estado, que é luz e ajuda poderosa de Deus?

458 Esses choques com o egoísmo do mundo hão de fazer–te apreciar mais a caridade fraternal dos teus.

459 A tua caridade é... presunçosa. – De longe, atrais: tens luz. – De perto, repeles: falta–te calor. – Que pena!

460 "Frater qui adjuvatur a fratre quasi civitas firma" – O irmão ajudado por seu irmão é tão forte quanto uma cidade amuralhada. – Pensa um pouco e decide–te a viver a fraternidade que sempre te recomendo.

461 Se não te vejo praticar a bendita fraternidade que continuamente te prego, lembrar–te–ei aquelas comoventes palavras de São João: Filioli mei, non diligamus verbo neque lingua, sed opere et veritate – Filhinhos, não amemos com a palavra ou com a língua, mas com obras e de verdade.

462 O poder da caridade! – A vossa mútua fraqueza é também apoio que vos mantém erguidos no cumprimento do dever, se viveis a vossa bendita fraternidade: como mutuamente se sustêm, apoiando–se, as cartas do baralho.

463 Mais do que em "dar", a caridade está em "compreender". – Por isso, procura uma desculpa para o próximo – sempre as há –, se tens o dever de julgar.

464 Sabes que certa pessoa está em perigo para a sua alma? – De longe, com a tua vida de união, podes ser para ela uma ajuda eficaz. – Então vamos lá! E não te intranquilizes.

465 Essa preocupação que sentes por teus irmãos parece–me bem; é prova da vossa mútua caridade. – Procura, no entanto, que as tuas preocupações não degenerem em inquietação.

466 Escreves–me: – Regra geral, os homens são pouco generosos com o seu dinheiro. Conversas, entusiasmos buliçosos, promessas, planos. À hora do sacrifício, são poucos os que "metem ombros". E, se dão, há de ser com uma diversão de permeio – baile, bingo, cinema, coquetel – ou com anúncio e lista de donativos na imprensa. – O quadro é triste, mas tem exceções. Sê tu também dos que não deixam que a mão esquerda saiba o que faz a direita, quando dão esmola.

467 Livros. – Estendi a mão, como um pobrezinho de Cristo, e pedi livros. Livros!, que são alimento para a inteligência católica, apostólica e romana de muitos jovens universitários. – Estendi a mão, como um pobrezinho de Cristo... e sofri cada decepção! – Por que será que não entendem, Jesus, a profunda caridade cristã dessa esmola, mais eficaz do que dar pão de bom trigo?

468 És excessivamente cândido. – Dizes que são poucos os que praticam a caridade! – Porque ter caridade não é dar roupa velha ou moedas de cobre... – E me contas o teu caso e a tua desilusão. – Só me ocorre isto: vamos tu e eu dar e dar–nos sem tacanhice. E evitaremos que os que convivem conosco adquiram a tua triste experiência.

469 "Saudai todos os santos. Todos os santos vos saúdam. A todos os santos que vivem em Éfeso. A todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos". – Que comovente esse apelativo – santos! – que empregavam os primeiros fiéis cristãos para se designarem entre si, não é mesmo?! – Aprende a tratar com os teus irmãos.

 «    OS MEIOS    » 

470 Mas... e os meios? – São os mesmos de Pedro e Paulo, de Domingos e Francisco, de Inácio e Xavier: o Crucifixo e o Evangelho... – Será que te parecem pequenos?

471 Nos empreendimentos de apostolado, está certo – é um dever – que consideres os teus meios terrenos (2+2=4). Mas não esqueças – nunca! – que tens de contar, felizmente, com outra parcela: Deus + 2 + 2...

472 Serve ao teu Deus com retidão, sê–Lhe fiel... e não te preocupes com mais nada. Porque é uma grande verdade que, "se procuras o reino de Deus e a sua justiça, Ele te dará o resto – o material, os meios – por acréscimo".

473 Lança para longe de ti essa desesperança que te produz o conhecimento da tua miséria. – É verdade: por teu prestígio econômico, és um zero..., por teu prestígio social, outro zero..., e outro por tuas virtudes, e outro por teu talento... Mas à esquerda dessas negações está Cristo... E que cifra incomensurável não resulta!

474 Dizes que és... ninguém. – Que os outros levantaram e levantam agora maravilhas de organização, de propaganda. – Que têm todos os meios, enquanto tu não tens nenhum!... Está certo; mas lembra–te de Inácio: Ignorante, entre os doutores de Alcalá*. – Pobre, paupérrimo, entre os estudantes de Paris. – Perseguido, caluniado... É o caminho: ama e crê e sofre! O teu Amor e a tua Fé e a tua Cruz são os meios infalíveis para levares à prática e para eternizares as ânsias de apostolado que trazes no coração. (*)Alcalá de Henares, Universidade espanhola muito célebre no século XVI (N. do T.).

475 Reconheces–te miserável. E és. – Apesar de tudo – mais, por isso –, Deus te procurou. – Sempre emprega instrumentos desproporcionados: para que se veja que a "obra" é dEle. – A ti, só te pede docilidade.

476 Quando te "entregares" a Deus, não haverá dificuldade que possa abalar o teu otimismo.

477 Por que deixas esses recantos em teu coração? – Enquanto não te deres tu de todo, é inútil que pretendas levar outro a Deus. – Pobre instrumento és.

478 Mas – nesta altura! – será possível que ainda necessites da aprovação, do calor, das consolações dos poderosos, para continuares fazendo o que Deus quer? – Os poderosos costumam ser volúveis, e tu tens que ser constante. – Mostra–te agradecido, se te ajudam. E continua em frente, imperturbável, se te desprezam.

479 Não faças caso. – Sempre os "prudentes" têm chamado de loucuras as obras de Deus. – Para a frente! Audácia!

480 Estás vendo? Um fio e outro e muitos, bem entrançados, formam esse cabo, capaz de levantar pesos enormes. – Tu e os teus irmãos, unidas as vossas vontades para cumprir a de Deus, sereis capazes de vencer todos os obstáculos.

481 Quando só se procura a Deus, bem se pode pôr em prática, para fazer vingar as obras de apostolado, aquele princípio que um bom amigo nosso sustentava: "Gasta–se o que se deve, ainda que se deva o que se gasta".

482 Que importa que tenhas contra ti o mundo inteiro, com todos os seus poderes? Tu... para a frente! – Repete as palavras do salmo: "O Senhor é minha luz e minha salvação, a quem temerei?... Si consistant adversum me castra, non timebit cor meum – Ainda que me veja cercado de inimigos, não fraquejará meu coração".

483 Coragem! Tu... podes. – Não vês o que fez a graça de Deus com aquele Pedro dorminhoco, negador e covarde..., com aquele Paulo perseguidor, odiento e pertinaz?

484 Sê instrumento: de ouro ou de aço, de platina ou de ferro..., grande ou pequeno, delicado ou tosco... – Todos são úteis; cada um tem a sua missão própria. É como no mundo material: quem se atreverá a dizer que é menos útil o serrote do carpinteiro do que as pinças do cirurgião? – Teu dever é ser instrumento.

485 Certo. E daí? – Não entendo como te podes retrair desse trabalho de almas (se não é por oculta soberba: julgas–te perfeito), só porque o fogo de Deus que te atraiu, além da luz e do calor que te entusiasmam, lança às vezes a fumaça da fraqueza dos instrumentos.

486 Trabalho... há. – Os instrumentos não podem estar enferrujados. – Normas há também para evitar o mofo e a ferrugem. – Basta pô–las em prática.

487 Não te inquietes com o problema econômico que se avizinha do teu empreendimento de apostolado. – Aumenta a confiança em Deus, faz humanamente o que puderes, e verás com que rapidez o dinheiro deixa de ser problema!

488 Não deixes de fazer as coisas por falta de instrumentos; começa–se como se pode. – Depois, a função cria o órgão. Alguns, que não prestavam, tornam–se aptos. Com os outros, faz–se uma operação cirúrgica, ainda que doa – bons "cirurgiões" foram os santos! –, e segue–se adiante.

489 Fé viva e penetrante. Como a fé de Pedro. – Quando a tiveres, disse–o Ele, afastarás as montanhas, os obstáculos, humanamente insuperáveis, que se oponham aos teus empreendimentos de apóstolo.

490 Retidão de coração e boa vontade: com estes dois elementos e o olhar posto em cumprir o que Deus quer, verás transformados em realidade os teus sonhos de Amor e saciada a tua fome de almas.

491 Nonne hic est fabri filius? Nonne hic est faber, filius Mariae? – Porventura não é este o filho do artesão? Não é o artesão, filho de Maria? – Isto que disseram de Jesus, é bem possível que o digam de ti, com um pouco de pasmo e outro pouco de troça, quando "definitivamente" quiseres cumprir a Vontade de Deus, ser instrumento: "Mas este não é aquele?!..."– Cala–te. E que as tuas obras confirmem a tua missão.

 «    A VIRGEM MARIA    » 

492 O amor à nossa Mãe será sopro que atice em fogo vivo as brasas de virtude que estão ocultas sob o rescaldo da tua tibieza.

493 Ama a Senhora. E Ela te obterá graça abundante para venceres nesta luta quotidiana. – E de nada servirão ao maldito essas coisas perversas que sobem e sobem, fervendo dentro de ti, até quererem sufocar, com a sua podridão bem cheirosa, os grandes ideais, os mandamentos sublimes que o próprio Cristo pôs em teu coração. – Serviam!*. (*)"Servirei!" (N. do T.).

494 Sê de Maria e serás nosso.

495 A Jesus sempre se vai e se "volta" por Maria.

496 Como gostam os homens de que lhes recordem o seu parentesco com personagens da literatura, da política, do exército, da Igreja!... – Canta diante da Virgem Imaculada, recordando–lhe: Ave, Maria, Filha de Deus Pai; Ave, Maria, Mãe de Deus Filho; Ave, Maria, Esposa de Deus Espírito Santo... Mais do que tu, só Deus!

497 Diz: – Minha Mãe (tua, porque és seu por muitos títulos), que o teu amor me ate à Cruz de teu Filho; que não me falte a Fé, nem a valentia, nem a audácia, para cumprir a vontade do nosso Jesus.

498 Todos os pecados da tua vida parecem ter–se posto de pé. – Não desanimes. – Pelo contrário, chama por tua Mãe, Santa Maria, com fé e abandono de criança. Ela trará o sossego à tua alma.

499 Maria Santíssima, Mãe de Deus, passa inadvertida, como mais uma, entre as mulheres do seu povo. – Aprende dEla a viver com "naturalidade".

500 Traz sobre o teu peito o santo escapulário do Carmo. – Poucas devoções (há muitas e muito boas devoções marianas) estão tão arraigadas entre os fiéis e têm tantas bênçãos dos Pontífices. Além disso, é tão maternal este privilégio sabatino!

501 Quando te perguntaram que imagem da Senhora te dava mais devoção, e respondeste – como quem já fez bem a experiência – que todas, compreendi que eras um bom filho. Por isso te parecem bem (enamoram–me, disseste) todos os retratos da tua Mãe.

502 Maria, Mestra de oração. – Olha como pede a seu Filho em Caná. E como insiste, sem desanimar, com perseverança. – E como consegue. – Aprende.

503 Soledade de Maria. Só! – Chora, sem amparo. – Tu e eu devemos acompanhar a Senhora, e chorar também; porque a Jesus O pregaram ao madeiro, com pregos, as nossas misérias.

504 A Virgem Santa Maria, Mãe do Amor Formoso, aquietará o teu coração, quando te fizer sentir que é de carne, se recorres a Ela com confiança.

505 O amor à Senhora é prova de bom espírito, nas obras e nas pessoas singulares. – Desconfia do empreendimento que não tenha esse sinal.

506 A Virgem Dolorosa... Quando a contemplares, repara em seu Coração. É uma Mãe com dois filhos, frente a frente: Ele... e tu.

507 Que humildade, a de minha Mãe Santa Maria! – Não a vereis entre as palmas de Jerusalém, nem – afora as primícias de Caná – à hora dos grandes milagres. – Mas não foge ao desprezo do Gólgota; ali está juxta crucem Jesu, junto à cruz de Jesus, sua Mãe.

508 Admira a firmeza de Santa Maria: ao pé da Cruz, com a maior dor humana – não há dor como a sua dor –, cheia de fortaleza. – E pede–lhe dessa firmeza, para que saibas também estar junto da Cruz.

509 Maria, Mestra do sacrifício escondido e silencioso! – Vede–a, quase sempre oculta, colaborando com o Filho: sabe e cala.

510 Vedes com que simplicidade? – Ecce ancilla!...* – E o Verbo se fez carne. – Assim agiram os santos: sem espetáculo. Se houve, foi apesar deles. (*)"Eis a escrava" (N. do T.).

511 Ne timeas, Maria! – Não temas, Maria!... – Turbou–se a Senhora diante do Arcanjo. – E depois disto, quererei ainda desprezar esses pormenores de modéstia, que são a salvaguarda da minha pureza?!

512 Ó Mãe, Mãe! Com essa tua palavra – fiat – nos tornaste irmãos de Deus e herdeiros da sua glória. – Bendita sejas!

513 Antes, sozinho, não podias... – Agora, recorreste à Senhora, e, com Ela, que fácil!

514 Confia. – Torna. – Invoca a Senhora e serás fiel.

515 Sentes que, por momentos, te faltam as forças? – Por que não o dizes à tua Mãe, consolatrix afflictorum, auxilium christianorum..., Spes nostra, Regina apostolorum?*. (*)"Consoladora dos aflitos, auxílio dos cristãos..., Esperança nossa, Rainha dos apóstolos" (N. do T.).

516 Mãe! – Chama–a bem alto, bem alto. – Ela, tua Mãe Santa Maria, te escuta, te vê em perigo talvez, e te oferece, com a graça de seu Filho, o consolo de seu regaço, a ternura de suas carícias. E te encontrarás reconfortado para a nova luta.

 «    A IGREJA    » 

517 Et unam, sanctam, catholicam et apostolicam Ecclesiam!... – Compreendo essa tua pausa quando rezas, saboreando: Creio na Igreja, Una, Santa, Católica e Apostólica...

518 Que alegria poder dizer com todas as forças de minha alma: – Amo a minha Mãe, a santa Igreja!

519 Esse grito – Serviam! – é vontade de "servir" fidelissimamente a Igreja de Deus, mesmo à custa dos bens, da honra e da vida.

520 Católico, Apostólico, Romano! – Gosto de que sejas muito romano. E que tenhas desejos de fazer a tua "romaria", videre Petrum, para ver Pedro.

521 Que bondade a de Cristo ao deixar à sua Igreja os Sacramentos! – São remédio para cada necessidade. – Venera–os e fica muito agradecido ao Senhor e à sua Igreja.

522 Deves ter veneração e respeito pela Santa Liturgia da Igreja e por cada uma das suas cerimônias. – Cumpre–as fielmente. – Não vês que nós, os pobrezinhos dos homens, necessitamos que até as coisas mais nobres e grandes entrem pelos sentidos?

523 A Igreja canta – disse alguém – porque falar não seria bastante para a sua oração. – Tu, cristão – e cristão escolhido –, deves aprender a cantar liturgicamente.

524 O único jeito é romper a cantar!, dizia uma alma enamorada, depois de ver as maravilhas que o Senhor operava por seu ministério. – E eu te repito o conselho: canta! Que transborde em harmonias o teu agradecido entusiasmo pelo teu Deus.

525 Ser "católico" é amar a Pátria, sem a ninguém deixar que nos exceda nesse amor, e, ao mesmo tempo, ter por meus os ideais nobres de todos os países. Quantas glórias da França são glórias minhas! E igualmente muitos motivos de orgulho de alemães, de italianos, de ingleses..., de americanos e asiáticos e africanos, são também orgulho meu. – Católico!... Coração grande, espírito aberto.

526 Se não tens suma veneração pelo estado sacerdotal e pelo religioso, não é verdade que amas a Igreja de Deus.

527 Aquela mulher que, em casa de Simão o leproso, em Betânia, unge com rico perfume a cabeça do Mestre, recorda–nos o dever de sermos magnânimos no culto de Deus. – Todo o luxo, majestade e beleza me parecem pouco. – E, contra os que atacam a riqueza dos vasos sagrados, paramentos e retábulos, ouve–se o louvor de Jesus: Opus enim bonum operata est in me – uma boa obra foi a que ela fez comigo.

 «    SANTA MISSA    » 

528 Uma característica muito importante do homem apostólico é amar a Missa.

529 A Missa é comprida, dizes, e eu acrescento: porque o teu amor é curto.

530 Não é estranho que muitos cristãos – pausados e até solenes na vida social (não têm pressa), nas suas pouco ativas atuações profissionais, à mesa e no descanso (também não têm pressa) – se sintam apressados e apressem o Sacerdote na sua ânsia de encurtar, de abreviar o tempo dedicado ao Santíssimo Sacrifício do Altar?

531 "Tratai–mo bem, tratai–mo bem!", dizia, entre lágrimas, um velho Prelado aos novos Sacerdotes que acabava de ordenar. – Senhor! Quem me dera ter voz e autoridade para clamar desta maneira ao ouvido e ao coração de muitos cristãos, de muitos!

532 Como chorou, ao pé do altar, aquele jovem e santo Sacerdote, que mereceu o martírio, porque se lembrava de uma alma que se tinha aproximado em pecado mortal a receber Cristo! – Assim O desagravas tu?

533 Humildade de Jesus: em Belém, em Nazaré, no Calvário... Porém, mais humilhação e mais aniquilamento na Hóstia Santíssima; mais que no estábulo, e que em Nazaré, e que na Cruz. Por isso, como estou obrigado a amar a Missa! (A "nossa" Missa, Jesus...)

534 Quantos anos comungando diariamente! – Qualquer outro seria santo – disseste–me –, e eu, sempre na mesma! – Meu filho – te respondi –, continua com a Comunhão diária e pensa: que seria de mim se não tivesse comungado?

535 Comunhão, união, comunicação, confidência: Palavra, Pão, Amor.

536 Comunga. – Não é falta de respeito. – Comunga, hoje precisamente, que acabas de sair daquele laço. – Esqueces que Jesus disse: "Não é necessário o médico para os sãos, mas para os enfermos"?

537 Quando te aproximares do Sacrário, pensa que Ele!... faz vinte séculos que te espera.

538 Aí o tens: é Rei dos Reis e Senhor dos Senhores. – Está escondido no Pão. Humilhou–se até esse extremo por amor de ti.

539 Ficou para ti. – Não é reverência deixar de comungar, se estás bem preparado. –Irreverência é apenas recebê–Lo indignamente.

540 Que fonte de graças é a Comunhão espiritual! – Pratica–a com frequência, e terás mais presença de Deus e mais união com Ele nas obras.

541 Há uma urbanidade da piedade. – Aprende–a. – Dão pena esses homens "piedosos", que não sabem assistir à Missa – ainda que a ouçam diariamente –, nem benzer–se (fazem uns estranhos trejeitos, cheios de precipitação), nem dobrar o joelho diante do Sacrário (suas genuflexões ridículas parecem um escárnio), nem inclinar reverentemente a cabeça diante de uma imagem da Senhora.

542 Não empregueis no culto imagens de "série"; prefiro um Cristo de ferro tosco a esses crucifixos de massa repintalgada que parecem feitos de açucar.

543 Viste–me celebrar a Santa Missa sobre um altar desnudo – mesa e ara –, sem retábulo. O Crucifixo, grande. Os castiçais maciços, com tochas de cera escalonadas: mais altas junto da Cruz. Frontal da cor do dia. Casula ampla. O cálice, severo de linhas, de copa larga, e rico. Ausente a luz elétrica, cuja falta não notamos. – E te custou sair do oratório: estava–se bem ali. Vês como leva a Deus, como aproxima de Deus o rigor da liturgia?

 «    COMUNHÃO DOS SANTOS    » 

544 Comunhão dos Santos. – Como dizer–te? – Sabes o que são as transfusões de sangue para o corpo? Pois assim vem a ser a Comunhão dos Santos para a alma.

545 Vivei uma particular Comunhão dos Santos. E cada um sentirá, à hora da luta interior, e à hora do trabalho profissional, a alegria e a força de não estar só.

546 Filho: que bem viveste a Comunhão dos Santos quando me escrevias: "Ontem senti que o senhor pedia por mim"!

547 Um outro que sabe dessa "comunicação" de bens sobrenaturais, diz–me: "A sua carta me fez muito bem; nota–se que vem impregnada das orações de todos!... E eu necessito muito que rezem por mim".

548 Se sentires a Comunhão dos Santos – se a viveres –, serás de bom grado um homem penitente. – E compreenderás que a penitência é gaudium, etsi laboriosum – alegria, embora trabalhosa. E te sentirás "aliado" de todas as almas penitentes que foram, são e serão.

549 Terás mais facilidade em cumprir o teu dever, se pensares na ajuda que te prestam os teus irmãos e na que deixas de prestar–lhes se não és fiel.

550 Ideo omnia sustineo propter electos – tudo sofro pelos escolhidos – ut et ipsi salutem consequantur – para que eles obtenham a salvação – quae est in Christo Jesu – que está em Cristo Jesus. – Bom modo de viver a Comunhão dos Santos! – Pede ao Senhor que te dê este espírito de São Paulo.

 «    DEVOÇÕES    » 

551 Fujamos da "rotina" como do próprio demônio. – O grande meio para não cair nesse abismo, sepulcro da verdadeira piedade, é a contínua presença de Deus.

552 As tuas devoções particulares devem ser poucas, mas constantes.

553 Não esqueças as tuas orações de criança, aprendidas talvez dos lábios de tua mãe. – Recita–as todos os dias, com simplicidade, como então.

554 Não abandones a visita ao Santíssimo. – Depois da oração vocal que tenhas por costume, conta a Jesus, realmente presente no Sacrário, as preocupações do dia. – E terás luzes e ânimo para a tua vida de cristão.

555 Verdadeiramente, é amável a Santa Humanidade do nosso Deus! – "Meteste–te" na Chaga santíssima da mão direita do teu Senhor e me perguntaste: "Se uma Ferida de Cristo limpa, cura, tranquiliza, fortalece, inflama e enamora, o que não farão as cinco, abertas no madeiro?"

556 A Via–Sacra. – Esta é que é devoção vigorosa e substancial! Quem dera que te habituasses a rever esses catorze pontos da Paixão e Morte do Senhor, às sextas–feiras. – Eu te garanto que obterias fortaleza para toda a semana.

557 Devoção de Natal. – Não sorrio quando te vejo fazer as montanhas de musgo do Presépio e dispor as ingênuas figuras de barro em volta da gruta. – Nunca me pareceste mais homem do que agora, que pareces uma criança.

558 O Santo Rosário é arma poderosa. Emprega–a com confiança e te maravilharás do resultado.

559 São José, Pai de Cristo, é também teu Pai e teu Senhor. – Recorre a Ele.

560 Nosso Pai e Senhor São José é Mestre da vida interior. – Coloca–te sob o seu patrocínio e sentirás a eficácia do seu poder.

561 De São José diz Santa Teresa, no livro da sua vida: "Quem não achar Mestre que lhe ensine a orar, tome este glorioso Santo por mestre, e não errará no caminho". – O conselho vem de uma alma experimentada. Segue–o.

562 Tem confiança com o teu Anjo da Guarda. Trata–o como amigo íntimo – porque de fato o é –, e ele saberá prestar–te mil e um serviços nos assuntos correntes de cada dia.

563 Conquista o Anjo da Guarda daquele que queres trazer para o teu apostolado. – É sempre um grande "cúmplice".

564 Se tivesses presente o teu Anjo da Guarda e os do teu próximo, evitarias muitas tolices que deslizam na tua conversa.

565 Ficas pasmado porque o teu Anjo da Guarda te tem prestado serviços patentes. – E não devias pasmar; para isso o colocou o Senhor junto de ti.

566 Há nesse ambiente muitas ocasiões de te desviares? – Está certo. Mas por acaso não há também Anjos da Guarda?

567 Recorre ao teu Anjo da Guarda na hora da provação, e ele te protegerá contra o demônio e te dará santas inspirações.

568 Com muito gosto deviam cumprir o seu ofício os Santos Anjos da Guarda junto daquela alma que lhes dizia: "Santos Anjos, eu vos invoco, como a Esposa do Cântico dos Cânticos, ut nuntietis ei quia amore langueo – para Lhe dizerdes que morro de Amor".

569 Sei que te dou uma alegria copiando esta oração aos Santos Anjos da Guarda dos nossos Sacrários: "Ó Espíritos Angélicos que guardais os nossos Tabernáculos, onde repousa o tesouro adorável da Sagrada Eucaristia, defendei–a das profanações e conservai–a para o nosso amor".

570 Bebe na fonte límpida dos "Atos dos Apóstolos": no capítulo XII, Pedro, livre da prisão por intervenção dos Anjos, encaminha–se para a casa da mãe de Marcos. – Não querem acreditar na empregadinha que afirma que Pedro está à porta. Angelus ejus est! – deve ser o seu Anjo!, diziam. – Olha a confiança com que os primeiros cristãos tratavam os seus Anjos. – E tu?

571 As almas benditas do purgatório. – Por caridade, por justiça e por um egoísmo desculpável – podem tanto diante de Deus! –, lembra–te delas com muita frequência nos teus sacrifícios e na tua oração. Oxalá possas dizer, ao falar nelas: "Minhas boas amigas, as almas do purgatório..."

572 Perguntas–me por que te recomendo sempre, com tanto empenho, o uso diário da água benta. – Podia dar–te muitas razões. Bastará, com certeza, esta da Santa de Ávila*: "De nenhuma coisa fogem tanto os demônios, para não voltar, como da água benta". (*)Santa Teresa de Jesus (N. do T.).

573 Obrigado, meu Deus, pelo amor ao Papa que puseste em meu coração.

574 Quem te disse que fazer novenas não é varonil? – Serão varonis essas devoções, sempre que as pratique um varão..., com espírito de oração e penitência.

 «    FÉ    » 

575 Alguns passam pela vida como por um túnel, e não compreendem o esplendor e a segurança e o calor do sol da fé.

576 Com que infame lucidez argúi Satanás contra a nossa Fé Católica! Mas digamos–lhe sempre, sem entrar em discussões: – Eu sou filho da Igreja.

577 Sentes uma fé gigante... – Quem te dá essa fé, dar–te–á os meios.

578 É São Paulo quem te diz, alma de apóstolo: Justus ex fide vivit – O justo vive da fé. – Que fazes, que deixas apagar esse fogo?

579 Fé. – Dá pena ver de que modo tão abundante a têm na boca muitos cristãos, e com que pouca abundância a põem em suas obras. – Até parece que é virtude para pregar, e não para praticar.

580 Pede humildemente ao Senhor que te aumente a fé. – E depois, com novas luzes, apreciarás bem as diferenças entre as sendas do mundo e o teu caminho de apóstolo.

581 Com que humildade e com que simplicidade narram os evangelistas fatos que manifestam a fé fraca e vacilante dos Apóstolos! – Para que tu e eu não percamos a esperança de chegar a ter a fé inamovível e forte que depois tiveram aqueles primeiros.

582 Como é bela a nossa Fé Católica! – Dá solução a todas as nossas ansiedades, e aquieta o entendimento, e enche de esperança o coração.

583 Não sou "milagreiro". – Já te disse que me sobram milagres no Santo Evangelho para firmar fortemente a minha fé. – Mas dão–me pena esses cristãos – até piedosos, "apostólicos"! – que sorriem quando ouvem falar de caminhos extraordinários, de fatos sobrenaturais. Sinto desejos de lhes dizer: – Sim, agora também há milagres; nós próprios os faríamos se tivéssemos fé!

584 Aviva a tua fé. – Não é Cristo uma figura que passou. Não é uma recordação que se perde na história. Vive! Jesus Christus heri et hodie: ipse et in saecula!, diz São Paulo. Jesus Cristo ontem e hoje e sempre!

585 Si habueritis fidem, sicut granum sinapis! Se tivésseis uma fé do tamanho de um grãozinho de mostarda!... – Que promessas não encerra esta exclamação do Mestre!

586 Deus é o mesmo de sempre. – O que falta são homens de fé; e renovar–se–ão os prodígios que lemos na Santa Escritura. – Ecce non est abbreviata manus Domini. – O braço de Deus, o seu poder, não encolheu!

587 Não têm fé. – Mas têm superstições. Deu–nos riso e vergonha aquele homem importante que perdia a tranquilidade quando ouvia determinada palavra, em si indiferente e inofensiva – para ele de mau agouro –, ou quando via a cadeira girar sobre uma perna.

588 Omnia possibilia sunt credenti. – Tudo é possível para quem crê. São palavras de Cristo. – Que fazes, que não Lhe dizes com os Apóstolos: Adauge nobis fidem!, aumenta–me a fé!?

 «    HUMILDADE    » 

589 Quando ouvires os aplausos do triunfo, que ressoem também aos teus ouvidos os risos que provocaste com os teus malogros.

590 Não queiras ser como aquele catavento dourado do grande edifício; por muito que brilhe e por mais alto que esteja, não conta para a solidez da obra. – Oxalá sejas como um velho silhar oculto nos alicerces, debaixo da terra, onde ninguém te veja; por ti não desabará a casa.

591 Quanto mais me exaltarem, meu Jesus, humilha–me mais em meu coração, fazendo–me saber o que tenho sido e o que serei, se Tu me abandonares.

592 Não esqueças que és... a lata do lixo. – Por isso, se porventura o Jardineiro divino lança mão de ti, e te esfrega e te limpa... e te enche de magníficas flores..., nem o aroma nem a cor que embelezam a tua fealdade devem envaidecer–te. – Humilha–te; não sabes que és o caixote do lixo?

593 Quando te vires como és, há de parecer–te natural que te desprezem.

594 Não és humilde quando te humilhas, mas quando te humilham e o aceitas por Cristo.

595 Se te conhecesses, alegrar–te–ias com o desprezo, e choraria teu coração ante a exaltação e o louvor.

596 Não te aflijas por verem as tuas faltas. A ofensa a Deus e a desedificação que podes ocasionar, isso é o que te deve afligir. – De resto, que sabiam como és e te desprezem. – Não tenhas pena de ser nada, porque assim Jesus tem que pôr tudo em ti.

597 Se agisses de acordo com os impulsos que sentes em teu coração e os que a razão te dita, estarias continuamente com a boca por terra, em prostração, como um verme sujo, feio e desprezível... diante desse Deus! que tanto te vai suportando.

598 Como é grande o valor da humildade! – Quia respexit humilitatem... Acima da fé, da caridade, da pureza imaculada, reza o hino jubiloso de nossa Mãe em casa de Zacarias: "Porque Ele olhou a humildade da sua serva, eis que desde agora me chamarão bem–aventurada todas as gerações..."

599 És pó sujo e caído. – Ainda que o sopro do Espírito Santo te levante sobre todas as coisas da terra e te faça brilhar como ouro ao refletires nas alturas, com a tua miséria, os raios soberanos do Sol da Justiça, não esqueças a pobreza da tua condição. Um instante de soberba te faria voltar ao chão, e deixarias de ser luz para ser lodo.

600 Tu?... Soberba? De quê?

601 Soberba? – Por quê?... Dentro de pouco tempo – anos, dias –, serás um monte de podridão hedionda: vermes, humores fétidos, trapos sujos da mortalha..., e ninguém na terra se lembrará de ti.

602 Tu, sábio, afamado, eloquente, poderoso: se nào fores humilde, nada vales. – Corta, arranca esse "eu" que tens em grau superlativo – Deus te ajudará –, e então poderás começar a trabalhar por Cristo, no último lugar do seu exército de apóstolos.

603 Essa falsa humildade é comodismo; assim, tão "humildezinho", vais abrindo mão de direitos... que são deveres.

604 Reconhece humildemente a tua fraqueza, para poderes dizer com o Apóstolo: Cum enim infirmor, tunc potens sum – porque, quando sou fraco, então sou forte.

605 Padre: como pode suportar todo este lixo?, disseste–me, depois de uma confissão contrita. – Calei–me, pensando que, se a tua humildade te leva a sentir–te assim – como lixo, um montão de lixo! –, ainda poderemos fazer algo de grande de toda a tua miséria.

606 Olha como é humilde o nosso Jesus: um burrico foi o seu trono em Jerusalém!...

607 A humildade é outro bom caminho para chegar à paz interior. – Foi Ele que o disse: "Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração..., e encontrareis paz para as vossas almas".

608 Não é falta de humildade conheceres o progresso da tua alma. – Assim podes agradecê–lo a Deus. – Mas não esqueças que és um pobrezinho, que veste um bom terno... emprestado.

609 O conhecimento próprio leva–nos como que pela mão à humildade.

610 A tua firmeza em defender o espírito e as normas do apostolado em que trabalhas, não deve fraquejar por falsa humildade. – Essa firmeza não é soberba; é a virtude cardeal da fortaleza.

611 Foi por soberba: já te ias julgando capaz de tudo, tu sozinho. – O Senhor te largou por um instante, e caíste de cabeça. – Sê humilde, e o seu apoio extraordinário não te há de faltar.

612 Bem podias repelir esses pensamentos de orgulho; afinal, és como o pincel nas mãos do artista. – E nada mais. – Diz–me para que serve um pincel, se não deixa trabalhar o pintor.

613 Para que sejas humilde, tu, tão vazio e tão satisfeito de ti mesmo, basta–te considerar aquelas palavras de Isaías: és "gota de água ou de orvalho que cai na terra e mal se deixa ver".

 «    OBEDIÊNCIA    » 

614 Nos trabalhos de apostolado, não há desobediência pequena.

615 Tempera a tua vontade, viriliza a tua vontade; que seja, com a graça de Deus, como um esporão de aço. – Só tendo uma vontade forte, saberás não a ter para obedecer.

616 Por essa demora, por essa passividade, por essa tua resistência em obedecer, como se ressente o apostolado e como se alegra o inimigo!

617 Obedecei, como nas mãos do artista obedece um instrumento – que não pára a considerar por que faz isto ou aquilo –, certos de que nunca vos mandarão coisa que não seja boa e para toda a glória de Deus.

618 O inimigo: vais obedecer... até nesse pormenor "ridículo"? – Tu, com a graça de Deus: vou obedecer... até nesse pormenor "heróico".

619 Iniciativas. – Toma–as, no teu apostolado, dentro dos limites do mandato que te outorgarem. – Se saem desses limites, ou tens dúvidas, consulta o superior, sem comunicares a ninguém os teus pensamentos. – Nunca te esqueças de que és apenas um executor.

620 Se a obediência não te dá paz, é que és soberbo.

621 Que pena se quem manda não te dá exemplo!... – Mas porventura lhe obedeces por suas condições pessoais?... Ou será que, para tua comodidade, traduzes o "obedite praepositis vestris" – obedecei aos vossos superiores – de São Paulo, com uma interpolação tua que venha a significar... sempre que o superior tenha virtudes ao meu gosto?

622 Que bem entendeste a obediência quando me escrevias: "Obedecer sempre é ser mártir sem morrer"!

623 Mandam–te fazer uma coisa que julgas estéril e difícil. Faze–a. – E verás que é fácil e fecunda.

624 Hierarquia. – Cada peça no seu lugar. – Que ficaria de um quadro de Velásquez se cada cor saísse do seu lugar, se cada fio da tela se soltasse, se cada pedaço de madeira do bastidor se separasse dos outros?

625 A tua obediência não merece esse nome se não estás decidido a jogar por terra o teu trabalho pessoal mais florescente, quando quem de direito assim o dispuser.

626 Não é verdade, Senhor, que Te dava grande consolação a "sutileza" daquele homenzarrão com alma de criança que, ao sentir o desconcerto que produz obedecer em coisas desagradáveis e em si repugnantes, Te dizia baixinho: "Jesus, que eu faça boa cara"?

627 A tua obediência deve ser muda. Essa língua!

628 Agora que te custa obedecer, lembra–te do teu Senhor, factus obediens usque ad mortem, mortem autem crucis – obediente até à morte, e morte de cruz!

629 Que poder o da obediência! – O lago de Genesaré negava seus peixes às redes de Pedro. Toda uma noite em vão. – Agora, obediente, tornou a lançar a rede à água e pescaram piscium multitudinem copiosam – uma grande quantidade de peixes. – Acredita: o milagre repete–se todos os dias.

 «    POBREZA    » 

630 Não te esqueças: tem mais aquele que precisa de menos. – Não cries necessidades.

631 Desapega–te dos bens do mundo. – Ama e pratica a pobreza de espírito. Contenta–te com o que basta para passar a vida sóbria e temperadamente. – Senão, nunca serás apóstolo.

632 Não consiste a verdadeira pobreza em não ter, mas em estar desprendido, em renunciar voluntariamente ao domínio sobre as coisas. – Por isso há pobres que realmente são ricos. E vice–versa.

633 Se és homem de Deus, põe em desprezar as riquezas o mesmo empenho que põem os homens do mundo em possuí–las.

634 Tanta afeição às coisas da terra! – Bem cedo te fugirão das mãos, que não descem com o rico ao sepulcro as suas riquezas.

635 Não tens espírito de pobreza se, podendo escolher de modo que a escolha passe inadvertida, não escolhes para ti o pior.

636 Divitiae, si affluant, nolite cor apponere – Se vierem às tuas mãos as riquezas, não queiras pôr nelas o teu coração. – Anima–te a empregá–las generosamente. E, se for preciso, heroicamente. – Sê pobre em espírito!

637 Não amas a pobreza se não amas o que a pobreza traz consigo.

638 Quantos recursos santos não tem a pobreza! – Lembras–te? Tu lhe deste, em horas de apuro econômico para aquele empreendimento apostólico, até o último centavo de que dispunhas. – E ele, Sacerdote de Deus, te disse: "Eu te darei também tudo o que tenho". – Tu, de joelhos. – E... "a bênção de Deus Onipotente, Pai, Filho e Espírito Santo, desça sobre ti e permaneça para sempre" – ouviu–se. – Ainda te dura a persuasão de que foste bem pago.

 «    DISCRIÇÃO    » 

639 De calar não te arrependerás nunca; de falar, muitas vezes.

640 Como te atreves a recomendar que guardem segredo..., se essa advertência é sinal de que tu não o soubeste guardar?

641 Discrição não é mistério nem segredo. É, simplesmente, naturalidade.

642 Discrição é... delicadeza. – Não sentes certa inquietação, um mal–estar íntimo, quando os assuntos – nobres e correntes – da tua família saem do calor do lar para a indiferença ou para a curiosidade da praça pública?

643 Não exibas facilmente a intimidade do teu apostolado. Não vês que o mundo está cheio de incompreensões egoístas?

644 Cala–te. Não te esqueças de que o teu ideal é como uma luzinha recém–acesa. – Pode bastar um sopro para apagá–la em teu coração.

645 Como é fecundo o silêncio! – Todas as energias que perdes, com as tuas faltas de discrição, são energias que subtrais à eficácia do teu trabalho. – Sê discreto.

646 Se fosses mais discreto, não te lamentarias interiormente desse mau sabor na boca que te faz sofrer depois de muitas das tuas conversas.

647 Não pretendas que te "compreendam". – Essa incompreensão é providencial: para que o teu sacrifício passe despercebido.

648 Se te calares, conseguirás mais eficácia em teus empreendimentos apostólicos – a quantos não foge "a força" pela boca! – e evitarás muitos perigos de vanglória.

649 Sempre o espetáculo! – Vens pedir–me fotografias, gráficos, estatísticas. – Não te envio esse material, porque (parece–me muito respeitável a opinião contrária) depois havia de pensar que trabalho para me empoleirar na terra..., e onde eu quero empoleirar–me é no Céu.

650 Há muita gente – santa – que não entende o teu caminho. – Não te empenhes em fazer que o compreendam; perderás o tempo e darás lugar a indiscrições.

651 "Não se pode ser raiz e copa, se não se é seiva, espírito, coisa que vai por dentro". – Aquele teu amigo que escreveu estas palavras sabia que eras nobremente ambicioso. – E te ensinou o caminho: a discrição, o sacrifício, ir por dentro!

652 Discrição, virtude de poucos. – Quem caluniou a mulher dizendo que a discrição não é virtude de mulheres? – Quantos homens bem barbados têm que aprender!

653 Que exemplo de discrição nos dá a Mãe de Deus! Nem a São José comunica o mistério. – Pede à Senhora a discrição que te falta.

654 O despeito afiou a tua língua. Cala–te!

655 Nunca te encarecerei suficientemente a importância da discrição. – Se não é o gume da tua arma de combate, dir–te–ei que é a empunhadura.

656 Cala–te sempre que sintas dentro de ti o referver da indignação. – Ainda que estejas justissimamente irado. – Porque, apesar da tua discrição, nesses instantes sempre dizes mais do que quererias dizer.

 «    ALEGRIA    » 

657 A verdadeira virtude não é triste nem antipática, mas amavelmente alegre.

658 Se as coisas correm bem, alegremo–nos, bendizendo a Deus que dá o incremento. – Correm mal? – Alegremo–nos, bendizendo a Deus que nos faz participar da sua doce Cruz.

659 A alegria que deves ter não é essa que poderíamos chamar fisiológica, de animal são, mas uma outra, sobrenatural, que procede de abandonar tudo e te abandonares a ti mesmo nos braços amorosos do nosso Pai–Deus.

660 Nunca desanimes, se és apóstolo. – Não há contradição que não possas superar. – Por que estás triste?

661 Caras compridas..., maneiras bruscas..., aspecto ridículo..., ar antipático... Desse jeito esperas animar os outros a seguir a Cristo?

662 Não há alegria? – Então pensa: há um obstáculo entre Deus e mim. – Quase sempre acertarás.

663 Para dar remédio à tua tristeza, pedes–me um conselho. – Vou–te dar uma receita que vem de boa mão – do Apóstolo Tiago: – Tristatur aliquis vestrum?: Estás triste, meu filho? – Oret!: Faz oração! – Experimenta.

664 Não estejas triste. – Tem uma visão mais... "nossa" – mais cristã – das coisas.

665 Quero que estejas sempre contente, porque a alegria é parte integrante do teu caminho. – Pede essa mesma alegria sobrenatural para todos.

666 Laetetur cor quaerentium Dominum – Alegre–se o coração dos que procuram o Senhor. – Luz, para que investigues os motivos da tua tristeza.

 «    OUTRAS VIRTUDES    » 

667 Os atos de Fé, Esperança e Amor são válvulas por onde se expande o fogo das almas que vivem vida de Deus.

668 Faz tudo desinteressadamente, por puro Amor, como se não houvesse prêmio nem castigo. – Mas fomenta em teu coração a gloriosa esperança do Céu.

669 Está bem que sirvas a Deus como um filho, sem paga, generosamente... – Mas não te preocupes se uma vez ou outra pensas no prêmio.

670 Diz Jesus: "E todo aquele que deixar casa ou irmãos ou irmãs ou pai ou mãe ou esposa ou filhos ou herdades por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e possuirá a vida eterna". – Vê lá se encontras na terra quem pague com tanta generosidade!

671 Jesus... calado. – Jesus autem tacebat. – Por que falas tu? Para te consolares ou para te desculpares? Cala–te. – Procura a alegria nos desprezos; sempre serão menos do que mereces. – Porventura podes tu perguntar: Quid enim mali feci? – que mal fiz eu?

672 Podes ter a certeza de que és homem de Deus se aceitas com alegria e silêncio a injustiça.

673 Bela resposta a que deu aquele homem venerável ao jovem moço que se queixava da injustiça sofrida: – "Isso te aborrece?", dizia–lhe. "Então, não queiras ser bom!..."

674 Nunca dês o teu parecer se ninguém o pede, mesmo que penses que a tua opinião é a mais acertada.

675 É verdade que foi pecador. – Mas não faças dele esse juízo inabalável. – Vê se tens entranhas de piedade, e não te esqueças de que ainda pode vir a ser um Agostinho, enquanto tu não passas de um medíocre.

676 Todas as coisas deste mundo não são mais do que terra. – Amontoa–as debaixo dos teus pés, e estarás mais perto do Céu.

677 Ouro, prata, jóias..., terra, montões de esterco. – Gozos, prazeres sensuais, satisfação de apetites... Como uma besta, como um mulo, como um porco, como um galo, como um touro. Honras, distinções, títulos... Balões de ar, inchaços de soberba, mentiras, nada.

678 Não tenhas os teus amores aqui em baixo. – São amores egoístas... Os que amas hão de afastar–se de ti, com medo e nojo, poucas horas depois de te chamar Deus à sua presença. – Outros são os amores que perduram.

679 A gula é um vício feio. – Não te dá um pouquinho de riso e outro pouquinho de náusea ver esses senhores graves, sentados ao redor da mesa, sérios, com ares de rito, metendo gorduras no tubo digestivo, como se aquilo fosse "um fim"?

680 À mesa, não fales de comida; isso é uma grosseria, imprópria de ti. – Fala de coisas nobres – da alma ou do entendimento –, e terás enaltecido esse dever.

681 No dia em que te levantares da mesa sem teres feito uma pequena mortificação, comeste como um pagão.

682 Habitualmente, comes mais do que precisas. – E essa fartura, que muitas vezes te produz lassidão e incomodidade física, torna–te incapaz de saborear os bens sobrenaturais e entorpece o teu entendimento. Que boa virtude, mesmo para a terra, é a temperança!

683 Vejo–te, cavalheiro cristão (dizes que o és), beijando uma imagem, mascando entre dentes uma oração vocal, clamando contra os que atacam a Igreja de Deus..., e até frequentando os Santos Sacramentos. Mas não te vejo fazer um sacrifício, nem prescindir de certa conversas... mundanas (podia, com razão, aplicar–lhes outro qualificativo), nem ser generoso com os inferiores... – nem com a Igreja de Cristo! –, nem suportar uma fraqueza do teu irmão, nem abater a tua soberba pelo bem comum, nem desfazer–te do teu forte invólucro de egoísmo, nem... tantas coisas mais! Vejo–te... Não te vejo... – E tu... dizes que és cavalheiro cristão? – Que pobre conceito fazes de Cristo!

684 O teu talento, a tua simpatia, as tuas condições... perdem–se; não te deixam aproveitá–los. – Pensa bem nestas palavras de um autor espiritual: "Não se perde o incenso que se oferece a Deus. – Mais se honra o Senhor com o abatimento dos teus talentos do que com o seu uso vão".

 «    TRIBULAÇÕES    » 

685 O vendaval da perseguição é bom –. – O que é que se perde?... Não se perde o que está perdido. – Quando não se arranca a árvore pela raiz – e a árvore da Igreja, não há vento nem furacão que a possam arrancar –, apenas caem os ramos secos... E esses, bom é que caiam.

686 De acordo: essa pessoa tem sido má contigo. – Mas não tens sido tu pior com Deus?

687 Jesus: por onde quer que tenhas passado, não ficou um coração indiferente. – Ou Te amam ou Te odeiam. Quando um homem–apóstolo Te segue, cumprindo o seu dever, poderá surpreender–me – se é outro Cristo! – que levante parecidos murmúrios de aversão ou de afeto?

688 Outra vez!... Falaram, escreveram..., a favor, contra...; com boa e com menos boa vontade...; reticências e calúnias, panegíricos e exaltações..., sandices e verdades... – Bobo! Grandessíssimo bobo! Se vais direito ao teu fim, com a cabeça e o coração bêbados de Deus, que te importa a ti o clamor do vento ou o cantar da cigarra, ou o mugido, ou o grunhido, ou o relincho?... Além disso... é inevitável; não pretendas tapar o sol com a peneira.

689 Soltaram–se as línguas e sofreste desfeitas que te feriram mais porque não as esperavas. A tua reação sebrenatural deve ser a de perdoar – e mesmo pedir perdão – e aproveitar a experiência para desapegar–te das criaturas.

690 Quando vier o sofrimento, o desprezo..., a Cruz, deves considerar: – Que é isto, comparado com o que eu mereço?

691 Estás sofrendo uma grande tribulação? Encontras oposição? – Diz, muito devagar, como que saboreando, esta oração forte e viril: "Faça–se, cumpra–se, seja louvada e eternamente glorificada a justíssima e amabilíssima Vontade de Deus sobre todas as coisas. – Assim seja. – Assim seja." Eu te garanto que alcançarás a paz.

692 Sofres nesta vida de cá..., que é um sonho... breve. – Alegra–te, porque teu Pai–Deus te ama muito e, se não levantares obstáculos, após este sonho ruim, te dará um bom despertar.

693 Dói–te que não te agradeçam aquele favor. – Responde–me a estas duas perguntas: – És tu assim agradecido com Jesus Cristo? – Foste capaz de fazer esse favor, procurando o agradecimento na terra?

694 Não sei por que te assustas. – Sempre foram pouco razoáveis os inimigos de Cristo. Ressuscitado Lázaro, deveriam render–se e confessar a divindade de Jesus. – Mas não! Matemos Aquele que dá a vida!, disseram. E hoje como ontem.

695 Nas horas de luta e contradição, quando talvez "os bons" encham de obstáculos o teu caminho, levanta o teu coração de apóstolo; ouve Jesus que fala do grão de mostarda e do fermento. – E diz–Lhe: Edissere nobis parabolam – explica–me a parábola. E sentirás a alegria de contemplar a vitória futura: aves do céu à sombra do teu apostolado, agora incipiente; e toda a massa fermentada.

696 Se recebes a tribulação de ânimo encolhido, perdes a alegria e a paz, e te expões a não tirar proveito espiritual desse transe.

697 Os acontecimentos públicos levaram–te a um encerramento voluntário, pior talvez, por suas circunstâncias, do que o encerramento numa prisão. – Sofreste um eclipse da tua personalidade. Não encontras ambiente; só egoísmo, curiosidade, incompreensões e murmuração. – Está bem. E daí? Esqueces a tua vontade libérrima e o teu poder de "criança"? – A falta de folhas e de flores (de ação externa) não exclui a multiplicação e a atividade das raízes (vida interior). Trabalha; há de mudar o rumo das coisas, e darás mais frutos do que antes, e mais saborosos.

698 Ralham contigo? – Não te zangues, como te aconselha a soberba. – Pensa: que caridade têm para comigo! Quanto não terão calado!

699 Cruz, trabalhos, tribulações: tê–los–ás enquanto viveres. – Por esse caminho foi Cristo, e não é o discípulo mais que o Mestre.

700 Certo: há muita luta de fora, e isso te desculpa, em parte. – Mas também há cumplicidade dentro – repara devagar –, e aí não vejo desculpa.

701 Não ouviste dos lábios do Mestre a parábola da videira e das varas? – Consola–te. Ele exige muito de ti porque és vara que dá fruto... E te poda, ut fructum plus afferas – para que dês mais fruto. É claro!: dói esse cortar, esse arrancar. Mas, depois, que louçania nos frutos, que maturidade nas obras!

702 Estás intranquilo. – Olha: aconteça o que acontecer na tua vida interior ou no mundo que te rodeia, nunca esqueças que a importância dos acontecimentos ou das pessoas é muito relativa. – Calma! Deixa correr o tempo; e, depois, olhando de longe e sem paixão os fatos e as pessoas, adquirirás a perspectiva, porás cada coisa no seu lugar e de acordo com o seu verdadeiro tamanho. Se assim fizeres, serás mais justo e evitarás muitas preocupações.

703 Uma noite ruim, numa ruim pousada. – Assim dizem que definiu esta vida terrena a Madre Teresa de Jesus. É uma comparação exata, não é mesmo?

704 Uma visita ao famoso mosteiro. – Aquela senhora estrangeira sentiu apiedar–se o coração, ao considerar a pobreza do edifício: "Os senhores devem ter uma vida muito dura, não é?" E o monge, satisfeito, limitou–se a responder: Tú lo quisiste, fraile mostén; tú lo quisiste, tú te lo ten*. Isto, que com tanta alegria me dizia esse santo varão, tenho de o repetir a ti com pena, quando me contas que não és feliz. (*)Provérbio espanhol que, em língua portuguesa, corresponde ao ditado: "Assim o queres, assim o tens" (N. do T.).

705 Inquietar–se? – Nunca! Porque é perder a paz.

706 Abatimento físico. Estás... arrasado. – Descansa. Pára com essa atividade exterior. – Consulta o médico. Obedece e despreocupa–te. Em breve regressarás à tua vida e melhorarás, se fores fiel, os teus trabalhos de apostolado.

 «    LUTA INTERIOR    » 

707 Não te pertubes se, ao considerar as maravilhas do mundo sobrenatural, sentes a outra voz – íntima, insinuante – do "homem velho". É "o corpo de morte" que clama por seus foros perdidos... Basta–te a graça; sê fiel e vencerás.

708 O mundo, o demônio e a carne são uns aventureiros que, aproveitando–se da fraqueza do selvagem que trazes dentro de ti, querem que, em troca do fictício brilho de um prazer – que nada vale –, lhes entregues o ouro fino e as pérolas e os brilhantes e os rubis embebidos no sangue vivo e redentor do teu Deus, que são o preço e o tesouro da tua eternidade.

709 Estás ouvindo? – Em outro estado, em outro lugar, em outro grau e ofício farias um bem muito maior. – Para fazer o que estás fazendo, não é preciso talento! Pois eu te digo: – Onde te puseram agradas a Deus..., e isso que andavas pensando é claramente uma sugestão infernal.

710 Ficas apoquentado e triste porque as tuas Comunhões são frias, cheias de aridez. – Quando vais ao Sacramento, diz–me uma coisa: procuras–te a ti ou procuras Jesus? – Se te procuras a ti, motivo tens para entristecer–te... Mas se – como deves – procuras Cristo, queres sinal mais certo do que a Cruz para saber que O encontraste?

711 Outra queda..., e que queda!... Vais desesperar–te? Não: humilhar–te e recorrer, por Maria, tua Mãe, ao Amor Misericordioso de Jesus. – Um miserere e... coração ao alto! – Vamos!, começa de novo.

712 Bem fundo caíste! – Começa os alicerces daí de baixo. – Sê humilde. – Cor contritum et humiliatum, Deus, non despicies. – Não desprezará Deus um coração contrito e humilhado.

713 Tu não vais contra Deus. – Tuas quedas são de fragilidade. – De acordo. Mas são tão frequentes essas fragilidades (não sabes evitá–las), que, se não queres que te tenha por mau, me verei obrigado a ter–te por mau e por tolo.

714 Um querer sem querer é o teu, enquanto não afastares decididamente a ocasião. – Não queiras iludir–te dizendo–me que és fraco. És... covarde, o que não é o mesmo.

715 Essa trepidação do teu espírito, a tentação que te envolve, é como uma venda sobre os olhos da tua alma. Estás às escuras. – Não te empenhes em andar só, porque, sozinho, cairás. – Vai ter com o teu Diretor – com o teu superior –, e ele te fará ouvir aquelas palavras do Arcanjo Rafael a Tobias: Forti animo esto, in proximo est ut a Deo cureris. – Tem coragem, que em breve te curará Deus. – Sê obediente, e cairão as escamas, cairá a venda dos teus olhos, e Deus te encherá de graça e de paz.

716 "Não sei vencer–me!", escreves–me com desalento. – E te respondo: Mas já tentaste, por acaso, empregar os meios?

717 Bem–aventuradas desventuras da terra! – Pobreza, lágrimas, ódios, injustiça, desonra... Tudo poderás nAquele que te conforta.

718 Sofres... e não quererias queixar–te. – Não faz mal que te queixes (é a reação natural da nossa pobre carne), enquanto a tua vontade quiser em ti, agora e sempre, o que Deus quer.

719 Nunca desesperes. Morto e corrompido estava Lázaro: Jam foetet, quatriduanus est enim – já fede, porque há quatro dias que está enterrado, diz Marta a Jesus. Se ouvires a inspiração de Deus e a seguires (Lazare, veni foras! – Lázaro, vem para fora!), voltarás à Vida.

720 Como custa! – Já sei. Mas, para a frente! Só será premiado – e que prêmio! – aquele que pelejar com bravura.

721 Se cambaleia o teu edifício espiritual, se tens a impressão de que tudo está no ar..., apóia–te na confiança filial em Jesus e em Maria, pedra firme e segura sobre a qual devias ter edificado desde o princípio.

722 A provação desta vez é longa. – Talvez – e mesmo sem "talvez" – não a tenhas aceitado bem até agora... porque ainda procuravas consolos humanos. – E teu Pai–Deus arrancou–os pela raiz, para que não tenhas outro arrimo fora dEle.

723 Dizes que para ti tudo é indiferente? – Não queiras iludir–te. Agora mesmo, se eu te perguntasse por pessoas e por atividades, em que por Deus empenhaste a tua alma, sei que me responderias, briosamente!, com o interesse de quem fala de coisa própria. Não, para ti não é tudo indiferente. É que não és incansável..., e necessitas de mais tempo para ti; tempo que será também para as tuas obras, porque, no fim de contas, tu és o instrumento.

724 Vens dizer–me que tens no teu peito fogo e água, frio e calor, paixõezinhas e Deus..., uma vela acesa a São Miguel e outra ao diabo. Sossega; enquanto quiseres lutar, não haverá duas velas acesas no teu peito, mas uma só, a do Arcanjo.

725 O inimigo quase sempre procede assim com as almas que lhe vão resistir; hipocritamente, suavemente: motivos... espirituais!, não chamar a atenção... – E depois, quando parece não haver remédio (que há), descaradamente..., para ver se consegue um desespero como o de Judas, sem arrependimento.

726 Ao perderes aqueles consolos humanos, ficaste com uma sensação de solidão, como que suspenso por um fiozinho sobre o vazio de negro abismo. – E teu clamor, teus gritos de socorro, parece que ninguém os escuta. Foi bem merecido esse desamparo. – Sê humilde. Não te procures a ti nem procures a tua comodidade; ama a Cruz – suportá–la é pouco – e o Senhor ouvirá a tua oração. – E hão de acalmar–se os teus sentidos. – E voltará a fechar o teu coração. – E terás paz.

727 Em carne viva. – É assim que te encontras. Tudo te faz sofrer nas potências da alma e nos sentidos. E tudo para ti é tentação... Sê humilde, insisto. Verás como te tiram depressa desse estado. E a dor se transformará em alegria; e a tentação, em segura firmeza. Mas, entretanto, aviva a tua fé; enche–te de esperança; e faz contínuos atos de Amor, embora penses que são só da boca para fora.

728 Toda a nossa fortaleza é emprestada.

729 Ó meu Deus: cada dia me sinto menos seguro de mim e mais seguro de Ti!

730 Se não O abandonas, Ele não te abandonará.

731 Espera tudo de Jesus; tu nada tens, nada vales, nada podes. – Ele agirá, se nEle te abandonares.

732 Ó Jesus! – Descanso em Ti.

733 Confia sempre no teu Deus. – Ele não perde batalhas.

 «    NOVÍSSIMOS    » 

734 "Esta é a vossa hora, e o poder das trevas". – Quer dizer que... o homem pecador tem a sua hora? – Tem, sim... E Deus, a sua eternidade!

735 Se és apóstolo, a morte será para ti uma boa amiga que te facilita o caminho.

736 Já viste, numa tarde triste de outono, caírem as folhas mortas? Assim caem todos os dias as almas na eternidade. Um dia, a folha caída serás tu.

737 Não tens ouvido com que tom de tristeza se lamentam os mundanos de que "cada dia que passa é morrer um pouco"? Pois eu te digo: – Alegra–te, alma de apóstolo, porque cada dia que passa te aproxima da Vida.

738 Aos "outros", a morte os paralisa e assusta. A nós, a morte – a Vida – dá–nos coragem e impulso. Para eles, é o fim; para nós, o princípio.

739 Não tenhas medo da morte. – Aceita–a desde agora, generosamente..., quando Deus quiser..., como Deus quiser..., onde Deus quiser. – Não duvides; virá no tempo, no lugar e do modo que mais convier..., enviada por teu Pai–Deus. – Bem–vinda seja a nossa irmã, a morte!

740 Que peça do mundo se desengonçará se eu faltar, se morrer?

741 Vês como se desfaz materialmente, em humores pestilentos, o cadáver da pessoa amada? – Pois isso é um corpo formoso! – Contempla–o e tira conclusões.

742 Aqueles quadros de Valdez Leal*, com tantos "restos" ilustres – bispos, cavaleiros – em viva podridão, parece–me impossível que não te impressionem. Mas... e o gemido do duque de Gandia**: "Não mais servir a senhor que me possa morrer"? (*)Pintor espanhol do séc. XVII, famoso pelos seus quadros sobre a morte (N. do T.). (**)Futuro São Francisco de Borja (N. do T.).

743 Falas–me em morrer "heroicamente". – Não achas que é mais "heróico" morrer despercebido, numa boa cama, como um burguês..., mas de mal de Amor?

744 Tu – se és apóstolo – não hás de morrer. – Mudarás de casa, e é só.

745 "Há de vir julgar os vivos e os mortos", rezamos no Credo. – Oxalá não percas de vista esse julgamento e essa justiça e... esse Juiz.

746 Será que não brilha na tua alma o desejo de que teu Pai–Deus fique contente quando tiver que julgar–te?

747 Há uma grande propensão nas almas mundanas para recordar a Misericórdia do Senhor. – E assim se animam a continuar em seus desvarios. É verdade que Deus Nosso Senhor é infinitamente misericordioso, mas também é infinitamente justo. E há um julgamento, e Ele é o Juiz.

748 Anima–te. – Não sabes que São Paulo diz aos de Corinto que "cada um receberá o seu próprio salário na medida do seu trabalho"?

749 Há inferno. – Uma afirmação que para ti é sem dúvida um lugar–comum. – Vou–te repetir: há inferno! Vê se me serves de eco, oportunamente, ao ouvido daquele companheiro... e daquele outro.

750 Ouve–me bem, homem metido na ciência até a ponta dos cabelos; a tua ciência não me pode negar a verdade das atividades diabólicas. Durante muitos anos – e ainda hoje é uma louvável devoção privada –, minha Mãe, a Santa Igreja, fez que os Sacerdotes ao pé do altar invocassem todos os dias São Miguel, contra nequitiam et insidias diaboli, contra a maldade e ciladas do inimigo.

751 O Céu. "Nem olho algum viu, nem ouvido algum ouviu, nem jamais passou pela cabeça do homem o que Deus preparou para os que O amam". Não te incitam à luta estas revelações do Apóstolo?

752 Sempre. – Para sempre! – Palavras muito manuseadas pelo esforço humano de prolongar – de eternizar – o que é gostoso. Palavras mentirosas, na terra, onde tudo se acaba.

753 Isto daqui é um contínuo acabar–se; ainda não começou o prazer, e já termina.

 «    A VONTADE DE DEUS    » 

754 Esta é a chave para abrir a porta e entrar no Reino dos Céus: Qui facit voluntatem Patris mei qui in coelis est, ipse intrabit in regnum coelorum – quem faz a vontade de meu Pai..., esse entrará!

755 De que tu e eu nos portemos como Deus quer – não o esqueças – dependem muitas coisas grandes.

756 Nós somos pedras, silhares, que se movem, que sentem, que têm uma libérrima vontade. O próprio Deus é o canteiro que nos tira as arestas, arranjando–nos, modificando–nos, conforme deseja, a golpes de martelo e de cinzel. Não queiramos afastar–nos, não queiramos esquivar–nos à sua Vontade, porque, de qualquer maneira, não poderemos evitar os golpes. – Sofreremos mais e inutilmente, e, em lugar de pedra polida e apta para edificar, seremos um montão informe de cascalho que os homens pisarão com desprezo.

757 Resignação?... Conformidade?... Querer a Vontade de Deus!

758 A aceitação rendida da Vontade de Deus traz necessariamente a alegria e a paz: a felicidade na Cruz. – Então se vê que o jugo de Cristo é suave e que o seu fardo não é pesado.

759 Paz, paz!, dizes. – A paz é... para os homens de "boa" vontade.

760 Um raciocínio que conduz à paz e que o Espírito Santo oferece aos que querem a Vontade de Deus: Dominus regit me, et nihil mihi deerit – o Senhor é quem me governa; nada me faltará. Que há que possa inquietar uma alma que repita seriamente estas palavras?

761 Homem livre, sujeita–te a uma voluntária servidão, para que Jesus não tenha que dizer por tua causa aquilo que contam ter dito, por causa de outros, à Madre Teresa: "Teresa, Eu quis..., mas os homens não quiseram".

762 Ato de identificação com a Vontade de Deus: – Tu o queres, Senhor?... Eu também o quero!

763 Não duvides; deixa que suba do coração aos lábios um fiat – faça–se!... – que seja a coroação do sacrifício.

764 Quanto mais perto de Deus está o apóstolo, mais universal se sente; dilata–se o seu coração para que caibam todos e tudo no desejo de pôr o universo aos pés de Jesus.

765 Meu Deus, antes quero a tua Vontade, do que – se fosse possível tal disparate – alcançar o próprio Céu, deixando de cumpri–la.

766 O abandono à Vontade de Deus é o segredo para sermos felizes na terra. – Então, diz: Meus cibus est, ut faciam voluntatem ejus – meu alimento é fazer a sua Vontade.

767 Esse abandono é precisamente a condição que te falta para não perderes, daqui em diante, a tua paz.

768 O gaudium cum pace – alegria e paz – é fruto certo e saboroso do abandono.

769 O desprendimento não é ter o coração seco..., como Jesus não o teve.

770 Não és menos feliz por te faltar do que serias se te sobrasse.

771 Deus exalta os que cumprem a sua Vontade nas mesmas coisas em que os humilhou.

772 Pergunta a ti mesmo, muitas vezes ao dia: – Estou fazendo neste momento o que devo fazer?

773 Jesus, o que Tu "quiseres"..., eu o amo.

774 Gradação: resignar–se com a Vontade de Deus; conformar–se com a Vontade de Deus; querer a Vontade de Deus; amar a Vontade de Deus.

775 Senhor, se é tua Vontade, faz de minha pobre carne um Crucifixo.

776 Não caias num círculo vicioso. Tu pensas: – Quando isto se resolver desta ou daquela maneira, então serei muito generoso com o meu Deus. Não será que Jesus está esperando que sejas generoso sem reservas, para resolver Ele as coisas melhor do que imaginas? Propósito firme, lógica consequência: em cada instante de cada dia, tratarei de cumprir com generosidade a Vontade de Deus.

777 A tua própria vontade, a tua própria opinião: é isso o que te inquieta.

778 É uma questão de segundos... Pensa antes de começar qualquer trabalho: – Que quer Deus de mim neste assunto? E, com a graça divina, faze–o!

 «    A GLÓRIA DE DEUS    » 

779 É bom dar glória a Deus sem tomar antecipações – mulher, filhos, honras... – dessa glória de que gozaremos plenamente com Ele na Vida... Além disso, Ele é generoso... Dá cem por um; e isso é verdade mesmo nos filhos. – Muitos se privam deles pela glória de Deus, e têm milhares de filhos do seu espírito. – Filhos, como nós o somos do nosso Pai que estás no Céus.

780 Deo omnis gloria. – Para Deus toda a glória. – É uma confissão categórica do nosso nada. Ele, Jesus, é tudo. Nós, sem Ele, nada valemos; nada. A nossa vanglória seria isso precisamente: glória vã. Seria um roubo sacrílego. O "eu" não deve aparecer em parte nenhuma.

781 "Sem Mim nada podeis fazer", disse o Senhor. E disse–o para que tu e eu não consideremos como nossos, êxitos que são dEle. – Sine me nihil!....

782 Como te atreves a empregar essa centelha do entendimento divino, que é a tua razão, em outra coisa que não seja dar glória ao teu Senhor?

783 Se a vida não tivesse por fim dar glória a Deus, seria desprezível; mais ainda, detestável.

784 Dá "toda" a glória a Deus. – "Espreme" com a tua vontade, ajudado pela graça , cada uma de tuas ações, para que nelas não fique nada que cheire a humana soberba, a complacência do teu "eu".

785 Deus meus es tu, et confitebor tibi: Deus meus es tu, et exaltabo te – Tu és o meu Deus, eu Te confessarei; Tu és o meu Deus, eu Te glorificarei. – Belo programa..., para um apóstolo da tua têmpera.

786 Nenhum afeto te prenda à terra, fora o desejo diviníssimo de dar a glória a Cristo e, por Ele e com Ele e nEle, ao Pai e ao Espírito Santo.

787 Retifica, retifica. – Seria tão pouco engraçado que essa vitória fosse estéril por te haveres guiado por motivos humanos!

788 Pureza de intenção. – As sugestões da soberba e os ímpetos da carne, logo os conheces..., e lutas, e, com a graça, vences. Mas os motivos que te levam a agir, mesmo nas ações mais santas, não te parecem claros... e sentes uma voz lá dentro que te faz ver intuitos humanos..., com tal sutileza que se infiltra na tua alma a intranquilidade de pensar que não estás trabalhando como deves – por puro Amor, única e exclusivamente para dar a Deus toda a sua glória. Reage logo, de cada vez, e diz: "Senhor, para mim nada quero. – Tudo para tua glória e por Amor".

789 Não há dúvida de que purificaste bem a tua intenção quando disseste: – Renuncio desde agora a toda gratidão e recompensa humanas.

 «    PROSELITISMO    » 

790 Não gostaríeis de gritar à juventude que fervilha à vossa volta: – Loucos!, largai essas coisas mundanas que amesquinham o coração... e muitas vezes o aviltam..., largai isso e vinde conosco atrás do Amor?

791 Falta–te "vibração". – Essa é a causa de que arrastes tão poucos. – É como se não estivesses muito persuadido do que ganhas ao deixar por Cristo essas coisas da terra. Compara: cem por um e a vida eterna! – Parece–te pequeno o "negócio"?

792 Duc in altum – Mar adentro! – Repele o pessimismo que te torna covarde. Et laxate retia vestra in capturam – e lança as redes para pescar. Não vês que podes dizer, como Pedro: In nomine tuo, laxabo rete – Jesus, em teu nome procurarei almas?

793 Proselitismo. – É o sinal certo do zelo verdadeiro.

794 Semear. – Saiu o semeador... – Semeia a mãos cheias, alma de apóstolo. – O vento da graça arrastará a tua semente, se o sulco onde caiu não for digno... Semeia, e fica certo de que a semente vingará e dará o seu fruto.

795 Com o bom exemplo semeia–se boa semente; e a caridade obriga todos a semear.

796 Pequeno amor é o teu se não sentes zelo pela salvação de todas as almas. – Pobre amor é o teu se não tens ânsias de pegar a tua loucura a outros apóstolos.

797 Sabes que o teu caminho não é claro. – E que não o é porque, não seguindo Jesus de perto, ficas nas trevas. – Que esperas para decidir–te?

798 Razões?... Que razões daria o pobre Inácio ao sábio Xavier?

799 O que a ti te maravilha, a mim parece–me razoável. – Por que foi Deus procurar–te no exercício da tua profissão? Assim procurou os primeiros: Pedro, André, João e Tiago, junto às redes; Mateus, sentado à mesa dos impostos... E – admira–te! – Paulo, na sua ânsia de acabar com a semente dos cristãos.

800 A messe é grande e poucos os operários. – Rogate ergo! – Rogai, pois, ao Senhor da messe que envie operários ao seu campo. A oração é o meio mais eficaz de proselitismo.

801 Ainda ressoa no mundo aquele clamor divino: "Vim trazer fogo à terra, e que quero senão que arda?" – E bem vês: quase tudo está apagado... Não te animas a propagar o incêndio?

802 Quererias atrair ao teu apostolado aquele homem sábio, aquele outro poderoso, e aquele cheio de prudência e virtudes. Pede por eles, oferece sacrifícios e prepara–os com o teu exemplo e com a tua palavra. – Não vêm! – Não percas a paz; é que não fazem falta. Julgas que não havia contemporâneos de Pedro, sábios, e poderosos, e prudentes, e virtuosos, fora do apostolado dos primeiros doze?

803 Disseram–me que tens "graça", "jeito", para atrair almas ao teu caminho. Agradece a Deus esse dom: ser instrumento para procurar instrumentos!

804 Ajuda–me a clamar: Jesus, almas!... Almas de apóstolo! São para Ti, para tua glória. Verás como acaba por escutar–nos.

805 Escuta: aí... não haverá um... ou dois, que nos entendam bem?

806 Diz, a... esse, que preciso de cinquenta homens que amem a Jesus Cristo sobre todas as coisas.

807 Dizes, desse teu amigo, que frequenta os Sacramentos, que é de vida limpa e bom estudante. – Mas que não "entrosa"; se lhe falas em sacrifício e apostolado, fica triste e vai–se embora. Não te preocupes. Não é um malogro do teu zelo; é, à letra, a cena que narra o Evangelista: "Se queres ser perfeito, vai e vende tudo o que tens e dá–o aos pobres" (sacrifício)... "e vem depois e segue–me" (apostolado). O adolescente abiit tristis – também se retirou entristecido; não quis corresponder à graça.

808 "Uma boa notícia; mais um doido..., para o manicômio". – E tudo é alvoroço na carta do "pescador". Que Deus encha de eficácia as tuas redes!

809 Proselitismo. – Quem é que não tem fome de perpetuar o seu apostolado?

810 Essas ânsias de proselitismo, que te roem as entranhas, são sinal certo da tua entrega.

811 Lembras–te? – Fazíamos tu e eu a nossa oração, quando caía a tarde. Perto, ouvia–se o rumor da água. – E, na quietude da cidade castelhana, ouvíamos também vozes diferentes que falavam em cem línguas, gritando–nos angustiosamente que ainda não conhecem Cristo. Beijaste o Crucifixo, sem te recatares, e Lhe pediste que te fizesse apóstolo de apóstolos.

812 Compreendo que ames tanto a tua Pátria e os teus, e que, apesar desses vínculos, aguardes com impaciência o momento de cruzar terras e mares – ir longe! – porque te consome o afã de messe.

 «    PEQUENAS COISAS    » 

813 Fazei tudo por Amor. – Assim não há coisas pequenas: tudo é grande. – A perseverança nas pequenas coisas, por Amor, é heroísmo.

814 Um pequeno ato, feito por Amor, quanto não vale!

815 Queres de verdade ser santo? – Cumpre o pequeno dever de cada momento; faz o que deves e está no que fazes.

816 Erraste o caminho se desprezas as coisas pequenas.

817 A santidade "grande" está em cumprir os "deveres pequenos" de cada instante.

818 As almas grandes têm muito em conta as coisas pequenas.

819 Porque foste in pauca fidelis – fiel no pouco –, entra no gozo do teu Senhor. – São palavras de Cristo. – In pauca fidelis!... – Será que vais desdenhar agora as pequenas coisas, se se promete a Glória a quem as guarda?

820 Não julgues nada pela pequenez dos começos. Uma vez fizeram–me notar que não se distinguem pelo tamanho as sementes que darão ervas anuais das que vão produzir árvores centenárias.

821 Não esqueças que, na terra, tudo o que é grande começou por ser pequeno. – O que nasce grande é monstruoso e morre.

822 Dizes–me: – Quando se apresentar a ocasião de fazer algo de grande... então, sim! – Será? Pretendes fazer–me acreditar, e acreditar tu seriamente, que poderás vencer na Olimpíada sobrenatural sem a preparação diária, sem treino?

823 Viste como levantaram aquele edifício de grandeza imponente? – Um tijolo, e outro. Milhares. Mas, um a um. – E sacos de cimento, um a um. E blocos de pedra, que são bem pouco ante a mole do conjunto. – E pedaços de ferro. – E operários trabalhando, dia a dia, as mesmas horas... Viste como levantaram aquele edifício de grandeza imponente?... À força de pequenas coisas!

824 Não tens reparado em que "ninharias" está o amor humano? – Pois também em "ninharias" está o Amor divino.

825 Persevera no cumprimento exato das obrigações de agora. – Esse trabalho – humilde, monótono, pequeno – é oração plasmada em obras que te preparam para receber a graça do outro trabalho – grande, vasto e profundo – com que estás sonhando.

826 Tudo aquilo em que intervimos os pobrezinhos dos homens – mesmo a santidade –, é um tecido de pequenas insignificâncias que – conforme a intenção com que se fazem – podem formar uma tapeçaria esplêndida de heroísmo ou de baixeza, de virtudes ou de pecados. As gestas relatam sempre aventuras gigantescas, mas misturadas com pormenores caseiros do herói. – Oxalá tenhas sempre em muito apreço – é a linha reta! – as coisas pequenas.

827 Já paraste a considerar a enorme soma que podem vir a dar "muitos poucos"?

828 Foi dura a experiência; não esqueças a lição. – As tuas grandes covardias de agora são – é evidente – paralelas às tuas pequenas covardias diárias. "Não pudeste" vencer nas coisas grandes, porque "não quiseste" vencer nas coisas pequenas.

829 Não viste os fulgores do olhar de Jesus quando a pobre viúva deixou no templo a sua pequena esmola? – Dá–Lhe tu o que puderes dar; não está o mérito no pouco nem no muito, mas na vontade com que o deres.

830 Não sejas... bobo. É verdade que fazes o papel – quando muito – de um pequeno parafuso nessa grande empresa de Cristo. Mas sabes o que significa o parafuso não apertar o suficiente ou saltar fora do seu lugar? Cederão as peças de maior tamanho ou cairão sem dentes as rodas. Ter–se–á dificultado o trabalho. – Talvez se inutilize toda a maquinaria. Que grande coisa é ser um pequeno parafuso!

 «    TÁTICA    » 

831 És, entre os teus, alma de apóstolo, a pedra caída no lago. – Provoca, com o teu exemplo e com a tua palavra, um primeiro círculo...; e este, outro... e outro, e outro... Cada vez mais largo. Compreendes agora a grandeza da tua missão?

832 Que preocupação há no mundo por sair do lugar! – Que aconteceria se cada osso, se cada músculo do corpo humano quisesse ocupar um posto diferente do que lhe compete? Não é outra a razão do mal–estar do mundo. – Persevera no teu lugar, meu filho; daí, quanto poderás trabalhar pelo reinado efetivo de Nosso Senhor!

833 Líderes!... Viriliza a tua vontade, para que Deus te faça líder. Nào vês como procedem as malditas sociedades secretas? Nunca conquistam as massas. – Em seus antros, formam alguns homens–demônios que se agitam e movimentam as multidões, tresloucando–as, para fazê–las ir atrás deles, ao precipício de todas as desordens... e ao inferno. – Eles levam uma semente amaldiçoada. Se tu quiseres..., levarás a palavra de Deus, mil e mil vezes bendita, que não pode falhar. Se fores generoso..., se corresponderes com a tua santificação pessoal, obterás a dos outros: o reinado de Cristo. – Omnes cum Petro ad Jesum per Mariam*. (*)"Todos com Pedro a Jesus por Maria" (N. do T.).

834 Há maior loucura do que lançar aos quatro ventos o trigo dourado na terra, para que apodreça? – Sem essa generosa loucura, não haveria safra. Filho, como andamos de generosidade?

835 Brilhar como uma estrela?... Ânsia de altura e de luz acesa no céu? Melhor ainda: queimar como uma tocha, escondido, pegando o teu fogo a tudo o que tocas. Este é o teu apostolado; para isso estás na terra.

836 Servir de alto–falante ao inimigo é uma idiotice soberana; e se o inimigo é inimigo de Deus, é um grande pecado. – Por isso, no terreno profissional, nunca louvarei a ciência de quem se serve dela como cátedra para atacar a Igreja.

837 Galopar, galopar!... Fazer, fazer!... Febre, loucura de mexer–se... Maravilhosos edifícios materiais... Espiritualmente: tábuas de caixote, percalinas, cartões pintalgados... galopar!, fazer! – E muita gente correndo; ir e vir. É que trabalham com vistas àquele momento; "estão" sempre "em presente". – Tu... hás de ver as coisas com olhos de eternidade, "tendo em presente" o final e o passado... Quietude. – Paz. – Vida intensa dentro de ti. Sem galopar, sem a loucura de mudar de lugar, no posto que na vida te corresponde, como um poderoso gerador de eletricidade espiritual, a quantos não darás luz e energia!..., sem perderes o teu vigor e a tua luz.

838 Não tenhas inimigos. – Tem apenas amigos... da direita – se te fizeram ou quiseram fazer–te bem – e... da esquerda – se te prejudicaram ou tentaram prejudicar–te.

839 Não contes episódios do "teu" apostolado, a não ser para proveito do próximo.

840 Que passe inadvertida a vossa condição como passou a de Jesus durante trinta anos.

841 José de Arimatéia e Nicodemos visitam Jesus ocultamente, à hora normal e à hora do triunfo. Mas são valentes, declarando perante a autoridade o seu amor a Cristo – "audacter" – com audácia, na hora da covardia. – Aprende.

842 Não vos preocupeis se por vossas obras "vos conhecem". – É o bom odor de Cristo. – Além disso, trabalhando sempre exclusivamente por Ele, alegrai–vos de que se cumpram aquelas palavras da Escritura: "Que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus".

843 Non manifeste, sed quasi in occulto" – não com publicidade, mas ocultamente. Assim vai Jesus à festa dos Tabernáculos. Assim irá, a caminho de Emaús, com Cléofas e seu companheiro. – Assim O vê, ressuscitado, Maria de Magdala. E assim – non tamen cognoverunt discipuli quia Jesus est, os discípulos não conheceram que era Ele –, assim foi à pesca milagrosa que nos conta São João. E mais oculto ainda, por Amor aos homens, está na Hóstia.

844 Levantar magníficos edifícios?... Construir palácios suntuosos?... Que os levantem... Que os construam... Almas! – Vivificar almas..., para aqueles edifícios... e para estes palácios! Que belas casas nos preparam!

845 Como me fizeste rir e como me fizeste pensar quando me disseste esta verdade de senso comum: Eu... espeto sempre os pregos pela ponta.

846 Certo: fazes melhor trabalho com essa conversa familiar ou com aquela confidência isolada, do que perorando – espetáculo, espetáculo! – em lugar público, perante milhares de pessoas. Contudo, quando for preciso discursar, discursa.

847 O esforço de cada um de vós, isolado, é ineficaz. – Se vos unir a caridade de Cristo, ficareis maravilhados com a eficácia.

848 Queres ser mártir. – Eu te indicarei um martírio ao alcance da mão: ser apóstolo e não te dizeres apóstolo; ser missionário – com missão – e não te dizeres missionário; ser homem de Deus e pareceres homem do mundo. Passar inadvertido!

849 Essa é boa! Mete–o a ridículo! – Diz–lhe que está fora de moda; parece mentira que ainda haja gente obstinada em pensar que é bom meio de locomoção a diligência... – Isto, para os que renovam voltairianismos de peruca empoada, ou liberalismos desacreditados do século XIX.

850 Que conversas! Que baixeza e que... nojo! – E tens de conviver com eles, no escritório, na universidade, no consultório..., no mundo. Se pedes por favor que se calem, ficam caçoando de ti. – Se fazes má cara, insistem. – Se te vais embora, continuam. A solução é esta: primeiro, pedir a Deus por eles e desagravar; depois..., ir de frente, varonilmente, e empregar "o apostolado dos palavrões". – Quando te encontrar, hei de dizer–te ao ouvido um bom repertório.

851 Orientemos as "providenciais imprudências" da juventude.

 «    INFÂNCIA ESPIRITUAL    » 

852 Procura conhecer a "via de infância espiritual", sem "te forçares" a seguir esse caminho. – Deixa agir o Espírito Santo.

853 Caminho de infância. – Abandono. – Infância espiritual. – Nada disto é ingenuidade, mas forte e sólida vida cristã.

854 Na vida espiritual de infância, as coisas que as "crianças" dizem ou fazem nunca são criancices nem puerilidades.

855 A infância espiritual não é idiotice espiritual nem moleza piegas; é caminho sensato e rijo que, por sua difícil facilidade, a alma tem que empreender e prosseguir, levada pela mão de Deus.

856 A infância espiritual exige a submissão do entendimento, mais difícil que a submissão da vontade. – Para submeter o entendimento, precisa–se, além da graça de Deus, de um contínuo exercício da vontade, que se nega ao entendimento como se nega à carne, uma e outra vez e sempre; dando–se como consequência o paradoxo de que quem segue o "pequeno caminho de infância", para se tornar criança, necessita de robustecer e virilizar a sua vontade.

857 Ser pequeno. As grandes audácias são sempre das crianças. – Quem pede... a lua? – Quem não repara nos perigos, ao tratar de conseguir o seu desejo? "Colocai" numa criança "destas" muita graça de Deus, o desejo de fazer a Vontade dEle, muito amor a Jesus, toda a ciência humana que a sua capacidade lhe permita adquirir... e tereis retratado o caráter dos apóstolos de hoje, tal como indubitavelmente Deus os quer.

858 Faz–te criança. – Ainda mais. – Mas não fiques na "idade do buço". Já viste coisa mais ridícula do que um moleque bancando "o homem" ou um homem "amolecado"? Criança para com Deus; e, por consequência, homem muito viril em tudo o mais. – Ah!... e larga essas manhas de cachorrinho de colo.

859 Às vezes, sentimo–nos inclinados a fazer pequenas criancices. – São pequenas obras–primas diante de Deus, e, enquanto não se introduzir a rotina, essas obras serão fecundas sem dúvida, como fecundo é sempre o Amor.

860 Diante de Deus, que é Eterno, tu és uma criança menor do que, diante de ti, um garotinho de dois anos. E, além de criança, és filho de Deus. – Não o esqueças.

861 Menino: inflama–te em desejos de reparar as enormidades da tua vida de adulto.

862 Menino bobo: no dia em que ocultares alguma coisa da tua alma ao Diretor, deixaste de ser criança, porque perdeste a simplicidade.

863 Menino: quando o fores de verdade, serás onipotente.

864 Sendo crianças, não tereis mágoas; as crianças esquecem depressa os desgostos para voltarem aos seus divertimentos habituais. – Por isso, com esse "abandono", não tereis que vos preocupar, pois descansareis no Pai.

865 Menino: oferece–Lhe todos os dias... até as tuas fragilidades.

866 Menino bom: oferece–Lhe o trabalho daqueles operários que não O conhecem; oferece–Lhe a alegria natural dos pobres garotinhos que frequentam as escolas malvadas...

867 As crianças não têm nada de seu; tudo é de seus pais... E teu Pai sabe sempre muito bem como administra o patrimônio.

868 Faz–te pequeno, bem pequeno. – Não tenhas mais do que dois anos, ou três quando muito. – Porque os meninos mais velhos são uns espertalhões que já querem enganar seus pais com mentiras inverossímeis. É que têm a maldade, o "fomes"* do pecado, mas falta–lhes a experiência do mal, que lhes ensinará a ciência de pecar, para encobrirem com uma aparência de verdade a falsidade de suas mentiras. Perderam a simplicidade, e a simplicidade é indispensável para sermos crianças diante de Deus. (*)A inclinação (N. do T.).

869 Mas, menino!, por que te empenhas em andar com pernas de pau?

870 Não queiras ser grande. – Criança, criança sempre, ainda que morras de velho. – Quando uma criança tropeça e cai, ninguém estranha...; seu pai se apressa a levantá–la. Quando quem tropeça e cai é adulto, o primeiro movimento é de riso. – Às vezes, passado esse primeiro ímpeto, o ridículo cede o lugar à piedade. – Mas os adultos têm que se levantar sozinhos. A tua triste experiência quotidiana está cheia de tropeções e quedas. Que seria de ti se não fosses cada vez mais criança? Não queiras ser grande, mas menino. Para que, quando tropeçares, te levante a mão de teu Pai–Deus.

871 Menino: o abandono exige docilidade.

872 Não esqueças que o Senhor tem predileção pelas crianças e pelos que se fazem como elas.

873 Paradoxos de uma pequena alma. – Quando Jesus te enviar acontecimentos que o mundo chama bons, chora em teu coração, considerando a bondade dEle e a tua malícia; quando Jesus te enviar acontecimentos que o mundo qualifica de ruins, alegra–te em teu coração, porque Ele te dá sempre o que convém, e então é o belo momento de amar a Cruz.

874 Menino audaz, grita: – Que amor o de Teresa! – Que zelo o de Xavier! – Que homem tão admirável São Paulo! – Ah, Jesus, pois eu... Te amo mais do que Paulo, Xavier e Teresa!

 «    VIDA DE INFÂNCIA    » 

875 Não te esqueças, menino bobo, de que o Amor te fez onipotente.

876 Menino: não percas o teu amoroso costume de "assaltar" Sacrários.

877 Quando te chamo "menino bom", não penses que te imagino encolhido, acanhado. – Se não és varonil e... normal, em lugar de seres um apóstolo, serás uma caricatura que provoca riso.

878 Menino bom, diz a Jesus muitas vezes ao dia: eu Te amo, eu Te amo, eu Te amo...

879 Quando te afligirem as tuas misérias, não fiques triste. – Gloria–te nas tuas fraquezas, como São Paulo, porque às crianças é permitido, sem temor do ridículo, imitar os grandes.

880 Que as tuas faltas e imperfeições, e mesmo as tuas quedas graves, não te afastem de Deus. – A criança débil, se é sensata, procura estar perto de seu pai.

881 Não te preocupes se te aborreces quando fazes essas pequenas coisas que Ele te pede. – Ainda chegarás a sorrir... Não vês com que pouca vontade dá o menino simples a seu pai, que o experimenta, a guloseima que tinha nas mãos? – Mas dá; venceu o amor.

882 Quando queres fazer as coisas bem, muito bem, é que as fazes pior. – Humilha–te diante de Jesus, dizendo–lhe: – Viste como faço tudo mal? Pois olha: se não me ajudas muito, ainda farei pior! Tem compaixão do meu menino; olha que quero escrever todos os dias uma página grande no livro da minha vida... Mas sou tão rude!, que se o Mestre não me pega na mão, em vez de letras esbeltas, saem da minha pena coisas tortas e borrões, que não se podem mostrar a ninguém. De agora em diante, Jesus, escreveremos sempre juntos os dois.

883 Reconheço a minha rudeza, meu Amor, que é tanta..., tanta, que até quando quero acariciar, magôo. – Suaviza as maneiras de minha alma; dá–me, quero que me dês, dentro da rija virilidade da vida de infância, aquela delicadeza e meiguice que as crianças têm para tratar, com íntima efusão de amor, os seus pais.

884 Estás cheio de misérias. – Cada dia as vês mais claramente. – Mas não te assustes com elas. – Ele bem sabe que não podes dar mais fruto. As tuas quedas involuntárias – quedas de criança – fazem com que teu Pai–Deus tenha mais cuidado, e que tua Mãe, Maria, não te largue de sua mão amorosa. Aproveita–te disso, e, quando diariamente o Senhor te levantar do chão, abraça–O com todas as tuas forças e encosta a tua cabeça miserável no seu peito aberto, para que acabem de enlouquecer–te os latejos do seu Coração amabilíssimo.

885 Uma picadela. – E outra. E outra. – Aguenta–as , faz favor! Não vês que és tão pequeno que só podes oferecer na tua vida – no teu pequeno caminho – essas pequenas cruzes? Além disso, repara: uma cruz sobre outra – uma picadela!... e outra..., que grande montão! – No fim, menino, soubeste fazer uma coisa muito grande: Amar.

886 Quando uma alma de criança apresenta ao Senhor os seus desejos de indulto, deve ter a certeza de que em breve verá cumpridos esses desejos. Jesus arrancará da alma a cauda imunda que arrasta pelas suas misérias passadas; tirará o peso morto, resto de todas as impurezas, que a faz prender–se ao chão; jogará para longe do menino todo o lastro terreno do seu coração, para que suba até à Majestade de Deus, a fundir–se na labareda viva de Amor que Ele é.

887 Esse descoroçoamento que te produzem as tuas faltas de generosidade, as tuas quedas, os teus retrocessos – talvez só aparentes – dão–te muitas vezes a impressão de teres quebrado alguma coisa de grande valor – a tua santificação. Não te aflijas; aplica à vida sobrenatural o modo sensato que, para resolver conflito semelhante, empregam as crianças simples. Quebraram – por fragilidade, quase sempre – um objeto muito estimado de seu pai. – Sentem–no, e talvez chorem, mas vão desabafar a sua mágoa com o dono da coisa inutilizada pela sua inépcia..., e o pai esquece o valor – ainda que seja grande – do objeto destruído e, cheio de ternura, nào só perdoa, mas até consola e anima o garotinho. – Aprende.

888 Que a vossa oração seja viril. – Ser criança não é ser efeminado.

889 Para quem ama Jesus, a oração, mesmo a oração com aridez, é a doçura que põe sempre fim às mágoas; vai–se à oração com a ânsia com que o menino vai ao açúcar, depois de tomar o remédio amargo.

890 Sei que te distrais na oração. – Procura evitar as distrações, mas não te preocupes se, apesar de tudo, continuas distraído. Não vês como, na vida natural, até as crianças mais sossegadas se entretêm e divertem com o que as rodeia, sem atender muitas vezes às palavras de seu pai? – Isso não implica falta de amor nem de respeito; é a miséria e pequenez própria do filho. Pois olha: tu és uma criança diante de Deus.

891 Quando estiveres em oração, faz circular as idéias inoportunas, como se fosses um guarda de trânsito. Para isso tens a vontade enérgica que te corresponde por tua vida de criança. – Detém, de vez em quando, algum desses pensamentos para pedir pelos protagonistas da recordação inoportuna. E depois, para a frente!... Assim, até chegar a hora. – Quando a tua oração, feita deste jeito, te parecer inútil, alegra–te e acredita que soubeste agradar a Jesus.

892 Como é bom ser criança! – Quando um homem solicita um favor, é preciso que ao requerimento junte a folha de seus méritos. Quando quem pede é um menininho, como as crianças não têm méritos, basta–lhe dizer: – Sou filho de Fulano. Ah, Senhor – diz–Lhe com toda a tua alma! –, eu sou... filho de Deus.

893 Perseverar. – Uma criança que bate a uma porta, bate uma e duas vezes, e muitas vezes..., com força e demoradamente, sem se envergonhar! E quem vai abrir, ofendido, é desarmado pela simplicidade da criaturinha inoportuna... – Assim tu com Deus.

894 Já viste como agradecem as crianças? – Imita–as dizendo, como elas, a Jesus, diante do favorável e diante do adverso: "Que bom que és! Que bom!..." Esta frase, bem sentida, é caminho de infância, que te levará à paz, com peso e medida de risos e prantos, e sem peso e medida de Amor.

895O trabalho esgota o teu corpo, e não podes fazer oração. – Estás sempre na presença de teu Pai. Se não falas com Ele, olha–O de vez em quando, como uma criancinha... e Ele te sorrirá.

896 Dizes que na ação de graças, depois da Comunhão, a primeira coisa que te vem aos lábios, sem o poderes evitar, é a petição: – Jesus, dá–me isto!; Jesus, aquela alma; Jesus, aquela atividade... Não te preocupes nem te violentes; não vês que, sendo o pai bom e o filho criança simples e audaz, o garotinho mete as mãos no bolso do pai, à procura de gulodices, antes de lhe dar o beijo de boas–vindas? – Então...

897 A nossa vontade, com a graça, é onipotente diante de Deus. – Assim, à vista de tantas ofensas ao Senhor, se dissermos a Jesus, com vontade eficaz, indo no ônibus por exemplo: "Meu Deus, quereria fazer tantos atos de amor e desagravo quantas as voltas de cada roda deste carro", naquele mesmo instante, diante de Jesus, tê–Lo–emos realmente amado e desagravado conforme o nosso desejo. Esta "ingenuidade" não está fora da infância espiritual; é o eterno diálogo entre a criança inocente e o pai, doido por seu filho: – Quanto me queres?... Fala! – E o garotinho diz, marcando as sílabas: mui–tos mi–lhões!

898 Se tens "vida de infância", por seres criança, tens de ser espiritualmente guloso. – Lembra–te, como os da tua idade, das coisas boas que a tua Mãe tem guardadas. E isto, muitas vezes ao dia. – É uma questão de segundos: Maria... Jesus... o Sacrário... a Comunhão... o Amor... o sofrimento... as benditas almas do purgatório... os que lutam: o Papa, os sacerdotes... os fiéis... a tua alma... as almas dos teus... os Anjos da Guarda... os pecadores...

899 Como te custa essa pequena mortificação! Estás lutando. É como se te dissessem: – Por que hás de ser tão fiel ao plano de vida, ao relógio? – Olha: já reparaste com que facilidade são enganados os garotinhos? – Não querem tomar o remédio amargo, mas... "vamos lá!" – dizem–lhes –, "esta colherzinha pelo papai; outra pela vovozinha..." E assim até tomarem toda a dose. O mesmo deves tu fazer: quinze minutos mais de cilício pelas almas do purgatório; cinco minutos mais por teus pais; outros cinco por teus irmãos de apostolado... Até passar o tempo marcado no teu horário. Feita deste modo a tua mortificação, quanto não vale!

900 Não estás só. – Aceita com alegria a tribulação. – Não sentes na tua mão, pobre criança, a mão de tua Mãe: é verdade. – Mas... não tens visto as mães da terra, de braços estendidos, seguirem os seus meninos quando se aventuram, temerosos, a dar os primeiros passos sem ajuda de ninguém? – Não estás só; Maria está junto de ti.

901 Jesus: nunca Te pagarei, ainda que morra de Amor, a graça que tens prodigalizado para me tornares pequeno.

 «    CHAMAMENTO    » 

902 Por que não te entregas a Deus de uma vez..., de verdade..., agora!?

903 Se vês claramente o teu caminho, segue–o. – Por que não repeles a covardia que te detém?

904 "Ide, pregai o Evangelho... Eu estarei convosco..." – Isto disse Jesus... e disse–o a ti.

905 O fervor patriótico – louvável – leva muitos homens a fazer da sua vida um... "serviço", uma "milícia". – Não esqueças que Cristo tem também "milícias" e gente escolhida a seu "serviço".

906 Et regni ejus non erit finis. – O seu Reino não terá fim! Não te dá alegria trabalhar por um reinado assim?

907 Nesciebatis quia in his quae Patris mei sunt oportet me esse? – Não sabíeis que Eu devo ocupar–me nas coisas que dizem respeito ao serviço de meu Pai? Resposta de Jesus adolescente. E resposta a uma mãe como a sua Mãe, que há três dias anda à sua procura, julgando–O perdido. – Resposta que tem por complemento aquelas palavras de Cristo que São Mateus transcreve: "Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim".

908 É demasiada a tua simplicidade quando medes o valor das obras de apostolado por aquilo que delas se vê. – Com esse critério, terias que preferir um monte de carvão a um punhado de diamantes.

909 Agora que te entregaste, pede–Lhe uma vida nova, um "novo cunho", para dar firmeza à autenticidade da tua missão de homem de Deus.

910 Isso – o teu ideal, a tua vocação – é... uma loucura. – E os outros – os teus amigos, os teus irmãos –, uns loucos... Não tens ouvido, por vezes, esse grito bem dentro de ti? – Responde, com decisão, que agradeces a Deus a honra de pertencer ao "manicômio".

911 Escreve–me: "O desejo tão grande que temos de que isto avance e se dilate, parece que vai converter–se em impaciência. Quando salta, quando irrompe..., quando veremos nosso o mundo?" E acrescentas: "O desejo não será inútil se o empregarmos em coagir, em importunar o Senhor; assim teremos ganho o tempo de uma maneira espetacular!"

912 Compreendo o teu sofrimento quando, no meio da tua forçosa inatividade, consideras a tarefa que está por fazer. – Não te cabe o coração no planeta, e tem de se amoldar... a um minúsculo trabalho oficial. Mas para quando deixamos o fiat?...

913 Não duvides; a tua vocação é a maior graça que o Senhor te pôde dar. – Agradece–Lhe.

914 Que pena fazem essas multidões – altas e baixas e do meio – sem ideal! – Dão a impressão de não saber que têm alma; são... manada, rebanho..., vara. Jesus: nós, com a ajuda do teu Amor Misericordioso, converteremos a manada em mesnada, o rebanho em exército..., e da vara extrairemos, purificados, os que não mais quiserem ser imundos.

915 As obras de Deus não são alavanca nem degrau.

916 Senhor, torna–nos loucos, com uma loucura contagiosa que atraia muitos ao teu apostolado.

917 Nonne cor nostrum ardens erat in nobis dum loqueretur in via? – Não ardia o nosso coração dentro de nós, enquanto nos falava pelo caminho? Se és apóstolo, estas palavras dos discípulos de Emaús deviam sair espontaneamente dos lábios dos teus companheiros de profissão, depois de te encontrarem no caminho da sua vida.

918 Vai para o apostolado disposto a dar tudo, e não a procurar algo de terreno.

919 Querendo–te apóstolo, o Senhor te lembrou, para que nunca o esqueças, que és "filho de Deus".

920 Cada um de vós deve procurar ser um apóstolo de apóstolos.

921 Tu és sal, alma de apóstolo. – Bonum est sal – o sal é bom, lê–se no Santo Evangelho; si autem sal evanuerit – mas se o sal se desvirtua..., de nada serve, nem para a terra, nem para o esterco; joga–se fora como inútil. Tu és sal, alma de apóstolo. – Mas se te desvirtuas...

922 Meu filho: se amas o teu apostolado, fica certo de que amas a Deus.

923 No dia em que "sentires" bem o teu apostolado, esse apostolado será para ti uma couraça em que se embotarão todas as ciladas dos teus inimigos da terra e do inferno.

924 Pede sempre a tua perseverança e a dos teus companheiros de apostolado, porque o nosso adversário, o demônio, sabe perfeitamente que sois os seus grandes inimigos..., e uma queda em vossas fileiras, quanto o satisfaz!

925 Assim como os bons religiosos se afadigam em conhecer a maneira como viviam os primeiros da sua ordem ou congregação, para se ajustarem àquela conduta, assim tu – cavalheiro cristão – procura conhecer e imitar a vida dos discípulos de Jesus, que conviveram com Pedro e com Paulo e com João, e quase foram testemunhas da Morte e da Ressurreição do Mestre.

926 Perguntas–me..., e te respondo: – A tua perfeição consiste em viveres perfeitamente naquele lugar, ofício e grau em que Deus, por meio da autoridade, te colocar.

927 Orai uns pelos outros. – Está fraquejando aquele?... – E aquele outro?... Continuai orando, sem perder a paz. – Vão–se embora? Perdem–se?... O Senhor vos tem contados desde a eternidade!

928 Tens razão. – Do alto do cume – escreves–me –, em tudo o que se divisa (e é um raio de muitos quilômetros), não se enxerga uma única planície; por detrás de cada montanha, outra ainda. Se em algum lugar a paisagem parece suavizar–se, mal se levanta o nevoeiro, aparece uma serra que estava oculta. É assim mesmo, assim tem que ser o horizonte do teu apostolado; é preciso atravessar o mundo. – Mas não há caminhos feitos para vós... Tereis de fazê–los, através das montanhas, à força das vossas passadas.

 «    O APÓSTOLO    » 

929 A Cruz sobre o teu peito?... Está bem. Mas... a Cruz sobre os teus ombros, a Cruz na tua carne, a Cruz na tua inteligência. – Assim viverás por Cristo, com Cristo e em Cristo; só assim serás apóstolo.

930 Alma de apóstolo: primeiro, tu. – Disse o Senhor por São Mateus: "Muitos me dirão no dia do juízo: Senhor!, Senhor!, não profetizamos nós em teu nome, e em teu nome não expulsamos os demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então Eu lhes direi: Nunca vos conheci; apartai–vos de mim, obreiros da iniquidade". Não suceda – diz São Paulo – que, tendo pregado aos outros, venha eu a ser reprovado.

931 O gênio militar de Santo Inácio apresenta–nos o demônio chamando inúmeros diabos e espalhando–os pelos países, estados, cidades e aldeias, depois de lhes ter feito "um sermão" em que os admoesta a lançar ferros e cadeias, não deixando ninguém em particular sem algemas... Disseste–me que querias ser líder; e... para que serve um líder algemado?

932 Repara: os apóstolos, com todas as suas misérias patentes e inegáveis, eram sinceros, simples..., transparentes. Tu também tens misérias patentes e inegáveis. – Oxalá não te falte simplicidade.

933 Contam de uma alma que, ao dizer ao Senhor na oração: "Jesus, eu Te amo", ouviu esta resposta do Céu: "Obras é que são amores, não as boas razões". Pensa se por acaso não merecerás tu também esta carinhosa censura.

934 O zelo é uma loucura divina de apóstolo, que te desejo, e que tem estes sintomas: fome de intimidade com o Mestre; preocupação constante pelas almas; perseverança que nada faz desfalecer.

935 Não fiques dormindo sobre os louros. – Se, humanamente falando, essa posição já é incômoda e pouco galharda, quanto mais quando os louros – como neste caso – não forem teus, mas de Deus!

936 No apostolado, estás para submeter–te , para aniquilar–te; não para impor o teu critério pessoal.

937 Nunca sejais homens ou mulheres de ação longa e oração curta.

938 Procura viver de tal maneira que saibas privar–te voluntariamente da comodidade e bem–estar que acharias mal nos costumes de outro homem de Deus. Olha que és o grão de trigo de que nos fala o Evangelho. – Se não te enterras e morres, não haverá fruto.

939 Sede homens e mulheres do mundo, mas não sejais homens ou mulheres mundanos.

940 Não esqueças que a unidade é sintoma de vida: desunir–se é putrefação, sinal certo de ser um cadáver.

941 Obedecer..., caminho seguro. – Obedecer cegamente ao superior..., caminho de santidade. – Obedecer no teu apostolado..., o único caminho, porque, numa obra de Deus, o espírito há de ser este: obedecer ou ir–se embora.

942 Lembra–te, meu filho, de que não és somente uma alma que se une a outras almas para fazer uma coisa boa. Isso é muito..., mas é pouco. – És o Apóstolo que cumpre um mandato imperativo de Cristo.

943 Oxalá que, convivendo contigo, não se possa exclamar o que, com bastante razão, gritava determinada pessoa: "De honrados estou até aqui..." E tocava no cocuruto da cabeça.

944 Tens de comunicar a outros Amor de Deus e zelo pelas almas, para que esses, por sua vez, peguem fogo a muitos mais que estão num terceiro plano, e cada um destes últimos aos seus companheiros de profissão. De quantas calorias espirituais não precisas! – E que responsabilidade tão grande, se esfrias! E (nem o quero pensar) que crime tão horroroso, se desses mau exemplo!

945 É má disposição ouvir a palavra de Deus com espírito crítico.

946 Se quereis entregar–vos a Deus no mundo, mais do que sábios (quanto a elas, não é preciso serem sábias; basta que sejam sensatas), tendes que ser espirituais, muito unidos ao Senhor pela oração; deveis trazer um manto invisível que cubra todos e cada um dos vossos sentidos e potências – orar, orar e orar; expiar, expiar e expiar.

947 Ficavas espantado por eu aprovar a falta de "uniformidade" nesse apostolado em que trabalhas. E te disse: Unidade e variedade. – Deveis ser tão diferentes, como diferentes são os santos do Céu, que tem cada um as suas notas pessoais e especialíssimas. – E também tão conformes uns com os outros como os santos, que não seriam santos se cada um deles não se tivesse identificado com Cristo.

948 Tu, filho predileto de Deus, sente e vive a fraternidade, mas sem familiaridades.

949 Aspirar a ter cargos nas obras de apostolado é coisa inútil nesta vida, e para a outra Vida é um perigo. Se Deus o quiser, hão de chamar–te. – E então deves aceitar. – Mas não esqueças que em todos os lugares podes e deves santificar–te, porque para isso vieste.

950 Se pensas que, ao trabalhar por Cristo, os cargos são algo mais do que cargas, quantas amarguras te esperam!

951 Estar à frente de uma obra de apostolado é o mesmo que estar disposto a sofrer tudo de todos, com infinita caridade.

952 No trabalho apostólico, não se pode perdoar a desobediência nem a duplicidade. – Tem em conta que simplicidade não é imprudência nem indiscrição.

953 Tens obrigação de pedir e sacrificar–te pela pessoa e intenções de quem dirige a tua obra de apostolado. – Se és remisso no cumprimento deste dever, fazes–me pensar que te falta entusiasmo pelo teu caminho.

954 Leva ao extremo o respeito pelo superior quando te consultar e tiveres de contradizer as suas opiniões. – E nunca o contradigas diante dos que lhe estão sujeitos, mesmo que não tenha razão.

955 Na tua obra de apostolado, não temas os inimigos de fora, por maior que seja o seu poder. – O inimigo terrível é este: a tua falta de "filiação" e a tua falta de "fraternidade".

956 Compreendo bem que te divirtam os desprezos – mesmo que venham de inimigos poderosos –, desde que sintas a união com o teu Deus e com os teus irmãos de apostolado. – Para ti, que importância tem isso?

957 Comparo com frequência o trabalho de apostolado a uma máquina: rodas dentadas, êmbolos, válvulas, parafusos... Pois bem, a caridade – a tua caridade – é o lubrificante.

958 Acaba com esse "ar de auto–suficiência" que isola da tua as almas que se aproximam de ti. – Procura escutar. E fala com simplicidade. Só assim crescerá em extensão e fecundidade o teu trabalho de apóstolo.

959 O desprezo e a perseguição são benditas provas de predileção divina, mas não há prova e sinal de predileção mais belo do que este: passar despercebido.

 «    O APOSTOLADO    » 

960 Assim como o rumor do oceano se compõe do ruído de cada uma das ondas, assim a santidade do vosso apostolado se compõe das virtudes pessoais de cada um de vós.

961 É preciso que sejas "homem de Deus", homem de vida interior, homem de oração e de sacrifício. – O teu apostolado deve ser uma superabundância da tua vida "para dentro".

962 Unidade. – Unidade e sujeição. Para que quero eu as peças de um relógio, mesmo que sejam primorosas, se não marcam as horas?

963 Não façais "igrejinhas" dentro do vosso trabalho. – Seria tornar mesquinhos os trabalhos de apostolado, porque, se a "igrejinha" chega – por fim! – ao governo de uma obra universal..., com que rapidez se transforma a obra universal em igrejinha!

964 Dizias–me, com desconsolo: – Há muitos caminhos! – Tem que haver: para que todas as almas possam encontrar o seu, nessa variedade admirável. Confusionismo? – Escolhe de uma vez para sempre; e a confusão se converterá em certeza.

965 Alegra–te quando vires que outros trabalham em bons campos de apostolado. – E pede, para eles, graça de Deus abundante e correspondência a essa graça. Depois, tu pelo teu caminho; persuade–te de que não tens outro.

966 É mau espírito o teu, se te dói que outros trabalhem por Cristo sem contarem com o teu apostolado. – Lembra–te desta passagem de São Marcos: "Mestre, vimos um que em teu nome expulsava os demônios, e que não está conosco; e nós lho proibimos. Disse Jesus: Não lho proibas, pois ninguém que faça um milagre em meu nome falará depois mal de mim. Quem não está contra vós está convosco".

967 É inútil que te afadigues em tantas obras exteriores, se te falta Amor. – É como costurar com agulha sem linha. Que pena se, afinal, tivesses feito o "teu" apostolado, e não o "seu" Apostolado!

968 Com alegria te abençôo, meu filho, por essa fé na tua missão de apóstolo que te levou a escrever: "Não há dúvida; o futuro é garantido, apesar de nós talvez. Mas é preciso que formemos uma só coisa com a Cabeça – ut omnes unum sint! –, pela oração e pelo sacrifício".

969 Os que, deixando a ação para os outros, oram e sofrem, não brilharão aqui, mas como luzirá a sua coroa no Reino da Vida! – Bendito seja o "apostolado do sofrimento"!

970 É verdade que chamei o teu apostolado discreto de "silenciosa e operativa missão". – E não tenho nada que retificar.

971 Parece–me tão bem a tua devoção pelos primeiros cristãos, que farei o possível por fomentá–la, para que pratiques – como eles –, cada dia com mais entusiasmo, esse Apostolado eficaz de discrição e de confidência.

972 Quando puseres em prática o teu "apostolado de discrição e de confidência", não me digas que não sabes o que hás de dizer. – Porque te direi com o salmo: Dominus dabit verbum evangelizantibus virtute multa – o Senhor põe na boca dos seus apóstolos palavras cheias de eficácia.

973 Essas palavras que tão a tempo deixas cair ao ouvido do amigo que vacila; a conversa orientadora que soubeste provocar oportunamente; e o conselho profissional que melhora o seu trabalho universitário; e a discreta indiscrição que te faz sugerir–lhe imprevistos horizontes de zelo... Tudo isso é "apostolado da confidência".

974 "Apostolado do almoço". É a velha hospitalidade dos Patriarcas, com o calor fraternal de Betânia. – Quando se pratica, parece que se entrevê Jesus presidindo, como em casa de Lázaro.

975 Urge recristianizar as festas e os costumes populares. – Urge evitar que os espetáculos públicos se vejam nesta disjuntiva: ou piegas ou pagãos. Pede ao Senhor que haja quem trabalhe nessa tarefa urgente, a que podemos chamar "apostolado da diversão".

976 Do "apostolado epistolar" me fazes um bom panegírico. – Escreves: "Não sei como encher o papel falando de coisas que possam ser úteis a quem recebe a carta. Quando começo, digo ao meu Anjo da Guarda que, se escrevo, é com o fim de que sirva para alguma coisa. E mesmo que só diga bobagens, ninguém me pode tirar – nem tirar a ele – o tempo que passei pedindo o que sei que mais necessita a alma daquele a quem vai dirigida a minha carta".

977 "A carta me pegou nuns dias tristes, sem motivo algum, e lendo–a animei–me extraordinariamente, sentindo como trabalham os outros". – E outro: "As suas cartas e as notícias dos meus irmãos ajudam–me como um sonho feliz diante da realidade de tudo o que apalpamos..." – E outro: "Que alegria receber essas cartas e saber–me amigo desses amigos!" – E outro, e mil: "Recebi a carta de X., e me envergonho ao pensar na minha falta de espírito, comparado com eles". Não é verdade que é eficaz o "apostolado epistolar"?

978 Venite post me, et faciam vos fieri piscatores hominum – vinde atrás de Mim, e farei de vós pescadores de homens. – Não sem mistério emprega o Senhor estas palavras: os homens – como os peixes –, é preciso apanhá–los pela cabeça. Que profundidade evangélica não encerra o "apostolado da inteligência"!

979 É condição humana ter em pouco o que pouco custa. – Essa é a razão por que te aconselho o "apostolado de não–dar". Nunca deixes de cobrar o que for equitativo e razoável pelo exercício da tua profissão, se a tua profissão é o instrumento do teu apostolado.

980 "Não temos o direito de fazer–nos acompanhar nas viagens por uma mulher, irmã em Jesus Cristo, para que nos assista, como fazem os demais apóstolos, e os parentes do Senhor, e o próprio Pedro?" – É o que diz São Paulo na sua primeira Epístola aos Coríntios. – Não é possível desdenhar a colaboração da "mulher no apostolado".

981 "Indo Ele, logo depois, por cidades e aldeias – lê–se no capítulo VIII de São Lucas –, pregava e evangelizava o reino de Deus. Acompanhavam–no os doze e algumas mulheres que tinham sido libertadas de espíritos malignos e curadas de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual expulsara sete demônios; Joana, mulher de Cusa, administrador de Herodes, e Susana, e outras muitas, que o serviam com os seus bens". Copio. E peço a Deus que, se alguma mulher me ler, se encha de uma santa inveja, cheia de eficácia.

982 Mais forte a mulher do que o homem, e mais fiel na hora da dor. – Maria de Magdala, e Maria Cleófas, e Salomé! Com um grupo de mulheres valentes, como essas, bem unidas à Virgem Dolorosa, que apostolado não se faria no mundo!

 «    PERSEVERANÇA    » 

983 Começar é de todos; perseverar, de santos. Que a tua perseverança não seja consequência cega do primeiro impulso, fruto da inércia; que seja uma perseverança refletida.

984 Diz–Lhe: Ecce ego quia vocasti me! – Aqui me tens porque me chamaste!

985 Sei que te afastaste do caminho, e não voltavas por vergonha. – Era mais lógico que tivesses vergonha de não retificar.

986 "A verdade é que não é preciso ser nenhum herói – confessas–me – para, sem excentricidades nem afetações de carola, saber isolar–se quando for necessário segundo os casos... e perseverar". E acrescentas: "Desde que cumpra as normas que me deu, não me preocupam as intrigas e complicações do ambiente; o que me assustaria era ter medo dessas insignificâncias". – Magnífico!

987 Fomenta e preserva esse ideal nobilíssimo que acaba de nascer em ti. – Olha que se abrem muitas flores na primavera, e são poucas as que frutificam.

988 O desalento é inimigo da tua perseverança. – Se não lutas contra o desalento, chegarás ao pessimismo, primeiro, e à tibieza, depois. – Sê otimista.

989 Ora vamos! Depois de tanto dizer: "Cruz, Senhor, Cruz!", está–se vendo que querias uma cruz a teu gosto.

990 Constância, que nada desoriente. – Faz–te falta. Pede–a ao Senhor e faz o que puderes para obtê–la; porque é um grande meio para que não te separes do fecundo caminho que empreendeste.

991 Não podes "subir", não é mesmo? – Não é de estranhar: aquela queda!... Persevera e "subirás". – Recorda o que diz um autor espiritual: a tua pobre alma é um pássaro que ainda tem as asas empastadas de lama. É preciso muito calor do Céu e esforços pessoais, pequenos e constantes, para arrancar essas inclinações, essas imaginações, esse abatimento: essa lama pegajosa de tuas asas. E ver–te–ás livre. – Se perseveras, "subirás".

992 Dá graça a Deus, que te ajudou, e rejubila com a tua vitória. – Que alegria tão profunda, a que sente a tua alma depois de ter correspondido!

993 Discorres... bem, friamente: quantos motivos para abandonar a tarefa! – E um ou outro, ao que parece, capital. Vejo, sem dúvida, que tens razões. – Mas não tens razão.

994 "Passou–me o entusiasmo", escreveste–me. – Tu não deves trabalhar por entusiasmo, mas por Amor; com consciência do dever, que é abnegação.

995 Inabalável. Assim tens de ser. – Se fazem vacilar a tua perseverança as misérias alheias ou as próprias, formo um triste conceito do teu ideal. Decide–te de uma vez para sempre.

996 Tens uma pobre idéia do teu caminho quando, ao te sentires frio, julgas tê–lo perdido; é a hora da provação. Por isso te tiraram as consolações sensíveis.

997 Ausência, isolamento – provas para a perseverança. – Santa Missa, oração, sacramentos, sacrifícios, comunhão dos santos! – armas para vencer na prova.

998 Bendita perseverança a do burrico de nora!* – Sempre ao mesmo passo. Sempre as mesmas voltas. – Um dia e outro; todos iguais. Sem isso, não haveria maturidade nos frutos, nem louçania no horto, nem teria aromas o jardim. Leva este pensamento à tua vida interior. (*)A nora é um aparelho usado em algumas regiões da Europa para extrair água de poços e cisternas; costuma ser acionado por animais que giram à volta do poço.(N. do T.).

999 Qual é o segredo da perseverança? O Amor. – Enamora–te, e não O deixarás.