Sulco

Prólogo do autorGenerosidadeRespeitos humanosAlegriaAudáciaLutasPescadores de homensSofrimentoHumildadeCidadaniaSinceridadeLealdadeDisciplinaPersonalidadeOraçãoTrabalhoFrivolidade NaturalidadeVeracidadeAmbiçãoHipocrisiaVida interiorSoberbaAmizadeVontadeCoraçãoPurezaPazO alémA línguaPropagandaResponsabilidadePenitência

 «    Prólogo do autor    » 

Deixa–me, leitor amigo,
que tome a tua alma
e a faça contemplar virtudes de homem:
a graça opera sobre a natureza.
Mas não esqueças
que as minhas considerações,
por muito humanas que te pareçam,
já que as escrevi – e até vivi –
para ti e para mim de olhos postos em deus,
hão de ser por força sacerdotais.
Oxalá estas páginas
a tal ponto nos sirvam de proveito
– assim o peço a nosso senhor –
que nos melhorem
e nos movam a deixar nesta vida,
com as nossas obras,
um sulco fecundo.

 «    GENEROSIDADE    » 

1 São muitos os cristãos persuadidos de que a Redenção se realizará em todos os ambientes do mundo, e de que deve haver algumas almas – não sabem quais– que com Cristo contribuam para realizá–la. Mas eles a vêem a um prazo de séculos, de muitos séculos...; seria uma eternidade, se se levasse a cabo ao passo da sua entrega.
Assim pensavas tu, até que vieram "acordar–te".

2 A entrega é o primeiro passo de uma veloz caminhada de sacrifício, de alegria, de amor, de união com Deus. – E assim, toda a vida se enche de uma bendita loucura, que faz encontrar felicidade onde a lógica humana só vê negação, padecimento, dor.

3 " Peça por mim – dizias –: que eu seja generoso, que progrida, que chegue a transformar–me de tal modo que algum dia possa ser útil em alguma coisa".
Bem. – Mas, que meios empregas para que esses propósitos se tornem eficazes?

4 Muitas vezes te perguntas por que certas almas, que tiveram a ventura de conhecer o verdadeiro Jesus desde crianças, vacilam tanto em corresponder com o melhor que possuem: a vida, a família, os sonhos.
Olha: tu, precisamente porque recebeste "tudo" de golpe, estás obrigado a mostrar–te muito agradecido ao Senhor: tal como reagiria um cego que recuperasse a vista de repente, enquanto aos outros nem lhes passa pela cabeça que devem dar graças porque vêem.
Mas... não é suficiente. Todos os dias, tens que ajudar os que te rodeiam, para que se comportem com gratidão pela sua condição de filhos de Deus. Senão, não me digas que és agradecido.

5 Medita devagar: é muito pouco o que se me pede, para o muito que se me dá.

6 Para ti, que não acabas de "deslanchar", considera o que me escrevia um teu irmão: "Custa, mas uma vez tomada a "decisão", que suspiro de felicidade, ao encontrar–me seguro no caminho!"

7 Estes dias – comentavas–me – transcorreram mais felizes do que nunca. – E te respondi sem vacilar: foi porque "viveste" um pouco mais entregue do que habitualmente.

8 A chamada do Senhor – a vocação – apresenta–se sempre assim: "Se alguém quer vir após Mim, negue–se a si mesmo, tome a sua cruz e siga–me".
Sim, a vocação exige renúncia, sacrifício. – "gaudium cum pace", alegria e paz –, se a renúncia é completa!

9 Quando lhe falaram de comprometer–se pessoalmente, a sua reação foi raciocinar assim: "Nesse caso, poderia fazer isto..., teria que fazer aquilo..."
– Responderam–lhe: "Aqui não pechinchamos com o Senhor. Alei de Deus, o convite do Senhor, ou se pega ou se larga, tal como é. É preciso decidir–se: ou ir para a frente, sem nenhuma reserva e com muito ânimo, ou retirar–se. "Qui non est mecum..." – quem não está comigo, está contra Mim".

10 Da falta de generosidade à tibieza não vai senão um passo.

11 Para que não o imites, copio de uma carta este exemplo de covardia: "Naturalmente, agradeço–lhe muito que se lembre de mim, porque preciso de muitas orações. Mas também lhe agradeceria que, ao suplicar ao Senhor que me faça "apóstolo", não se esforçasse em pedir–Lhe que me exija a entrega da minha liberdade".

12 Aquele teu conhecido, muito inteligente, bom burguês, boa gente, dizia: "Cumprir a lei, mas com medida, sem passar da risca, o mais estritamente possível".
E acrescentava: "Pecar? Não; mas dar–se, também não".
Causam verdadeira pena esses homens mesquinhos, calculistas, incapazes de sacrificar–se, de entregar–se por um ideal nobre.

13. É preciso pedir–te mais: porque podes dar mais, e deves dar mais. Pensa nisso.

14 "É muito difícil!", exclamas desanimado.
– Escuta: se lutas, basta–te a graça de Deus.
Prescindirás dos interesses pessoais, servirás os outros por Deus, e ajudarás a Igreja no campo onde hoje se trava a batalha: na rua, na fábrica, na oficina, na universidade, no escritório, no teu ambiente, no meio dos teus.

15 Escreveste–me: "No fundo, é sempre a mesma coisa: muita falta de generosidade. Que pena e que vergonha descobrir o caminho e permitir que umas nuvenzinhas de pó – inevitáveis – turvem o final!"
Não te zangues se te digo que és o único culpado: arremete valentemente contra ti mesmo. tens meios mais do que suficientes.

16 Quando o teu egoísmo te afasta da comum preocupação pelo bem–estar sadio e santo dos homens, quando te fazes calculista e não te comoves com as misérias materiais ou morais do teu próximo, obrigas–me a lançar–te em rosto uma palavra muito forte, para que reajas: se não sentes a bendita fraternidade com teus irmãos os homens, e vives à margem da grande família cristã, és um pobre enjeitado.

17 O cume? Para uma alma que se entrega, tudo se converte em cume por alcançar: cada dia descobre metas novas, porque nem sabe nem quer pôr limites ao Amor de Deus.

18 Quanto mais generoso fores – por Deus –, mais feliz serás.

19 Com freqüência surge a tentação de querermos reservar um pouco de tempo para nós mesmos...
Aprende de uma vez por todas a pôr remédio a tanta pequenez, retificando imediatamente.

20 Eras da turma do "tudo ou nada". E como nada podias..., que desastre!
Começa a lutar com humildade, para acender essa tua pobre entrega, tão tacanha, até a tornares "totalmente" efetiva.

21 Nós, os que nos dedicamos a Deus, nada perdemos.

22 Gostaria de gritar ao ouvido de tantas e de tantos: não é sacrifício entregar os filhos ao serviço de Deus: é honra e alegria.

23 Chegou para ele o momento da dura provação, e veio procurar–te desconsolado.
– Lembras–te? Para ele – o amigo que te dava conselhos "prudentes"–, o teu modo de proceder não era senão utopia, fruto de uma deformação de idéias, captação de vontades, e... " sutilezas" do mesmo jaez.
– "Esse entregar–se ao Senhor – sentenciava – é uma exacerbação anormal do sentimento religioso". E, com a sua pobre lógica, pensava que entre a tua família e ti se havia interposto um estranho: Cristo.
Agora compreendeu o que tantas vezes lhe repetias: Cristo jamais separa as almas.

24 Eis uma tarefa urgente: sacudir a consciência dos que crêem e dos que não crêem – fazer uma leva de homens de boa vontade –, com o fim de que cooperem e proporcionem os instrumentos materiais para trabalhar com as almas.

25 Esse demonstra muito entusiasmo e compreensão. Mas quando vê que se trata "dele", que "ele" tem de contribuir a sério, retira–se covardemente.
Lembra–me aqueles que, em momento de grave perigo, gritavam com falsa valentia: "Guerra, guerra!", mas nem queriam dar dinheiro, nem alistar–se para defender a sua pátria.

26 Dá pena verificar de que modo alguns entendem a esmola: uns tostões ou um pouco de roupa velha. Parece que não leram o Evangelho.
Não andeis com receios: com a fé e a fortaleza suficientes para se desprenderem generosamente, em vida, daquilo que lhes é necessário.
– Aos renitentes, explicai–lhes que é pouco nobre e pouco elegante, também do ponto de vista terreno, esperar pelo fim, quando forçosamente já não podem levar nada consigo.

27 "Quem empresta, que não cobre; se cobra, que não seja tudo, que não seja tal; se tal, inimigo mortal".
Que fazer?... Dar! Sem cálculo, e sempre por Deus. Assim viverás, também humanamente, mais perto dos homens, e contribuirás para que haja menos ingratos.

28 Vi rubor no rosto daquele homem simples, e quase lágrimas em seus olhos: prestava generosamente sua colaboração em obras boas, com o dinheiro honesto que ele mesmo ganhava, e soube que os "bons" apodavam de bastardas as suas ações.
Com ingenuidade de neófito nestas batalhas de Deus, sussurrava: "Estão vendo que me sacrifico... e ainda me sacrificam!"
– Falei–lhe devagar. Beijou o meu Crucifixo, e a sua indignação natural se trocou em paz e alegria.

29 Não sentes um ímpeto louco de tornar mais completa, mais "irremediável" a tua entrega?

30 Como é ridícula a atitude dos pobrezinhos dos homens, quando uma vez e outra negamos bagatelas ao Senhor! Passa o tempo, as coisas vão–se vendo com o seu verdadeiro relevo..., e nascem a vergonha e a dor.

31 "Aure audietis, et non intelligetis: et videntes videbitis et non perspicietis". Palavras claras do Espírito Santo: ouvem com os seus próprios ouvidos, e não entendem; olham com os seus olhos, mas não enxergam.
Por que te inquietas se alguns, "vendo" o apostolado e conhecendo a sua grandeza, não se entregam? Reza tranqüilo, e persevera no teu caminho: se esses não se lançam, outros virão!

32 Desde que lhe disseste "sim", o tempo vai mudando a cor do teu horizonte – cada dia mais belo –, que brilha mais amplo e luminoso. Mas tens de continuar a dizer "sim".

33 A Virgem Santa Maria, Mestra de entrega sem limites. – Lembras–te? Com palavras que eram um louvor dirigido a Ela, Jesus Cristo afirma: "Aquele que cumpre a Vontade de meu Pai, esse – essa – é minha mãe!..."
Pede a esta Mãe boa que ganhe força na tua alma – força de amor e de libertação– a sua resposta de generosidade exemplar: "Ecce ancilla Domini!" – eis a escrava do Senhor.

 «    RESPEITOS HUMANOS    » 

34 Quando está em jogo a defesa da verdade, como se pode desejar não desagradar a Deus e, ao mesmo tempo, não chocar com o ambiente? São coisas antagônicas: ou uma ou outra! É preciso que o sacrifício seja holocausto: é preciso queimar tudo..., até isso que chamam reputação.

35 Como vejo agora claramente que a "santa desvergonha" tem a sua raiz, muito profunda, no Evangelho! – Cumpre a Vontade de Deus..., lembrando–te de Jesus difamado, de Jesus cuspido e esbofeteado, de Jesus levado aos tribunais de homenzinhos..., e de Jesus calado!! – Propósito: baixar a fronte diante dos ultrajes e – contando também com as humilhações que, sem dúvida, virão – prosseguir a tarefa divina, que o Amor Misericordioso de Nosso Senhor nos quis confiar.

36 Assusta o mal que podemos causar, se nos deixamos arrastar pelo medo ou pela vergonha de nos mostrarmos como cristãos na vida diária.

37 Há alguns que, quando falam de Deus ou do apostolado, é como se sentissem a necessidade de se defender. Talvez porque não descobriram o valor das virtudes humanas, e, pelo contrário, sobra–lhes deformação espiritual e covardia.

38 É inútil pretender agradar a todos. Descontentes, gente que proteste, haverá sempre. Olha como o resume a sabedoria popular: "Quando as coisas correm bem para os cordeiros, correm mal para os lobos".

39 Não te comportes como esses que se assustam perante um inimigo que só tem a força da sua "voz agressiva".

40 Compreendes o trabalho que se faz..., achas bem(!). Mas pões muito cuidado em não colaborar, e maior ainda em conseguir que os outros não vejam ou não pensem que colaboras.
– Tens medo de que te julguem melhor do que és!, disseste–me. – Não será que tens medo de que Deus e os homens te exijam mais coerência?

41 Parecia completamente decidido... Mas, ao pegar na caneta para acabar com o namoro, pesou mais a indecisão e faltou–lhe coragem: muito humano e compreensível, comentavam outros. – Pelo que se vê, segundo alguns, não estão os amores terrenos entre as coisas que se devem deixar para seguir plenamente a Jesus Cristo, quando Ele o pede.

42 Há os que erram por fraqueza – pela fragilidade do barro de que estamos feitos –, mas se mantêm íntegros na doutrina.
São os mesmos que, com a graça de Deus, demonstram a valentia e a humildade heróica de confessar o seu erro, e de defender – com afinco – a verdade.

43 Alguns chamam imprudência e atrevimento à fé e à confiança em Deus.

44 É uma loucura confiar em Deus!..., dizem. – E não é maior loucura confiar em si mesmo, ou nos demais homens?

45 Escreves–me que chegaste, por fim, ao confessionário, e que experimentaste a humilhação de ter que abrir a cloaca da tua vida – assim dizes tu– diante de "um homem".
– Quando arrancarás essa vã estima que sentes por ti mesmo? Então irás à confissão feliz de te mostrares como és, diante "desse homem" ungido – outro Cristo, o próprio Cristo!–, que te dá a absolvição, o perdão de Deus.

46 Tenhamos a coragem de viver pública e constantemente de acordo com a nossa santa fé.

47 Não podemos ser sectários, diziam–me com ares de equanimidade, perante a firmeza da doutrina da Igreja.
Depois, quando lhes fiz ver que quem tem a Verdade não é sectário, compreenderam o seu erro.

48 Para nos convencermos de que é ridículo tomar a moda como norma de conduta, basta olhar para alguns retratos antigos.

49 Gosto de que ames as procissões, todas as manifestações externas da nossa Mãe a Igreja Santa, para dar a Deus o culto devido..., e que as vivas!

50 "Ego palam locutus sum mundo": Eu preguei publicamente diante de toda a gente, responde Jesus a Caifás, quando se aproxima o momento de dar a sua Vida por nós.
– E, no entanto, há cristãos que se envergonham de manifestar "palam" – patentemente – veneração pelo Senhor.

51 Quando ocorreu a debandada dos Apóstolos e o povo embravecido rasga as gargantas em ódio a Jesus Cristo, Santa Maria segue de perto o seu Filho pelas ruas de Jerusalém. Não a arreda o clamor da multidão, nem deixa de acompanhar o Redentor enquanto todos os do cortejo, no anonimato, se fazem covardemente valentes para maltratar a Cristo.
Invoca–a com força: "Virgo fidelis!" – Virgem fiel! –, e pede–lhe que os que nos dizemos amigos de Deus o sejamos deveras e a toda as horas.

 «    ALEGRIA    » 

52 Ninguém é feliz, na terra, enquanto não se decide a não sê–lo. Assim transcorre o caminho: dor – dito em cristão! –, Cruz; Vontade de Deus, Amor; felicidade aqui e, depois, eternamente.

53 "Servite Domino in laetitia!" – Servirei a Deus com alegria! Uma alegria que será conseqüência da minha Fé, da minha Esperança e do meu Amor..., que há de durar sempre porque, como nos assegura o Apóstolo, "Dominus prope est!"... – o Senhor me acompanha de perto. Caminharei com Ele, portanto, bem seguro, já que o Senhor é meu Pai..., e com a sua ajuda cumprirei a sua amável Vontade, ainda que me custe.

54 Um conselho, que vos tenho repetido até cansar: estai alegres, sempre alegres. – Que estejam tristes os que não se considerem filhos de Deus.

55 Procuro deixar a pele, para que os meus irmãos mais novos "pisem macio", como o senhor nos diz. – Há tantas alegrias neste "passar mal"!

56 Outro homem de fé escrevia–me: "Quando se está isolado por necessidade, nota–se perfeitamente a ajuda dos irmãos. Ao considerar que agora tenho que suportat tudo "sozinho", penso muitas vezes que, se não fosse por essa "companhia que fazemos de longe uns aos outros" – a bendita Comunhão dos Santos! –, não poderia conservar este otimismo que me invade".

57 Não esqueças que, às vezes, faz–nos falta ter ao lado caras sorridentes.

58 "Vocês são todos tão alegres! Ninguém o imaginaria", ouvi comentar.
Vem de longe o empenho diabólico dos inimigos de Cristo, que não se cansam de murmurar que as pessoas entregues a Deus são da espécie dos "soturnos". E, infelizmente, alguns dos que querem ser "bons" servem–lhes de eco, com as suas "virtudes tristes".
– Nós Te damos graças, Senhor, porque quiseste contar com as nossas vidas, ditosamente alegres, para apagar essa falsa caricatura.
– Peço–te também que não o esqueçamos.

59 Que ninguém leia tristeza nem dor na tua cara, quando difundes pelo ambiente do mundo o aroma do teu sacrifício: os filhos de Deus têm que ser semeadores de paz e de alegria.

60 A alegria de um homem de Deus, de uma mulher de Deus, há de ser transbordante: serena, contagiosa, cativante; em poucas palavras, há de ser tão sobrenatural, tão pegadiça e tão natural, que arraste outros pelos caminhos cristãos.

61 "Contente?" – A pergunta deixou–me pensativo.
– Ainda não se inventaram as palavras para exprimir tudo o que se sente – no coração e na vontade – quando se sabe que se é filho de Deus.

62 Natal. Escreves–me: "Ao compasso da espera santa de Maria e de José, eu também espero, com impaciência, o Menino. Como ficarei contente em Belém! Pressinto que explodirei numa alegria sem limites. Ah!, e com Ele quero também nascer de novo..."
– Oxalá seja verdade este teu querer!

63 Propósito sincero: tornar amável e fácil o caminho dos outros, que já bastantes amarguras traz a vida consigo.

64 Que maravilha converter infiéis, ganhar almas!...
– Pois bem, tão grato a Deus, e ainda mais, é evitar que se percam.

65 Outra vez as tuas antigas loucuras!... E depois, quando regressas, te sentes pouco alegre, porque te falta humildade.
Parece que te obstinas em desconhecer a segunda parte da parábola do filho pródigo, e ainda continuas apegado à pobre felicidade das bolotas. Com o orgulho ferido pela tua fragilidade, não te decides a pedir perdão, e não consideras que, se te humilhas, espera–te a jubilosa acolhida de teu Pai–Deus, a festa pelo teu regresso e pelo teu recomeço.

66 É verdade: não valemos nada, não somos nada, não podemos nada, não temos nada. E, simultaneamente, no meio da luta cotidiana, não faltam os obstáculos, as tentações...
Mas a "alegria" dos teus irmãos dissipará todas as dificuldades, tão logo te reúnas com eles, porque os verás firmemente apoiados nEle: "quia Tu es Deus fortitudo mea" – porque Tu és, Senhor, a nossa fortaleza.

67 Repete–se a cena, como com os convidados da parábola. Uns, medo; outros, ocupações; bastantes..., histórias, desculpas tolas.
Resistem. Assim andam: enfastiados, embaralhados, sem vontade de nada, entediados, amargurados. Quando é tão fácil aceitar o divino convite de cada momento, e viver alegre e feliz!

68 É muito cômodo dizer: "Não presto: não me corre bem – não nos corre bem – uma só coisa".
– Além de que não é verdade, esse pessimismo encobre uma poltronice muito grande... Há coisas que fazes bem, e coisas que fazes mal. Enche–te de contentamento e de esperança pelas primeiras; e enfrenta – sem desalento – as segundas, para retificar: e correrão bem.

69 "Padre, tal como me aconselhou, rio–me das minhas misérias – sem esquecer que não devo transigir –, e então sinto–me muito mais alegre.
"Pelo contrário, quando cometo a tolice de ficar triste, fico com a impressão de que perco o caminho".

70 Perguntaste–me se tenho cruz. Ete respondi que sim, que nós sempre temos Cruz. – Mas uma Cruz gloriosa, cunho divino, garantia da autenticidade de sermos filhos de Deus. Por isso, sempre caminhamos felizes com a Cruz.
71 Sentes mais alegria. Mas desta vez trata–se de uma alegria nervosa, um pouco impaciente, acompanhada da clara sensação de que alguma coisa em ti se despedaça em sacrifício.
Escuta–me bem: aqui na terra, não há felicidade completa. Por isso, agora, imediatamente, sem palavras e sem "vitimismos", oferece–te em oblação a Deus, com uma entrega total e absoluta.

72 Estás passando uns dias de alvoroço, com a alma inundada de sol e de cor. E, coisa estranha, os motivos da tua felicidade são os mesmos que em outras ocasiões te desanimavam!
É o que acontece sempre: tudo depende do ponto de mira –"Laetetur cor quaerentium Dominum!"– Quando se procura o Senhor, o coração transborda sempre de alegria.

73 Que diferença entre esses homens sem fé, tristes e vacilantes por causa da sua existência vazia, expostos com cata–ventos à "variabilidade" das circunstâncias, e a nossa vida confiante de cristãos, alegre e firme, maciça, por causa do conhecimento e do absoluto convencimento do nosso destino sobrenatural!

74 Não és feliz, porque ficas ruminando tudo como se sempre fosses tu o centro: é que te dói o estômago, é que te cansas, é que te disseram isto ou aquilo...
– Experimentaste pensar nEle e, por Ele, nos outros?

75 "Miles" – soldado, chama o Apóstolo ao cristão.
Pois bem, nesta bendita e cristã peleja de amor e de paz pela felicidade de todas as almas, há, dentro das fileiras de Deus, soldados cansados, famintos, lacerados pelas feridas..., mas alegres: levam no coração as luzes seguras da vitória.

76 "Quero enviar–lhe, Padre, o propósito de estar sempre sorridente: coração risonho, ainda que mo apunhalem".
– Parece–me um propósito acertado. Rezo para que o cumpras.

77 Em certos momentos, oprimi–te um começo de desânimo, que mata todo o teu entusiasmo, e que mal consegues vencer à força de atos de esperança. – Não tem importância: é a hora boa de pedires mais graças a Deus, e para frente! Renova a alegria de lutar, ainda que perca uma escaramuça.

78 Chegaram nuvens densas de falta de vontade, de perda de entusiasmo. Caíram aguaceiros de tristeza, com a clara sensação de te encontrares atado. E, como remate, assomaram decaimentos, que nascem de uma realidade mais ou menos objetiva: tantos anos lutando..., e ainda estás tão atrás, tão longe.
Tudo isto é necessário, e Deus conta com isso: para alcançarmos o "gaudium cum pace" – a paz e a alegria verdadeiras –, temos de acrescentar, à convicção da nossa filiação divina, que nos enche de otimismo, o reconhecimento da nossa fraqueza pessoal.

79 Rejuveneceste! De fato, percebes que o trato com Deus te devolveu em pouco tempo à é poca simples e feliz da juventude, até mesmo à segurança e alegria – sem criancices – da infância espiritual... Olhas à tua volta e verificas que acontece outro tanto aos demais: vão passando os anos desde o seu encontro com o Senhor e, com a maturidade, robustecem–se uma juventude e uma alegria indeléveis. Não estão jovens: são jovens e alegres!
Esta realidade da vida interior atrai, confirma e subjuga as almas. Agradece–o diariamente "ad Deum qui laetificat iuventutem" – ao Deus que enche de alegria a tua juventude.

80 A graça de Deus não te falta. Portanto, se correspondes, deves sentir–te seguro.
O triunfo depende de ti: a tua fortaleza e o teu ímpeto – unidos a essa graça – são razão mais que suficiente para dar–te o otimismo de quem tem por certa a vitória.

81 Talvez ontem fosses uma dessas pessoas amarguradas nos seus sonhos, decepcionadas nas suas ambições humanas. Hoje, desde que Ele se meteu na tua vida – obrigado, meu Deus! –, ris e cantas, e levas o sorriso, o Amor e a felicidade aonde quer que vás.

82 Muitos se sentem infelizes, precisamente por terem demasiado de tudo. – Os cristãos, se verdadeiramente se comportam como filhos de Deus, poderão passar incomodidades, calor, fadiga, frio... Mas jamais lhes faltará a alegria, porque isso – tudo! –, quem o dispõe ou permite é Ele, e Ele é a fonte da verdadeira felicidade.

83 Ante um panorama de homens sem fé, sem esperança; perante cérebros que se agitam, à beira da angústia, procurando uma razão de ser para a vida, tu encontraste uma meta: Ele!
E esta descoberta injetará permanentemente na tua existência uma alegria nova, tansformar–te–á, e te apresentará uma imensidade diária de coisas formosas que te eram desconhecidas, e que mostram a gozosa amplidão desse caminho largo, que te conduz a Deus.

84 A tua felicidade na terra identifica–se com a tua fidelidade à fé, à pureza e ao caminho que o Senhor te traçou.

85 Dá graças a Deus por estares contente, com uma alegria que não sabe ser ruidosa.

86 Com Deus – pensava –, cada novo dia me parece mais atrativo. Vou vivendo aos "pedacinhos". Um dia acho magnífico um detalhe; outro descubro um panorama que antes não tinha notado... A este passo, não sei o que acontecerá com o decorrer do tempo.
Depois, reparei que ele me assegurava: Pois bem, cada dia será maior o teu contentamento, porque aprofundarás mais e mais na aventura divina, na "complicação" tão grande em que te meti. E verificarás que Eu não te abandono.

87 A alegria é uma conseqüência da entrega. Confirma–se em cada volta da nora.

88 Que alegria imutável te causa o haveres–te entregado a Deus!... E que inquietação, e que ânsias hás de ter de que todos participem da tua alegria!

89 Tudo o que agora te preocupa cabe dentro de um sorriso, esboçado por amor de Deus.

90 Otimismo? Sempre! Também quando as coisas correm aparentemente mal: talvez seja essa a altura de romperes a cantar, com uma Glória, porque te refugiaste nEle, e dEle só te pode vir o bem.

91 Esperar não significa começar a ver a luz, mas confiar de olhos fechados em que o Senhor a possui plenamente e vive nessa claridade. Ele é a Luz.

92 Dever de cada cristão é levar a paz e a felicidade pelos diversos ambientes da terra, numa cruzada de fortaleza e de alegria, que sacuda até os corações murchos e apodrecidos, e os levante para Ele.

93 Se arrancares pela raiz qualquer assomo de inveja, e te alegrares sinceramente com os êxitos dos outros, não perderás a alegria.

94 Abordou–me aquele amigo: "Disseram–me que estás apaixonado". – Fiquei muito surpreso e só me ocorreu perguntar–lhe pela origem da notícia.
Confessou–me que a lia nos meus olhos, que brilhavam de alegria.

95 Como seria o olhar alegre de Jesus! O mesmo que brilharia nos olhos de sua Mãe, que não pode conter a alegria – "Magnificat anima mea Dominum!" – e a sua alma glorifica o Senhor, desde que O traz dentro de si e a seu lado.
Oh Mãe! Que a nossa alegria, como a tua, seja a alegria de estar com Ele e de O ter.

 «    AUDÁCIA    » 

96 Não sejais almas de "bitola estreita", homens ou mulheres de idade, curtos de vista, incapazes de abarcar o nosso horizonte sobrenatural cristão de Deus. Deus e audácia!

97 Audácia não é imprudência, nem ousadia irrefletida, nem simples atrevimento.
A audácia é fortaleza, virtude cardeal, necessária para a vida da alma.

98 Tu te decidiste, mais por reflexão do que por fogo e entusiasmo. Não houve lugar para o sentimento, embora desejasses tê–lo: tu te entregaste quando te convenceste de que Deus assim o queria.
E, a partir daquele instante, não voltaste a "sentir" nenhuma dúvida séria; sentiste, pelo contrário, uma alegria tranqüila, serena, que de vez em quando transborda. Assim paga Deus as audácias do Amor.

99 Li certa vez um provérbio muito popular em alguns países: "O mundo é de Deus, mas Deus o aluga aos valentes". E fez–me refletir.
– Que estás esperando?

100 Não sou o apóstolo que deveria ser. Sou... o tímido.
– Não estarás apequenado, porque o teu amor é curto? – Reage!

101 As dificuldades encolheram–te, e te tornaste "prudente, moderado e objetivo".
– Lembra–te de que sempre desprezaste esses termos, quando são sinônimos de covardia, apoucamento e comodismo.

102 Medo? É próprio dos que sabem que agem mal. Tu, nunca.

103 Há uma quantidade bem considerável de cristãos que seriam apóstolos..., se não tivessem medo.
São os mesmos que depois se queixam, porque o Senhor – dizem! – os abandona. Que fazem eles com Deus?

104 "Somos muitos; com a ajuda de Deus, podemos chegar a toda a parte", comentam entusiasmados. – Então, por que te amedrontas? Com a graça divina, podes chegar a ser santo, que é o que interessa.

105 Quando a consciência remorde, por termos deixado de realizar uma coisa boa, é sinal de que o Senhor queria que omitíssemos.
– De fato. Além disso, tem por certo que "podias" tê–la feito, com a graça de Deus.

106 Não o esqueçamos: no cumprimento da Vontade divina, as dificuldades se ultrapassam por cima..., ou por baixo..., ou ao largo. Mas..., ultrapassam–se!

107 Quando se trabalha para expandir um empreendimento apostólico, o "não" nunca é uma resposta definitiva. Insiste!

108 És demasiado "precavido" ou demasiado pouco "sobrenatural" e, por isso, pecas por esperto: não inventes tu mesmo os "problemas", nem queiras resolvê–los todos.
– Talvez aquele que te escuta seja menos "esperto" ou mais "generoso" do que tu e, como conta com Deus, não te levantará tantas dificuldades.

109 Há uns modos de agir tão prudenciais que, numa palavra, significam pusilanimidade.

110 Convence–te; quando se trabalha por Deus, não há dificuldades que não se possam superar, nem desalentos que façam abandonar a tarefa, nem fracassos dignos deste nome, por mais infrutíferos que se apresentem os resultados.

111 A tua fé é demasiado pouco operante: dir–se–ia que é de carola, mais do que de homem que luta por ser santo.

112 Serenidade! Audácia!
Desbarata com essas virtudes a "quinta coluna" dos tíbios, dos assustados, dos traidores.

113 Asseguraste–me que querias lutar sem tréguas. E agora me vens de asa caída.
Olha, até humanamente, convém que não te dêem tudo resolvido, sem problemas. Alguma coisa – muito! – te cabe fazer a ti. Senão, como hás de "fazer–te" santo?

114 Não te lanças a trabalhar nesse empreendimento sobrenatural, porque – assim o dizes – tens medo de não saber agradar, de tratar de algum assunto de maneira infeliz.
– Se pensasses mais em Deus, essas sem–razões desapareceriam.

115 Às vezes penso que uns poucos inimigos de Deus e da sua Igreja vivem do medo de muitos bons, e encho–me de vergonha.

116 Enquanto conversávamos, afirmava–me que preferia não sair nunca do tugúrio onde vivia, porque gostava mais de contar as vigas da "sua" estrebaria do que as estrelas do céu.
– Assim são muitos, incapazes de prescindir das suas pequenas coisas, para levantar os olhos ao céu. Já é tempo de que adquiram uma visão de mais altura!

117 Compreendo a alegria sobrenatural e humana daquele homem que tinha a sorte de ser um ponta–de–lança na semeadura divina.
"É esplêndido sentir–se único, para sacudir toda uma cidade e seus arredores", repetia para si mesmo, muito convicto.
– Não esperes até contar com mais meios ou até que venham outros: as almas precisam de ti hoje, agora.

118 Sê atrevido na tua oração, e o Senhor te transformará de pessimista em otimista; de tímido em audaz; de acanhado de espírito em homem de fé, em apóstolo!

119 Os problemas que antes te oprimiam – pareciam–te altíssimas cordilheiras – desapareceram por completo, resolveram–se à maneira divina, como quando o Senhor mandou aos ventos e às águas que se acalmassem.
– E pensar que ainda duvidavas!

120 "Não ajudem tanto o Espírito Santo!", dizia um amigo, brincando, mas com muito medo.
– Respondi: penso que "O ajudamos" pouco.

121 Quando vejo tantas covardias, tantas falsas prudências..., neles e nelas, ardo em desejos de perguntar–lhes: então a fé e a confiança são para pregar, não para praticar?

122 Encontras–te numa atitude que te parece bastante estranha: por um lado, diminuído, ao olhares para dentro; e, por outro, seguro, animado, ao olhares para cima.
– Não te preocupes: é sinal de que te vais conhecendo melhor e – isso, é o que importa! –, de que O vais conhecendo melhor a Ele.

123 Viste? – Com Ele, pudeste! De que te admiras?
– Convence–te: não tens por que maravilhar–te. Confiando em Deus – confiando deveras! –, as coisas tornam–se fáceis. E, além disso, ultrapassa–se sempre o limite do imaginado.

124 Queres viver a audácia santa, para conseguir que Deus atue através de ti? – Recorre a Maria, e Ela te acompanhará pelo caminho da humildade, de modo que, diante dos impossíveis para a mente humana, saibas responder com um "fiat" – faça–se – que una a terra ao Céu.

 «    LUTAS    » 

125 Nem todos podem chegar a ser ricos, sábios, famosos... Em contrapartida, todos – sim, "todos" – estamos chamados a ser santos.
126 Ser fiel a Deus exige luta. E luta corpo a corpo, homem a homem – homem velho e homem de Deus–, detalhe a detalhe, sem claudicar.

127 A provação, não o nego, está ficando demasiado dura: tens que subir ladeira acima, a "contragosto".
– Que te aconselho? – Repete: "Omnia in bonum!", tudo o que sucede, "tudo o que me sucede", é para meu bem... Por conseguinte – E esta é a conclusão acertada–, aceita isso, que te parece tão custoso, como uma doce realidade.

128 Hoje não bastam mulheres ou homens bons.
– Além disso, não é suficientemente bom aquele que só se contenta em ser... quase bom: é preciso ser "revolucionário".
Perante o hedonismo, perante a carga pagã e materialista que nos oferecem, Cristo quer anticonformistas!, rebeldes de Amor!

129 A santidade, o verdadeiro afã por alcançá–la, não faz pausas nem tira férias.

130 Alguns comportam–se, ao longo da vida, como se o Senhor tivesse falado de entrega e de conduta reta somente àqueles a quem não custasse – não existem!– ou aos que não precisassem lutar.
Esquecem que, para todos, Jesus disse: o Reino dos Céus arrebata–se com violência, com a luta santa de cada instante.

131 Que ânsias têm muitos de reformar!
Não seria melhor que nos reformássemos todos – cada um–, para cumprirmos fielmente o que está mandado?

132 Vais chapinhando nas tentações, pões–te em perigo, brincas com a vista e com a imaginação, ficas conversando sobre estupidezes. – E depois te assustas por te assaltarem dúvidas, escrúpulos, confusões, tristeza e desalento.
– Tens de admitir que és pouco conseqüente.

133 Depois do entusiasmo inicial, começaram as vacilações, os titubeios, os temores. – Preocupam–te os estudos, a família, o problema econômico e, sobretudo, o pensamento de que não consegues, de que talvez não sirvas, de que falta experiência da vida.
Eu te darei um meio seguro para venceres esses temores – tentações do diabo ou da tua falta de generosidade! –: "despreza–os", tira da tua memória essas lembranças. Já o pregou de modo terminante o Mestre há vinte séculos: "Não olhes para trás!"

134 Temos de fomentar em nossas almas um verdadeiro horror ao pecado. Senhor – repete–o de coração contrito –, que eu não Te ofenda mais!
Mas não te assustes ao notares o lastro do pobre corpo e das humanas paixões: seria tolo e ingenuamente pueril que descobrisses agora que "isso" existe. A tua miséria não é obstáculo, mas acicate para que te unas mais a Deus, para que O procures com constância, porque Ele nos purifica.

135 Se a imaginação ferve em torno de ti mesmo, crias situações ilusórias, cenários que, ordinariamente, não combinam com o teu caminho, e te distraem totalmente, te esfriam e te afastam da presença de Deus. – Vaidade.
Se a imaginação volteia em torno dos outros, cais facilmente no defeito de julgá–los – quando não tens essa missão –, e interpretas de modo rasteiro e pouco objetivo o seu comportamento. – Juízos temerários.
Se a imaginação esvoaça sobre os teus próprios talentos e modos de dizer, ou sobre o clima de admiração que despertas nos outros, expões–te a perder a retidão de intenção e a dar pasto à soberba.
Geralmente, soltar a imaginação implica uma perda de tempo, mas, além disso, quando não se domina, abre passagem a um filão de tentações voluntárias.
– Não abandones nenhum dia a mortificação interior!

136 Não tenhas a ingenuidade tola de pensar que tens de sofrer tentações, para te certificares de que está firme no caminho. Seria como desejar que te parassem o coração, para demonstrares a ti mesmo que queres viver.

137 Não dialogues com a tentação. Deixa–me que te repita: tem a coragem de fugir, e a energia de não manusear a tua fraqueza pensando até onde poderias chegar. Corta, sem concessões!

138 Não tens desculpa nenhuma. A culpa é somente tua. Se sabes – conheces–te o bastante – que, por esse caminho – com essas leituras, com essa companhia... –, podes acabar no precipício, por que te obstinas em pensar que talvez seja um atalho que facilita a tua formação ou que amadurece a tua personalidade?
Muda radicalmente o teu plano, ainda que te exija mais esforço, menos diversões ao alcance da mão. Já é tempo de que te comportes como uma pessoa responsável.

139 Dói muito ao Senhor a inconsciência de tantos e tantas, que não se esforçam por evitar os pecados veniais deliberados. É o normal – pensam e justificam–se –, porque nesses tropeços caímos todos!
Ouve–me bem: também a maioria daquela chusma, que condenou Cristo e lhe deu a morte, começou apenas por gritar – como os outros! –, por afluir ao Horto das Oliveiras – como os outros! –...
No fim, empurrados também pelo que "todos" faziam, não souberam ou não quiseram retroceder..., e crucificaram Jesus!
Agora, depois de vinte séculos, ainda não aprendemos.

140 Altos e baixos. Tens muitos – demasiados! – altos e baixos.
A razão é clara: até aqui levaste uma vida fácil, e não queres perceber que do "desejar" ao "dar–se" vai uma distância notável.

141 Como necessariamente, mais cedo ou mais tarde, terá de tropeçar com a evidência da tua própria miséria pessoal, quero prevenir–te contra algumas tentações, que o diabo te insinuará nessa ocasião e que tens de repelir imediatamente:
o pensamento de que Deus se esqueceu de ti, de que a tua chamada para o apostolado é vã, ou de que o peso da dor e dos pecados do mundo é superior às tuas forças de apóstolo...
– Nada disso é verdade!

142 Se lutas de verdade, precisas fazer exame de consciência. – Cuida do exame diário: vê se sentes dor de Amor, porque não tratas Nosso Senhor como deverias.

143 Assim como muitos comparecem à colocação das "primeiras pedras", sem querer saber se depois se acabará a obra iniciada, assim os pecadores se iludem com as "últimas vezes".

144 Quando se trata de "cortar" – não o esqueças–, a "última vez tem que ser a anterior, a que já passou.

145 Aconselho–te que tentes alguma vez voltar... ao começo da tua "primeira conversão", coisa que, se não é fazer–se como criança, é muito parecida: na vida espiritual, é preciso deixar–se guiar com inteira confiança, sem medos de duplicidades; é preciso falar com absoluta clareza daquilo que se tem na cabeça e na alma.

146 Como podes sair desse estado de tibieza, de lamentável languidez, se não empregas os meios!
Lutas muito pouco e, quando te esforças, o fazes como que por birra e com desgosto, quase com o desejo de que os teus débeis esforços não produzam efeito, para assim te autojustificares: para não te exigires e para que não te exijam mais.
– Estás cumprindo a tua vontade; não a de Deus. Enquanto não mudares, a sério, nem serás feliz nem conseguirás a paz que agora te falta.
– Humilha–te diante de Deus, e procura querer de verdade.

147 Que perda de tempo, e que visão tão humana, quando reduzem tudo a táticas, como se aí estivesse o segredo de eficácia.
– Esquecem–se de que a "tática" de Deus é a caridade, o Amor sem limites: assim preencheu Ele a distância impreenchível que o homem, com o pecado, abre entre o Céu e a terra.

148 Deves ter uma sinceridade "selvagem" no exame de consciência; quer dizer, coragem: a mesma com que te olhas no espelho, para saber onde te feriste ou onde te manchaste, ou onde estão os teus defeitos, que tens de eliminar.

149 Preciso prevenir–te contra uma argúcia de "satanás" – assim, com minúscula!, porque não merece mais –, que tenta servir–se das circunstâncias mais comuns para nos desviar pouco ou muito do caminho que nos leva a Deus.
Se lutas, e mais ainda se lutas de verdade, não deves estranhar que sobrevenha o cansaço ou o tempo de "andar a contragosto", sem nenhum consolo espiritual ou humano. Olha o que me escreviam há tempos, e que conservei pensando em alguns que consideram ingenuamente que a graça prescinde da natureza: "Padre, desde há alguns dias, estou com uma preguiça e uma apatia tremendas, para cumprir o plano de vida; faço tudo forçado e com muito pouco espírito. Reze por mim para que passe logo esta crise, que me faz sofrer muito pensando em que pode desviar–me do caminho".
– Limitei–me a responder: não sabias que o Amor exige sacrifício? Lê devagar as palavras do Mestre: "Quem não toma a sua Cruz "cotidie" – cada dia – não é digno de Mim". E mais adiante: "Não vos deixarei órfãos...". O Senhor permite essa tua aridez, que se torna tão dura para ti, para que O ames mais, para que confies somente nEle, para que com a Cruz sejas corredentor, para que O encontres.

150 O diabo parece bem pouco esperto!, comentavas–me. Não entendo a sua estupidez: sempre os mesmos enganos, as mesmas falsidades...
Tens toda a razão. Mas nós, os homens, somos ainda menos espertos, e não aprendemos a escarmentar em cabeç alheia... E satanás conta com tudo isso, para nos tentar.

151 Ouvi dizer certa vez que nas grandes batalhas se repete um fenômeno curioso. Ainda que a vitória esteja assegurada de antemão pela superioridade numérica e de meios, depois, no fragor do combate, não faltam momentos em que a derrota ameaça, pela debilidade de um setor. Chegam então as ordens terminantes do alto comando, e cobrem–se as brechas do flanco em dificuldade.
– Pensei em ti e em mim. Com Deus, que não perde batalhas, seremos sempre vencedores. Por isso, no combate pela santidade, se te sentes sem forças, escuta as ordens, faz caso, deixa–te ajudar..., porque Ele não falha.

152 Abriste sinceramente o coração ao teu Diretor, falando na presença de Deus..., e foi maravilhoso verificar como tu sozinho ias encontrando resposta adequada às tuas tentativas de evasão.
Amemos a direção espiritual!

153 Concedo: comportas–te decorosamente... Mas, deixa–me que te fale com sinceridade: com esse passo arrastado – reconhece–o –, além de que não és feliz por inteiro, ficas muito longe da santidade.
Por isso te pergunto: é mesmo verdade que te comportas decorosamente? Não terás um conceito errado do decoro?

154 Assim, bobeando, com essa frivolidade interior e exterior, com essas vacilações em face da tentação, com esse querer sem querer, é impossível que avances na vida interior.

155 Sempre pensei que muitos chamam "amanhã", "depois", à resistência à graça.

156 Outro paradoxo do caminho espiritual: a alma necessitada de menor reforma na sua conduta, empenha–se mais em conseguí–la, não se detém até alcançá–la. E ao contrário.

157 Às vezes, inventas "problemas", porque não vais à raiz dos teus modos de comportar–te.
– A única coisa de que necessitas é de uma decidida mudança de frente de batalha: cumprir lealmente o teu dever e ser fiel às indicações que te deram na direção espiritual.

158 Notaste com mais força a urgência, a "idéia fixa" de ser santo; e foste à luta cotidiana sem vacilações, persuadido de que tens de cortar valentemente qualquer sintoma de aburguesamento.
Depois, enquanto falavas com o Senhor na tua oração, compreendeste com maior clareza que luta é sinônimo de Amor, e pediste–Lhe um Amor maior, sem medo ao combate que te espera, porque combaterás por Ele, com Ele e nEle.

159 Complicações?... Sê sincero, e reconhece que preferes ser escravo de um egoísmo teu, ao invés de servires a Deus ou àquela alma. – Cede!

160 "Beatus vir qui suffert tentationem..." – bem–aventurado o homem que sofre tentação porque, depois de ter sido provado, receberá a coroa da Vida.
Não te enche de alegria verificar que esse esporte interior é uma fonte de paz que nunca se esgota?

161 "Nunc coepi!" – agora começo! É o grito da alma apaixonada que, em cada instante, quer tenha sido fiel, quer lhe tenha faltado generosidade, renova o seu desejo de servir – de amar! – o nosso Deus com uma lealdade sem brechas.

162 Doeu–te na alma quando te disseram: tu, o que procuras não é a conversão, mas um estojo para as tuas misérias..., para assim continuares arrastando comodamente – mas com sabor a zebre! – essa triste carga.

163 Não sabes se será abatimento físico ou uma espécie de cansaço interior o que se apoderou de ti, ou as duas coisas ao mesmo tempo...: lutas sem lutar, sem ânsias de uma autêntica melhora positiva, com o fim de comunicares a alegria e o amor de Cristo às almas.

164 Poderia comportar–me melhor, ser mais decidido, esbanjar mais entusiasmo... Por que não o faço?
Porque – perdoa a minha franqueza – és um bobo: o diabo sabe perfeitamente que uma das portas da alma mais mal guardadas é a da tontice humana: a vaidade. Agora carrega por aí, com todas as suas forças: lembranças pseudo–sentimentais, complexo de ovelha negra com visão histérica, impressão de uma hipotética falta de liberdade...
Que estás esperando para entender a sentença do Mestre: "Vigiai e orai, porque não sabeis nem o dia nem a hora"?

165 Comentaste com ar fanfarrão e inseguro: uns sobem e outros descem... E outros – como eu! – estamos deitados no caminho.
Deu–me tristeza a tua indolência, e acrescentei: os mandriões são puxados a reboque pelos que sobem; e, geralmente, com mais força pelos que descem. Pensa no descaminho tão penoso que buscas para ti!
Já o apontava o santo bispo de Hipona: não avançar é retroceder.

166 Na tua vida, há duas peças que não se encaixam: a cabeça e o sentimento.
A inteligência – iluminada pela fé – mostra–te claramente não só o caminho, mas a diferença entre a maneira heróica e a maneira estúpida de percorrê–lo. Sobretudo, põe diante de ti a grandeza e a formosura divina das tarefas que a Trindade deixa em nossas mãos.
O sentimento, pelo contrário, apega–se a tudo o que desprezas, mesmo que continues a considerá–lo desprezível. É como se mil e uma insignificâncias estivessem esperando qualquer oportunidade, e logo que a tua pobre vontade se debilita – por cansaço físico ou por perda de sentido sobrenatural –, essas ninharias se amontoam e se agitam na tua imaginação, até formarem uma montanha que te oprime e te desanima: as asperezas do trabalho; a resistência em obedecer; a falta de meios; os fogos de artifício de uma vida regalada; pequenas e grandes tentações repugnantes; rajadas de sentimentalismo; a fadiga; o sabor amargo da mediocridade espiritual... E, ás vezes, também o medo: medo porque sabes que Deus te quer santo e não o és.
Permite–me que te fale com crueza. Sobram–te "motivos" para voltar atrás, e falta–te arrojo para corresponder à graça que Ele te concede, porque te chamou para seres outro Cristo, "ipse Christus!" – o próprio Cristo. Esqueceste a admoestação do Senhor ao Apóstolo: "Basta–te a minha graça!", que é uma confirmação de que, se quiseres, podes.

167 Recupera o tempo que perdeste descansando sobre os louros da complacência em ti mesmo, por te julgares uma pessoa boa, como se fosse suficiente ir levando, sem roubar nem matar.
Aperta o passo na piedade e no trabalho: falta–te ainda tanto por andar! Convive de bom grado com todos, também com os que te incomodam; e esforça–te por amar – por servir!– aqueles que antes desprezavas.

168 Mostraste as tuas misérias passadas – cheias de pus– na con¬fissão. E o sa¬cerdote atuou na tua alma como um bom médico, como um médico honrado: cortou onde era preciso, e não permitiu que a ferida fechasse enquanto a limpeza não ficasse completa. – Agradece–o

169 Dá muito bom resultado empreender as coisas sérias com espírito esportivo... Perdi várias jogadas? Muito bem, mas – se perseverar – no fim ganharei.

170 Converte–te agora, quando ainda te sentes jovem... Como é difícil retificar quando a alma envelheceu!

171 "Felix culpa!", canta a Igreja... Abençoado erro o teu – repito–te ao ouvido –, se te serviu para não recair; e também para melhor compreenderes e ajudares o próximo, que não é de pior qualidade do que tu.

172 Será possível – perguntas depois de teres repelido a tentação –, será possível, Senhor, que eu seja... esse outro?

173 Vou resumir a tua história clínica: aqui caio e acolá me levanto...; este último ponto é que é importante. – Continua com essa luta íntima, ainda que avances a passo de tartaruga. Para a frente!
– Bem sabes, filho, até onde podes chegar, se não lutas: o abismo chama outros abismos.

174 Estás envergonhado, diante de Deus e dos outros. Descobriste em ti ronha velha e renovada: não há instinto, nem tendência ruim, que não sintas à flor da pele... e tens a nuvem de incerteza no coração. Além disso, a tentação aparece quando menos queres ou quando menos a esperas, quando por fadiga a tua vontade amolece.
Já não sabes se te humilha, embora te doa ver–te assim... Mas que te doa por Ele, por Amor dEle; esta contrição de amor te ajudará a permanecer vigilante, porque a luta durará enquanto vivermos.

175 Que grandes desejos te consomem de confirmar a entrega que um dia fizeste: saber–te e viver como filho de Deus!
– Coloca nas mãos do Senhor as tuas muitas misérias e infidelidades. Também porque é o único modo de avaliares o seu peso.

176 Renovação não é relaxamento.

177 Dias de retiro. Recolhimento para conhecer a Deus, para te conheceres e assim progredir. Um tempo necessário para descobrir em que coisas e de que modo é preciso reformar–se: que tenho que fazer?, que devo evitar?

178 Que não volte a repetir–se o que aconteceu no ano passado.
– "Como foi o retiro?", perguntaram–te. E respondeste: "Descansamos muito bem".

179 Dias de silêncio e de graça intensa... Oração face a face com Deus...
Desatei em ação de graças ao contemplar aquelas pessoas, graves pelos anos e pela experiência que se abriam aos toques divinos e correspondiam como crianças, entusiasmadas com a possibilidade de ainda converterem a sua vida em algo de útil... que apagasse todos os seus descaminhos e todos os seus esquecimentos.
Recordando aquela cena, encareci–te: não descures a tua luta na vida de piedade.

180 "Auxilium christianorum!" – Auxílio dos cristãos, reza com toda segurança a ladainha de Nossa Senhora. Experimentaste repetir esta jaculatória em teus transes difíceis? Se o fizeres com Fé, com ternura de filha ou de filho, comprovarás a eficácia da intercessão de tua Mãe Santa Maria, que te levará à vitória.

 «    PESCADORES DE HOMENS    » 

181 Enquanto conversávamos, víamos as terras daquele continente. – Acenderam–se luzes em teus olhos, encheu–se de impaciência a tua alma e, com o pensamento naquelas gentes, disseste–me: será possível que, do outro lado destes mares, a graça de Cristo se torne ineficaz?
Depois, tu mesmo deste a resposta: Ele, na sua bondade infinita, quer servir–se de instrumentos dóceis.

182 Como te inspiraram compaixão!... Quererias gritar–lhes que estão perdendo tempo... Por que são tão cegos e não percebem o que tu – miserável – já fizeste? Por que não hão de preferir o melhor?
– Reza, mortifica–te, e depois – tens obrigação disso! – desperta–os um a um, explicando–lhes – também um a um – que, tal como tu, podem encontrar um caminho divino, sem abandonar o lugar que ocupam na sociedade.

183 Começas–te com muitos brios. Mais pouco a pouco te foste encolhendo... E vais acabar metido na tua pobre carapaça, se continuares a empequenecer o teu horizonte.
– Cada vez tens de alargar mais o teu coração, com fomes de apostolado! De cem almas, interessam–nos as cem.

184 Agradece ao Senhor a contínua delicadeza, paternal e maternal, com quem Ele te trata.
Tu, que sempre sonhaste com grandes aventuras, te comprometeste num empreendimento maravilhoso..., que te leva à santidade.
Insisto: agradece–o a Deus, com uma vida de apostolado.

185 Quando te lançares ao apostolado, convence–te de que se trata sempre de fazer felizes, muito felizes, as pessoas: a Verdade é inseparável da autêntica alegria.

186 Pessoas de diversas nações, de diferentes raças, de ambientes e profissões muito diversos... Ao falar–lhes de Deus, apalpas o valor humano e sobrenatural da tua vocação de apostolado. É como se revivesses, na sua realidade total, o milagre da primeira pregação dos discípulos do Senhor: frases ditas em língua estranha, mostrando um caminho novo, foram ouvidas por cada um no fundo do seu coração, na sua própria língua. E passa pela tua cabeça, ganhando vida nova, a cena em que "partos, medos e elamitas..." se aproximaram felizes de Deus.

187 Ouve–me bem e serve–me de eco: o cristianismo é Amor; o trato com Deus é diálogo eminentemente afirmativo; a preocupação pelos outros – o apostolado – não é um artigo de luxo, ocupação de alguns poucos.
– Agora que o sabes, enche–te de alegria, porque a tua vida adquiriu um sentido completamente diverso. E sê conseqüente.

188 Naturalidade, sinceridade, alegria: as condições indispensáveis, no apóstolo, para atrair as pessoas.

189 Não podia ser mais simples a maneira como Jesus chamou os primeiros doze: "Vem e segue–me".
Para ti, que procuras tantas desculpas para não continuares essa tarefa, ajusta–se como uma luva à mão a consideração de que bem pobre era a ciência humana daqueles primeiros; e, no entanto, como sacudiram aqueles que os escutavam!
Não o esqueças: o trabalho, é Ele que continua a fazê–lo, através de cada um de nós.

190 As vocações de apóstolo, é Deus quem as envia. Mas tu não deves deixar de empregar os meios: oração, mortificação, estudo ou trabalho, amizade, sentido sobrenatural..., vida interior!

191 Quando te falo de apostolado de amizade, refiro–me a uma amizade pessoal, sacrificada, sincera: de tu a tu, de coração a coração.

192 No apostolado de amizade e confidência, o primeiro passo é a compreensão, o serviço... e a santa intransigência na doutrina.

193 Os que encontraram a Cristo não podem fechar–se no seu ambiente: triste coisa seria esse empequenecimento! Têm que abrir–se em leque para chegar a todas as almas. Cada um tem que criar – E alargar– um círculo de amigos, sobre o qual influa com o seu prestígio profissional, com a sua conduta, com a sua amizade, procurando que Cristo influa por meio desse prestígio profissional, dessa conduta, dessa amizade.

194 Tens que ser uma brasa acesa, que leve fogo a toda a parte. E, onde o ambiente for incapaz de arder, tens que aumentar a sua temperatura espiritual.
– Senão, estás perdendo o tempo miseravelmente, e fazendo–o perder aos que te rodeiam.

195 Quando há zelo pelas almas, sempre se encontra gente boa, sempre se descobre terreno adubado. Não há desculpas!

196 Convence–te: também aí há muitos que podem entender o teu caminho; almas que – consciente ou inconsciente – procuram a Cristo e não O encontram. Mas "como ouvirão falar dEle, se ninguém lhes fala?"

197 Não me digas que cuidas da tua vida interior, se não fazes um apostolado intenso, sem pausas: o Senhor – com Quem me garantes ter intimidade – quer que todos os homens se salvem.

198 Esse caminho é muito difícil, disse–te ele. E, ao ouví–lo, concordaste ufano, lembrando–te de que a cruz é o sinal certo do caminho verdadeiro... Mas o teu amigo reparou somente na parte áspera da senda, sem ter em conta a promessa de Jesus: "O meu jugo é suave".
Lembra–lhe isso, porque – quando o souber – talvez se entregue.

199 Diz que não tem tempo?... Muito melhor. Precisamente os que não têm tempo é que interessam a Cristo.

200 Ao considerares que são muitos os que desaproveitam a grande oportunidade, e deixam Jesus passar ao largo, pensa: de onde me vem a mim essa chamada clara, tão providencial, que me mostrou o meu caminho?
– Medita nisso diariamente: o apóstolo tem que ser sempre outro Cristo, o próprio Cristo.

201 Não te surpreendas e não te amedrontes porque ele te censurou que eu tivesse posto frente a frente com Cristo; nem porque acrescentou, indignado: "Já não posso viver tranqüilo sem tomar uma decisão..."
Reza por ele... É inútil que procures tranqüilizá–lo: talvez lhe tenha aflorado uma antiga inquietação, a voz da sua consciência.

202 Escandalizam–se contigo porque falas de entrega a pessoas que nunca tinham pensado neste problema?...
– Muito bem, e daí? Se tu tens vocação de apóstolo de apóstolos!

203 Não atinges as pessoas porque falas uma "língua" diferente. Aconselho–te a naturalidade.
Essa tua formação, tão artificial!

204 Vacilas em lançar–te a falar de Deus, de vida cristã, de vocação..., porque não queres fazer sofrer?... Esqueces que não és tu quem chama, mas Ele: "Ego scio quos elegerim" – Eu sei muito bem a quem escolhi.
Além disso desgostar–me–ia que, por trás desses falsos respeitos, se escondessem o comodismo ou a tibieza: a esta altura, preferes uma pobre amizade humana à amizade de Deus?

205 Tiveste uma conversa com este, com aquele, com aquele outro, porque te consome o zelo pelas almas.
Aquele ficou com medo; o outro consultou um "prudente", que o orientou mal... – Persevera: que ninguém possa depois desculpar–se afirmando "quia nemo nos conduxit" – que ninguém nos chamou.

206 Compreendo a tua impaciência santa, mas ao mesmo tempo tens de considerar que alguns precisam pensar muito, que outros irão correspondendo com o tempo... Espera–os de braços abertos: condimenta a tua impaciência santa com oração e mortificação abundantes. Acabarão vindo mais jovens e generosos; terão sacudido o seu aburguesamento e serão mais valentes.
Quanto Deus os espera!

207 A fé é um requisito imprescindível no apostolado, que muitas vezes se manifesta na constância em falar de Deus, ainda que os frutos demorem em vir.
Se perseverarmos, se insistirmos, bem convencidos de que o Senhor assim o quer, também à tua volta, por toda a parte, se irão notando sinais de uma revolução cristã: uns haverão de entregar–se, outros tomarão a sério a sua vida interior, e outros – os mais fracos – ficarão pelos menos alertados.

208 Dias de autêntico alvoroço: mais três!
Cumprem–se as palavras de Jesus: "Meu Pai é glorificado em que deis muito fruto e sejais meus discípulos".

209 Fizeste–me sorrir, porque te entendo muito bem, quando me dizias: "Fico entusiasmado com a possibilidade de ir a novas terras, para abrir brecha, talvez muito longe... Preciso averiguar se há homens na lua".
– Pede ao Senhor que te aumente esse zelo apostólico.

210 Por vezes, diante destas almas adormecidas, dá uma vontade louca de gritar–lhes, de sacudí–las, de fazê–las reagir, para que saiam desta modorra terrível em que se acham mergulhadas. É tão triste ver como andam, tateando com cegos, sem acertar com o caminho!
– Como compreendo esse pranto de Jesus por Jerusalém, com fruto da sua caridade perfeita...

211 Aprofunda cada dia na raiz apostólica da tua vocação cristã. – O Senhor desfraldou há vinte século – para que tu e eu o proclamássemos ao ouvido dos homens– uma bandeira de alistamento, aberta a todos os que têm um coração sincero e capacidade de amar... Que outras chamadas mais claras queres do que o "ignem veni mittere in terram" – vim trazer fogo à terra– e a consideração desses dois bilhões e quinhentos milhões de almas que ainda não conhecem a Cristo!

212 "Hominem non habeo"– Não tenho ninguém que me ajude. É o que poderiam afirmar – infelizmente! – muitos doentes e paralíticos do espírito, que podem servir... e devem servir.
Senhor: que eu nunca fique indiferente diante das almas.

213 Ajuda–me a pedir um novo Pentecostes, que abrase outra vez a terra.

214 "Se algum dos que me seguem não aborrece seu pai e sua mãe, e a mulher e os filhos, e os irmãos e as irmãs, e mesmo a sua própria vida, não pode ser meu discípulo".
Cada vez vejo com mais clareza, Senhor, que os laços do sangue, se não passam pelo teu Coração amabilíssimo, são para uns, motivo permanente de cruz; para outros, origem de tentações – mais ou menos diretas – contra a perseverança; para outros, causa de ineficácia absoluta; e, para todos lastro que se opõem a uma entrega total.

215 A relha que rotura e abre o sulco, não vê a semente nem o fruto.

216 Depois da tua decisão, fazes cada dia uma nova descoberta. Lembras–te de ontem, quando te perguntavas constantemente: "E isto, de que maneira?...", para continuares depois nas tuas dúvidas ou nos teus desencantos...
Agora sempre encontras a resposta exata, fundamentada e clara. E, ao ouvires como respondem as tuas perguntas às vezes pueris, ocorre–te pensar: "Assim deve ter atendido Jesus os primeiros Doze".

217 Vocações, Senhor, mais vocações! Não me interessa se a semeadura foi minha ou de outro – semeaste Tu, Jesus, com as nossas mãos! –; somente sei que nos prometeste a maturidade do fruto: "et fructus vester maneat!" – que o nosso fruto será duradouro.

218 Sê claro. Se te dizem que vais "pescá–los", responde que sim, que é o que desejas... Mas..., que não se preocupem! Porque, se não têm vocação – se Ele não os chama –, não virão; e se têm, que vergonha acabarem como o jovem rico do Evangelho: sozinhos e tristes.

219 A tua tarefa de apóstolo é grande e bela. Estás no ponto de confluência da graça com a liberdade das almas; e assistes ao momento soleníssimo da vida de alguns homens: o seu encontro com Cristo.

220 Parece que vos escolheram um a um..., dizia alguém.
– E assim é!

221 Convence–te: necessitas formar–te bem, com vistas a essa avalanche de gente que se jogará sobre nós, com a pergunta precisa e exigente: – "Bom, o que há que fazer?".

222 Uma receita eficaz para o teu espírito apostólico: planos concretos, não de sábado para sábado, mas de hoje para amanhã, e de agora para daqui a pouco.

223 Cristo espera muito do teu trabalho. Mas tens que sair em busca das almas, como o Bom Pastor foi atrás da centésima ovelha: sem esperar que te chamem. Depois, serve–te dos teus amigos para fazer bem a outros: ninguém pode sentir–se tranqüilo – dize–o a cada um – com uma vida espiritual que, depois de inundá–lo não transborde em zelo apostólico.

224 Não é tolerável que percas o tempo nas tuas "bobagens", quando há tantas almas que te esperam.

225 Apostolado da doutrina: esse será sempre o teu apostolado.

226 A maravilha do Pentecostes é a consagração de todos os caminhos: nunca pode ser entendido como monopólio nem como estima por um só em detrimento de outros.
O Pentecostes é indefinida variedade de línguas, de métodos, de formas de encontro com Deus: não uniformidade violenta.

227 Escrevias–me: uniu–se ao nosso grupo um rapaz jovem, que ia para o norte. Era mineiro de profissão. Cantava muito bem, e veio acompanhando o nosso coro. Rezei por ele até chegar a estação em que descia. Ao despedir–se, comentou: "Quanto gostaria de continuar a viagem com vocês!"
– Lembrei–me imediatamente do "mane nobiscum!" – fica conosco, Senhor! –, e pedi–Lhe novamente com fé que os outros "O vissem" em cada de um de nós, companheiros do "Seu caminho".

228 Pela "senda do justo descontentamento" foram–se embora – e continuam indo – as massas.
Dói..., mas quantos ressentimentos não temos fabricado entre os que estão espiritual ou materialmente necessitados!
– É necessário voltar a meter Cristo entre os pobres e entre os humildes: é justamente entre eles que se sente melhor.

229 Professor: que te entusiasme fazer compreender aos alunos, em pouco tempo, o que a ti te custou horas de estudo chegar a ver com clareza.

230 O desejo de "ensinar", e "ensinar com toda a alma", cria nos alunos um agradecimento que constitui terreno idôneo para o apostolado.

231 Gosto desse lema: "Cada caminhante siga o seu caminho" – aquele que Deus lhe traçou –, com fidelidade, com amor, e ainda que custe.

232 Que lição tão extraordinária cada um dos ensinamentos do Novo Testamento! – Depois de o Mestre lhes ter dito, enquanto acendia à direita de Deus Pai: "Ide e pregai a todos os povos", os discípulos ficaram com paz. Mas ainda têm dúvidas: não sabes o que fazer, e reúnem–se com Maria, Rainha dos Apóstolos, para se converterem em zelosos pregoeiros da Verdade que salvará o mundo.

 «    SOFRIMENTO    » 

233 Comentavas que há cenas da vida de Jesus que te comovem mais: quando se põem em contacto com homens em carne viva..., quando leva a paz e a saúde aos que têm a alma e o corpo despedaçados pela dor... Entusiasma–te – insistias – ao vê–Lo curar a lepra, devolver a vista, sarar o paralítico da piscina: o pobre de quem ninguém se lembra. Tu O contemplas, nesses momentos, tão profundamente humano, tão ao teu alcance!
– Pois olha..., Jesus continua a ser o mesmo de então.

234 Pediste ao Senhor que te deixasse sofrer um pouco por Ele. Mas depois, quando chega o padecimento em forma tão humana, tão normal – dificuldades e problemas familiares..., ou essas mil e uma insignificâncias da vida diária –, custa–te trabalho ver Cristo por trás disso – Abre com docilidade as tuas mãos a esses pregos..., e a tua dor se converterá em alegria.

235 Não te queixes, se sofres. Lapida–se a pedra que se estima, que tem valor.
Dói–te? – Deixa–te lapidar, com agradecimento, porque Deus te tomou nas suas mãos como um diamante... Não se trabalha assim um pedregulho vulgar.

236 Os que fogem covardemente do sofrimento têm matéria de meditação ao verem o entusiasmo com que outras almas abraçam a dor.
Não são poucos os homens e as mulheres que sabem padecer cristãmente. Sigamos o seu exemplo.

237 Lamentas–te?... E explicas–me, como se tivesse razão: Uma alfinetada!... outra!...
– Mas não percebes que é uma tolice surpreender–se de que haja espinhos entre as rosas?

238 Deixa–me que, como até agora, continue a falar–te em confidência: basta–me ter diante de mim um Crucifixo, para não me atrever a falar dos meus sofrimentos... E não me importo de acrescentar que tenho sofrido muito, sempre com alegria.

239 Não te compreendem?... Ele era a Verdade e a Luz, mas também os seus não O compreenderam. – Como tantas vezes te fiz considerar, lembra–te das palavras do Senhor: "Não é o discípulo mais que o Mestre".

240 Para um filho de Deus, as contradições e as calúnias são, como para um soldado, feridas recebidas no campo de batalha.

241 Andas na boca de todos... Que importa a fama? De qualquer modo, não sintas vergonha nem pena por ti, mas por eles: pelos que te maltratam.

242 Umas vezes, não querem entender: estão como cegos... Mas, outras, és tu que não consegue fazer–te compreender: corrigi–te!

243 Não basta ter razão. Além disso, é necessário fazê–la valer..., e que os outros queiram reconhecê–la.
Não obstante, afirma a verdade sempre que for necessário, sem te deteres pelo "que vão dizer".

244 Se freqüentas a escola do Mestre, não te há de estranhar que também tenhas de labutar contra a incompreensão de tantas e tantas pessoas, que poderiam ajudar–te muitíssimo se simplesmente fizessem o menor esforço por ser compreensivas.

245 Não o maltrataste fisicamente... Mas ignoraste–o tantas vezes! Olhaste–o com indiferença, como se fosse um estranho.
– Parece–te pouco?

246 Sem o pretender, os que perseguem santificam... – Mais ai desses "santificadores"!

247 Na terra, muitas vezes se paga caluniando.

248 Há almas que parecem empenhadas em inventar sofrimentos, torturando–se com a imaginação.
Depois, quando chegam penas e contrariedades objetivas, não sabem estar com a Santíssima Virgem, ao pé da Cruz, com o olhar pendente ao seu Filho.

249 Sacrifício, sacrifício! – É verdade que seguir a Jesus Cristo – disse–o Ele – é levar a Cruz. Mas não gosto de ouvir as almas que amam o Senhor falarem tanto de cruzes e de renúncias: porque, quando há Amor, o sacrifício é prazeroso – ainda que custe – e a cruz é a Santa Cruz.
– A alam que sabe amar e entregar–se assim, enche–se de alegria e de paz. Então, porque insistir em "sacrifício", como que procurando consolo, se a Cruz de Cristo – que é a tua vida – te faz feliz?

250 Quanta neurastenia e histerismo se eliminariam–se – com a doutrina católica – se ensinasse de verdade as pessoas a viverem como cristãos: amando a Deus e sabendo aceitar as contrariedades como benção vinda da sua mão!

251 Não passes indiferente diante da dor alheia. Essa pessoa – um parente, um amigo, um colega..., esse que não conheces – é teu irmão.
– Lembra–te daquilo que relata o Evangelho e que tantas vezes leste com pena: nem sequer os parentes de Jesus confiavam nEle. – Procura que a cena não se repita.

252 Imagina que na terra não existem senão Deus e tu.
– Assim te será mais fácil sofrer as mortificações, as humilhações... E, por fim, farás as coisas que Deus quer e como Ele as quer.

253 Às vezes – comentava aquele doente consumido de zelo pelas almas –, o corpo reclama um pouco, queixa–se. Mas procuro também transformar "esses queixumes" em sorrisos, porque se mostram muito eficazes.

254 Uma doença incurável, que limitava a sua ação. E, no entanto, dizia–me contente: "A doença porta–se bem comigo e cada vez a amo mais; se me dessem a escolher, voltaria a nascer assim mil vezes!"

255 Jesus chegou à Cruz depois de se preparar durante trinta e três anos, toda a sua Vida!
– Seus discípulos se de verdade desejam imitá–Lo, devem converter a sua existência em corredenção de Amor, com a negação de si mesmos, ativa e passiva.

256 A Cruz está presente em tudo, e chega quando menos se espera. – Mas não esqueças que, ordinariamente, andam emparelhados o começo da Cruz e o começo da eficácia.

257 O Senhor, Sacerdote Eterno, abençoa sempre com a Cruz.

258 "Cor Mariae perdolentis, miserere nobis!" – invoca o Coração de Santa Maria, com ânimo e decisão de te unires à sua dor, em reparação pelos teus pecados e pelos de todos os homens de todos os tempos.
– E pede–lhe – para cada alma – que essa sua dor aumente em nós a aversão pelo pecado, e que saibamos amar, como expiação, as contrariedades físicas ou morais de cada jornada.

 «    HUMILDADE    » 

259 "A oração" é a humildade do homem que reconhece a sua profunda miséria e a grandeza de Deus, a quem se dirige e adora, de maneira que tudo espera dEle e nada de si mesmo.
"A fé" é a humildade da razão, que renuncia ao seu próprio critério e se prostra diante dos juízos e da autoridade da Igreja.
"A obediência" é a humildade da vontade, que se sujeita ao querer alheio, por Deus.
"A castidade" é a humildade da carne, que se submete ao espírito.
"A mortificação" exterior é a humildade dos sentidos.
"A penitência" é a humildade de todas as paixões, imoladas ao Senhor.
– A humildade é a verdade no caminho da luta ascética.

260 É uma grande coisa saber–se nada diante de Deus, porque é assim mesmo.

261 "Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração..."
Humildade de Jesus!... Que lição para ti, que és um pobre instrumento de barro! Ele – sempre misericordioso – te levantou fazendo brilhar na tua baixeza, elevada gratuitamente, as luzes do sol da graça. E tu, quantas vezes não disfarçaste a tua soberba sob a capa da dignidade, da justiça...! E quantas ocasiões de aprender do Mestre não desaproveitaste, por não teres sabido sobrenaturalizá–las!

262 Essas depressões, porque vês ou porque descobrem os teus defeitos, não têm fundamento...
– Pede a verdadeira humildade.

263 Deixa–me que te recorde, entre os outros, alguns sinais evidentes de falta de humildade:
– pensar que o que fazes ou dizes está mais bem feito ou dito do que aquilo que os outros fazem ou dizem;
– querer levar sempre a tua avante;
– discutir sem razão ou – quando a tens – insistir com teimosia e de maus modos;
– dar o teu parecer sem que te peçam, ou sem que a caridade o exija;
– desprezar o ponto de vista dos outros;
– não encarar todos os teus dons e qualidades como emprestados;
– não reconhecer que és indigno de qualquer honra e estima, que não mereces sequer a terra que pisas e as coisas que possuís;
– citar–te a ti mesmo como exemplo nas conversas;
– falar mal de ti mesmo, para que façam bom juízo de ti ou te contradigam;
– desculpar–te quando te repreendem;
– ocultar ao Diretor algumas faltas humilhantes para que não perca o conceito que faz de ti;
– doer–te de que outros sejam mais estimados do que tu;
– negar–te a desempenhar ofícios inferiores;
– procurar ou desejar singularizar–te;
– insinuar na conversa palavras de louvor próprio ou que dêem a entender a tua honradez, o teu engenho ou habilidade, o teu prestígio profissional...;
– envergonhar–te por careceres de certos bens...

264 Ser humilde não é o mesmo que ter angústia ou temor.

265 Fujamos dessa falsa humildade que se chama comodismo.

266 Diz–Lhe Pedro: Senhor, Tu lavares–me os pés a mim?! Respondeu Jesus: O que eu faço, tu não o entendes agora; entendê–lo–ás depois. Insiste Pedro: Senhor, não somente os pés, mais também as mãos e a cabeça.
Perante a chamada para uma entrega total, completa, sem vacilações, muitas vezes opomos uma falsa modéstia, como a de Pedro... Oxalá fôssemos também homens de coração, como o Apóstolo! Pedro não permite que ninguém ame mais a Jesus do que ele. Esse amor leva a reagir assim: Aqui estou!, lava as minhas mãos, cabeça, pés!, purifica–me de todo!, que eu quero entregar–me a Ti sem reservas.

267 Para ti, transcrevo de uma carta: "Encanta–me a humildade evangélica. Mas revolta–me o encolhimento acarneirado e inconsciente de alguns cristãos, que assim desprestigiam a Igreja. Neles deve ter reparado aquele escritor ateu, quando disse que a moral cristã é uma moral de escravos..." – Realmente, somos servos: servos elevados à categoria de filhos de Deus, que não desejam comportar–se como escravos das paixões.

268 O convencimento do teu "material ruim" – o teu conhecimento próprio – dar–te–á uma reação sobrenatural que fará arraigar mais e mais na tua alma o contentamento e a paz, perante a humilhação, o desespero, a calúnia...
Depois de pronunciares o "fiat" – Senhor, o que Tu quiseres –, o teu raciocínio nesses casos deverá ser: "Só disse isso de mim? Vê–se que não me conhece; de outro modo, não teria parado por aí".
Como estás convencido de que mereces pior tratamento, sentirás gratidão por aquela pessoa, e te alegrarás com o que faria sofrer a outro.

269 Quanto mais alto se levanta a estátua tanto mais duro e perigoso é depois o choque na queda.

270 Vai à direção espiritual cada vez com maior humildade, e pontualmente, o que é também humildade.
Pensa – E não te enganas, porque aí é Deus quem te fala– que és como uma criança pequena – sincera! – a quem vão ensinando a falar, a ler, a conhecer as flores e os pássaros, a viver as alegrias e as penas, a reparar no chão que pisa.

271 "Continuo a ser uma pobre criatura", dizes–me. Mas antes, quando reparavas nisso, passavas tão mal! Agora, sem caíres na habituação ou nas transigências, vais–te acostumando a sorrir, e a recomeçar a tua luta com uma alegria crescente.

272 Se és sensato, humilde, deves ter observado que nunca se acaba de aprender... Acontece o mesmo na vida; até os mais doutos têm alguma coisa que aprender, até o fim da sua vida; quando não, deixam de ser doutos.

273 Jesus bom: se tenho de ser apóstolo é preciso que me faças muito humilde.
O sol envolve em luz tudo quanto toca: Senhor, invade–me com a tua claridade, endeusa–me: que eu me identifique com a tua Vontade adorável, para me converter no instrumento que desejas... Dá–me a tua loucura de humilhação: a que te levou a nascer pobre, ao trabalho sem brilho, à infâmia de morrer costurado com ferros a um lenho, ao aniquilamento do Sacrário.
– Que eu me conheça: que me conheça e que Te conheça. Assim jamais perderei de vista o meu nada.

274 Só os tolos é que são cabeçudos; os muito tolos, muito cabeçudos.

275 Não esqueças que, nos assuntos humanos, também os outros podem ter razão: vêem a mesma questão que tu, mas de um ponto de vista diferente, com outra luz, com outra sombra, com outros contornos.
– Somente na fé e na moral é que há um critério indiscutível: o da nossa Mãe a Igreja.

276 Como é bom saber retificar!... E como são poucos os que aprendem essa ciência!

277 Antes que faltar à caridade, cede: não resistas, sempre que seja possível... Tenha a humildade da erva, que se curva sem distinguir o pé que a pisa.

278 Dizias–me: "É preciso decapitar o "eu"!..." – Mas, como custa!, não é mesmo?

280 Muitas vezes precisamos usar de violência sobre nós mesmos, para nos humilharmos e repetirmos deveras ao Senhor: "Serviam!" – eu Te servirei.

281 "Memento, homo, quia pulvis es..." – lembra–te, ó homem, de que és pó... – Se és pó porque te há de incomodar que te pisem?

282 Pela senda da humildade vai–se a toda a parte..., fundamentalmente ao Céu.

283 Caminho seguro de humildade é meditar como, mesmo carecendo de talento, de renome e de fortuna, podemos ser instrumentos eficazes, se recorrermos ao Espírito Santo para que nos dispense os seus dons.
Os Apóstolos, apesar de terem sido instruídos por Jesus durante três anos, fugiram espavoridos diante dos inimigos de Cristo. No entanto, depois do Pentecostes, deixarão–se açoitar e prender, e acabaram dando a vida em testemunho da sua fé.

284 É verdade que ninguém pode estar certo da sua perseverança... Mas esta incerteza é mais um motivo de humildade, e prova evidente da nossa liberdade.

285 Embora valhas tão pouco, Deus serviu–se e continua a servir–se de ti para trabalhos fecundos pela sua glória.
– Não te envaideças. Pensa: que diria de si mesmo o instrumento de aço ou de ferro, que o artista utiliza para montar jóias de ouro e de pedras finas?

286 Que vale mais: um quilo de ouro ou um quilo de cobre?... E, no entanto, em muitos casos o cobre serve mais e melhor do que o ouro.

287 A tua vocação – chamada de Deus – é para dirigir, para arrastar, para servir, para ser líder. Se tu, por falsa ou por mal entendida humildade, te isolas, encerrando–te mo teu cantinho, faltas ao teu dever de instrumento divino.

288 Quando o Senhor se serve de ti para derramar a sua graça nas almas, lembra–te de que és apenas o embrulho do presente: um papel que se rasga e se joga fora.

289 "Quia respexit humilitatem ancillae suae" – porque viu a baixeza da sua escrava...
– Cada dia me persuado mais de que a humildade autêntica é a base sobrenatural de todas as virtudes!
Fala com Nossa Senhora, para que Ela nos vá adestrando em caminhar por essa senda.

 «    CIDADANIA    » 

290 O mundo nos espera. Sim! Amamos apaixonadamente este mundo porque Deus assim no–lo ensinou: "Sic Deus dilexit mundum..." – tanto amou Deus o mundo –; e porque é o lugar do nosso campo de batalha – uma formossíssima guerra de caridade –, para que todos alcancemos a paz que Cristo veio instaurar.

291 O Senhor teve esta fineza de Amor conosco: permitir–nos que Lhe conquistemos a terra.
Ele – sempre tão humilde! – quis limitar–se a torná–lo possível... A nós, concedeu–nos a parte mais exeqüível e grata: a da ação e a do triunfo. A fidelidade – o serviço a Deus e às almas–, que te peço sempre, não é o entusiasmo fácil, mas o outro: aquele que se conquista pela rua, ao ver o muito que há que fazer em toda a parte.

292 O mundo... "isso é o que nos toca!"
– E afirmas isso depois de pores o olhar e a cabeça no céu, com a segurança do lavrador que caminha soberano pela sua própria seara: "Regnare Christum volumus!" – queremos que Ele reine sobre esta terra que é sua!

293 " É tempo de esperança, e eu vivo deste tesouro. não é uma simples frase, Padre – dizes–me –, é uma realidade".
Então..., o mundo inteiro, todos os valores humanos que te atraem com uma força enorme – amizade, arte, ciência, filosofia, teologia, esporte, natureza, cultura, almas... –, tudo isto, deposita–o na esperança: na esperança de Cristo.

294 Esse encanto em concreto e prazenteiro do mundo..., tão persistente. As flores do caminho – atraem–te as suas cores e os seus aromas... –; as aves do céu; as criaturas todas...
– Meu pobre filho, é razoável! Se não fosse assim, se não te fascinassem, que sacrifício havias de oferecer a Nosso Senhor?

295 A tua vocação de cristão te pede que estejas em Deus e, ao mesmo tempo, que te ocupes das coisas da terra, empregando–as objetivamente tal com são: para devolvê–las a Ele.

296 Parece incrível que possa ser tão feliz nesse mundo em que tanto se empenham em viver tristes porque correm atrás do seu egoísmo, como se tudo acabasse aqui em baixo!
– Não sejas tu um destes... Retifica em cada instante!

297 O mundo está frio, dá a impressão de estar adormecido – Muitas vezes tu o contemplas, do teu observatório, com olhar abrasador. Que ele acorde, Senhor!
– O Orienta as tuas impaciências na certeza de que, se soubermos queimar bem a nossa vida, atearemos fogo em todos os cantos... e o panorama mudará.

298 A fidelidade – o serviço a Deus e às almas –, que te peço sempre, não é o entusiasmo fácil, mas o outro: aquele que se conquista pela rua, ao ver o muito que há que fazer em toda a parte.

299 O bom filho de Deus tem que ser muito humano. Mas não tanto que degenere em ordinário e mal educado.

300 É difícil gritar ao ouvido de cada um com um trabalho silencioso, através do bom cumprimento das nossas obrigações de cidadãos, para depois exigir os nossos direitos e pô–los ao serviço da Igreja e da sociedade.
É difícil..., mas é muito eficaz.

301 Não é verdade que haja oposição entre ser bom católico e servir fielmente a sociedade civil. Assim como não há razão para que a Igreja e o Estado entrem em choque, no exercício legítimo da sua autoridade respectiva, voltados para a missão que Deus lhes confiou.
Mentem – isso mesmo: mentem! – os que afirmam o contrário. São os mesmos que, em aras de uma falsa liberdade, quereriam "amavelmente" que nós, os católicos, voltássemos às catacumbas.

302 Esta é a tua tarefa de cidadão cristão: contribuir para que o amor e a liberdade de Cristo presidam a todas as manifestações da vida moderna – a cultura e a economia, o trabalho e o descanso, a vida de família e o convívio social.

303 Um filho de Deus não pode ser classista, porque, lhe interessam os problemas de todos os homens... E procura ajudar a resolvê–los com a justiça e a caridade do nosso Redentor.
Já o apontava o Apóstolo, quando nos escrevia que, para o Senhor, não há discriminação de pessoas, o que não duvidei em traduzir deste modo: não há senão uma raça, a raça dos filhos de Deus!

304 Os homens mundanos empenham–se em que as almas percam quanto antes a Deus; e depois, em que percam o mundo... Não amam este nosso mundo: exploram–no, espezinhando os outros! – Que tu não sejas também vítima dessa dupla vigarice!

305 Há quem viva amargurado o dia inteiro. Tudo lhe causa desassossego. Dorme com uma obsessão física: que essa única evasão possível lhe vai durar pouco. Acorda com a impressão
hostil e desanimadora de que já tem outra jornada pela frente.
Muito se esqueceram de que o Senhor nos consolou, neste mundo, de passagem para a felicidade eterna; e não pensam que só a poderão alcançar os que caminharem, pela terra com a alegria dos filhos de Deus.

306 Com a tua conduta de cidadão cristão, mostra às pessoas a diferença que há entre viver triste e viver alegre; entre sentir–se tímido e sentir–se audaz; entre agir com cautela, com duplicidade – com hipocrisia!–, e agir como homem simples de uma só peça. – Numa palavra, entre ser mundano e ser filho de Deus.

307 Eis um erro fundamental de que deves guardar–te: pensar que os costumes e exigências – nobres e legítimos – do teu tempo ou do teu ambiente, não podem ser ordenados e ajustados à santidade da doutrina moral de Jesus Cristo.
Observa que precisei: os nobres e legítimos. Os demais não têm direito de cidadania.

308 Não se pode separar a religião da vida, nem no pensamento nem na realidade cotidiana.

309 De longe – lá no horizonte –, parece que o céu se junta com a terra. Não esqueças que, onde de verdade a terra e o céu se juntam, é no teu coração de filho de Deus.

310 Não podemos cruzar os braços, quando uma sutil perseguição condena a Igreja a morrer de inanição, relegando–a para fora da vida pública e, sobretudo, impedindo–a de intervir na educação, na cultura, na vida familiar.
Não são direitos nossos: são de Deus, e foi Ele que os confiou a nós, os católicos..., para que os exerçamos!

311 Muitas irrealidades materiais, técnicas, econômicas, sociais, políticas, culturais..., abandonadas a si mesmas, ou em mãos dos que não possuem a luz da nossa fé, convertem–se em obstáculos formidáveis para a vida sobrenatural: formam como que um campo fechado e hostil à Igreja.
Tu, por seres cristão – pesquisador, literato, cientista, político, trabalhador... –, tens o dever de santificar essas realidades. Lembra–te de que o universo inteiro – assim escreve o Apóstolo – está gemendo como que com dores de parto, à espera da libertação dos filhos de Deus.

312 Não queiras fazer do mundo um convento, porque seria uma desordem... Mas também não queiras fazer da Igreja um bando terreno, porque equivaleria a uma traição.

313 Que coisa triste é ter uma mentalidade cesarista, e não compreender a liberdade dos demais cidadãos, nas coisas que Deus deixou ao juízo dos homens.

314 "Quem disse que, para chegar à santidade, é necessário refugiar–se numa cela ou na solidão de uma montanha?", interrogava–se, admirado, um bom pai de família, que acrescentava: "Nesse caso, seriam santas, não as pessoas, mas a cela ou a montanha. Parece que se esqueceram de que o Senhor nos disse expressamente a todos e a cada um: Sede santos, como meu Pai celestial é santo".
– Limitei–me a comentar–lhe: "Além de querer que sejamos santos, o Senhor concede a cada um as graças oportunas".

315 Ama a tua pátria: o patriotismo é uma virtude cristã.
Mas se o patriotismo converte num nacionalismo que leva a encarar com frieza, com desprezo – sem caridade cristã nem justiça –, outros povos, outras nações, é um pecado.

316 Não é patriotismo justificar delitos... e desconhecer os direitos dos demais povos.

317 Escreveu também o Apóstolo que "não há distinção entre gentio e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e livre, mas Cristo é tudo e está em todos".
Estas palavras são válidas hoje com ontem: Perante o Senhor, não existem diferenças e nação, de raça, e classe, de estado de vida... Cada um de nós renasceu em Cristo, para ser uma nova criatura, um filho de Deus: todos somos irmãos e temos de comportarmos fraternalmente!

318 Há já muitos anos vi com clareza meridiana um critério que será sempre válido: o ambiente da sociedade, com o seu afastamento da fé e da moral cristãs, precisa de uma nova forma de viver e de propagar a verdade eterna do Evangelho: nas próprias entranhas da sociedade, do mundo, os filhos de Deus hão de brilhar por suas virtudes como lanternas na escuridão – "quasi lucernae lucentes in caliginoso loco".

319 A perene vitalidade da Igreja Católica garante que a verdade e o espírito de Cristo não se afastam das diversas necessidades dos tempos.

320 Para seguir as pegadas de Cristo, o apóstolo de hoje não vem reformar nada, e muito menos desentender–se da realidade histórica que o rodeia... – Basta–lhe atuar como os primeiros cristãos, vivificando o ambiente.

321 Tu, que vives no meio do mundo, que és um cidadão como os outros, em contacto com homens que dizem ser bons ou ser maus...; tu, tens que sentir o desejo constante de dar aos outros a alegria de que gozas, por seres cristão.

322 Promulgou–se um edito de César Augusto, que manda recensear todos os habitantes de Israel. Maria e José caminham para Belém... – Não pensaste que o Senhor se serviu do acatamento pontual de uma lei para que se cumprisse a sua profecia?
Ama e respeita as normas de convivência honrada e não duvides de que a tua submissão leal ao dever será também veículo para que outros descubram a honradez cristã, fruto do amor divino, e encontrem a Deus.

 «    SINCERIDADE    » 

323 Quem oculta ao seu Diretor uma tentação, tem um segredo a meias com demônio. – Fez–se amigo do inimigo.

324 O pó e a cegueira de certa queda causam–te desassossego, justamente com o pensamentos que querem tirar–te a paz.
– Procuraste desabafar em lágrimas junto do Senhor, e na conversa confiada com o irmão?

325 Sinceridade: com Deus, com o Diretor, com os teus irmãos os homens. – assim estou certo da tua perseverança.

326 Um meio para sermos francos e simples?... Escuta e medita estas palavras de Pedro: "Domine, tu omnia nosti..." – Senhor, Tu sabes tudo!

327 Que vou dizer?, perguntas ao começares a abrir a tua alma. E, com segura consciência, respondo–te: em primeiro lugar, aquilo que querias que não se soubesse.

328 Os defeitos que vês nos outros talvez sejam os teus próprios. "Si oculus tuus fuerit simplex..." – Se o teu olho for simples, todo o teu corpo estará iluminado; mas se for malicioso, todo o teu corpo estará obscurecido.
E mais ainda: "Como te pões a olhar o cisco no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está dentro do teu?"
– Examina–te.

329 Todos precisamos prevenir a falta de objetividade, sempre que se trate de julgar a nossa própria conduta...
– Tu, também.

330 De acordo, dizes a verdade "quase" por inteiro.... Portanto, não és veraz.

331 Dói–te... Mas insisto com intransigência santa: dói–te... porque desta vez pus o dedo na tua chaga.

332 Compreendeste em que consiste a sinceridade quando me escrevias: "Estou procurando habituar–me a chamar as coisas pelo seu nome e, sobretudo, a não tentar atribuir nomes ao que não existe".

333 Pensa bem nisto: ser transparente consiste mais em não tapar do que em querer fazer ver... Trata–se de permitir que se distingam os objetos que há no fundo do copo, e não em esforçar–se por tornar visível o ar.

334 Atuemos sempre de tal maneira, na presença de Deus, que não tenhamos que ocultar nada aos homens.

335 Acabaram–se as aflições... Descobriste que a sinceridade com o Diretor conserta com uma facilidade admirável aquilo que se entortou.

336 Como erram pais, mestres, diretores... que exigem sinceridade absoluta e, quando lhes mostram toda a verdade, se assustam!

337 Lias naquele dicionário os sinônimos de insincero: "ambíguo, ladino, dissimulado, matreiro, astuto"... – Fechaste o livro enquanto pedias ao Senhor que nunca pudessem aplicar–se a ti esses qualificativos, e te propuseste aprimorar ainda mais esta virtude sobrenatural e humana da sinceridade.

338 "Abyssus abyssum invocat..." – um abismo chama outro abismo, como já te recordei. É a descrição exata do modo de comportar–se dos mentirosos, dos hipócritas, dos renegados, dos traidores: como estão desgostosos com o seu próprio modo de conduzir–se, ocultam aos outros as suas trapaças, para irem de mal a pior, criando um despenhadeiro entre eles e o próximo.

339 "Tota pulchra es, Maria, et macula originalis non est in te!" – És toda formosa, Maria, e não há em ti mancha original!, canta alvoroçada a liturgia: não há nEla a menor sombra de duplicidade. Peço diariamente à nossa Mãe que saibamos abrir a alma na direção espiritual para que a luz da graça ilumine toda a nossa conduta!
– Se ainda lhe suplicarmos, Maria nos obterá a valentia da sinceridade, para que nós cheguemos mais à Trindade Santíssima.

 «    LEALDADE    » 

340 A lealdade tem como conseqüência a segurança de andar por um caminho reto, sem instabilidades nem perturbações; e a firmar–se nesta certeza: que existem o bom senso e a felicidade.
– Vê se isso se cumpre na tua vida de cada instante.

341 Confiavas–me que Deus, em certos momentos, te enche de luz; em outros, não.
Recordei–te, com firmeza, que o Senhor é sempre infinitamente bom. Por isso, para continuares em frente, bastam–te esses tempos luminosos; se bem que os outros também são proveitosos, para te fazeres mais fiel.

342 Sal da terra. – Nosso Senhor disse que os seus discípulos – tu e eu também – são sal da terra: para imunizar, para evitar a corrupção, para temperar o mundo.
– Mas também acrescentou "quod si sal evanuerit..." – que se o sal perde o seu sabor, será lançado fora e pisado pelos homens...
– Agora, perante muitos acontecimentos que lamentamos, vais compreendendo o que antes não compreendias?

343 Faz–me tremer aquela passagem da segunda epístola a Timóteo, quando o Apóstolo se dói de que Demas tenha fugido para Tessalônica, atrás dos encantos deste mundo... Por uma bagatela e por medo das perseguições, atraiçoou a tarefa divina um homem que São Paulo cita, em outras epístolas, entre os santos.
Faz–me tremer, conhecendo a minha pequenez; e leva–me a exigir de mim fidelidade ao Senhor até nos fatos que podem parecer indiferentes, porque, se não me servem para unir–me mais a Ele, não os quero!

344 Para tantos momentos da história, que o diabo se encarrega de repetir, parece–me uma consideração muito acertada aquela que me escrevias sobre lealdade: "Trago o dia todo, no coração, na cabeça e nos lábios, uma jaculatória: Roma!"

345 Uma grande descoberta! Uma coisa que só entendias muito pela metade, tornou–se claríssima para ti quando tiveste que explicá–la a outros.
Tiveste que falar muito devagar com um que estava desanimado porque se sentia ineficaz e não queria ser um peso para ninguém... Então compreendeste melhor que nunca por que te falo constantemente de sermos burrinhos de nora: fiéis, com viseiras muito grandes para não olharmos nem saborearmos pessoalmente os resultados – as flores, os frutos, a louçania da horta –, bem certos da eficácia da nossa fidelidade.

346 A lealdade exige fome de formação, porque – movido por um amor sincero – não desejas correr o risco de difundir ou defender, por ignorância, critérios e posições que estão muito longe de corresponderem à verdade.

347 "Quereria – escreves–me – que a minha lealdade e a minha perseverança fossem tão sólidas e tão eternas, e o meu serviço tão vigilante e amoroso, que o senhor pudesse alegrar–se comigo e eu fosse para si um pequeno descanso".
– E respondo–te: Deus te confirme no teu propósito, para que sejamos ajuda e descanso para Ele.

348 É verdade que alguns que se entusiasmam, depois vão–se embora... Não te preocupes: são agulha de que Deus se serve para enfiar a linha.
– Ah, e reza por eles!, porque talvez se possa conseguir que continuem empurrando outros.

349 Para ti, que vacilas, copio uma carta: "De agora em diante, talvez continue a ser o mesmo instrumento inepto de sempre. Apesar disso, terá mudado o enfoque e a solução do problema da minha vida; porque há em mim um desejo, firme, de perseverança... até sempre!"
– Nunca duvides de que Ele jamais falha.

350 A tua vida é serviço, mas sempre com uma lealdade sem brechas, sem condições: somente assim daremos o rendimento que o Senhor espera.

351 Nunca partilharei, nem no terreno ascético nem no jurídico, da idéia dos que pensam e vivem como se servir a Igreja equivalesse a empoleirar–se.

352 Dói–te ver que alguns têm a técnica de falar da Cruz de Cristo, unicamente para subir e conquistar posições... São os mesmos que não consideram limpo nada do que vêem, se não coincide com o seu critério.
– Mais uma razão para que persevere na retidão de tuas intenções, e para que peças ao Mestre que te conceda a força de repetir: "Non mea voluntas, sed tua fiat!" – Senhor, que eu cumpra com amor a tua Vontade Santa!

353 Tens de crescer de dia para dia em lealdade à Igreja, ao Papa, à Santa Sé... Com um amor cada vez mais teológico!

354 Tens uma grande ânsia de amar a Igreja: tanto maior, quanto mais se agitam os que pretendem desfeá–la.
– Parece–me muito lógico: porque a Igreja é tua Mãe.

355 Os que não querem entender que a fé exige serviço à Igreja e às almas, cedo ou tarde invertem os termos, e acabam por servir–se da Igreja e das almas, para os seus fins pessoais.

356 Oxalá não caias, nunca, no erro de identificar o Corpo Místico de Cristo com uma atitude determinada, pessoal ou pública, de qualquer do seus membros.
E oxalá não dês pé a que pessoas menos formadas caiam nesse erro.
– Vê se não é importante a tua coerência, a tua lealdade!

357 Não te compreendo quando, ao falares de questões de moral e de fé, me dizes que és um católico independente...
– Independente de quem? Essa falsa independência equivale a sair do caminho de Cristo.

358 Não cedas nunca na doutrina da Igreja. – Quando se faz uma liga, o melhor metal é o que sai perdendo.
Além disso, esse tesouro não é teu, e – como narra o Evangelho – o Dono pode pedir–te contas quando menos o esperas.

359 Concordo contigo em que há católicos, praticantes e mesmo piedosos aos olhos dos outros, e talvez sinceramente convictos, que servem ingenuamente os inimigos da Igreja...
– Infiltrou–se em sua própria casa, com nomes diferentes mal aplicados – ecumenismo, pluralismo, democracia –, o pior adversário: a ignorância.

360 Ainda que pareça um paradoxo, não raro sucede que, aqueles que se chamam a si próprios filhos da Igreja, são precisamente os que maior confusão semeiam.

361 Estás cansado de lutar. Deu–te nojo esse ambiente, caracterizado pela falta de lealdade... Todos se lançam sobre aquele que caiu, para espezinhá–lo!
Não sei por que te admiras. Aconteceu o mesmo com Jesus Cristo, mas Ele não recuou, porque tinha vindo para salvar justamente os doentes e os que não O compreendiam.

362 Que os leais não atuem! – É o que querem os desleais.

363 Foge dos sectarismos, que se opõem a uma colaboração leal.

364 Não se pode promover a verdadeira unidade à base de abrir novas divisões... Muito menos quando os promotores aspiram a apoderar–se do comando, suplantando a autoridade legítima.

365 Ficaste muito pensativo quando me ouviste comentar: Quero ter o sangue de minha Mãe a Igreja; não o de Carlos Magno, nem o dos sete sábios da Grécia.

366 Perseverar é persistir no amor, "per Ipsum et cum Ipso et in Ipso...", o que realmente podemos interpretar também assim: Ele! comigo, por mim e em mim.

367 Pode acontecer que haja, entre os católicos, alguns com pouco espírito cristão; ou que dêem essa impressão aos que se relacionam com eles num momento determinado.
Mas, se esta realidade te escandalizasse, darias mostras de conhecer pouco a miséria humana e... a tua própria miséria. Além disso, não é justo nem leal servir–se das fraquezas desses poucos, para difamar Cristo e a sua Igreja.

368 É verdade que nós, os filhos de Deus, não devemos servir ao Senhor para que nos vejam..., mas não nos há de importar que nos vejam, e muito menos podemos deixar de cumprir porque nos estão vendo!

369 Passaram–se vinte séculos, e a cena se repete todos os dias: continuam levando a julgamento, flagelando e crucificando o Mestre... E muitos católicos, com o seu comportamento e com as suas palavras, continuam gritando: Esse? Não o conheço!
Desejaria ir por toda a parte, recordando confidencialmente a muitos que Deus é misericordioso e que também é muito justo! Por isso afirmou claramente: "Também Eu não reconhecerei os que não me tiverem reconhecido diante dos homens".

370 Sempre pensei que a falta de lealdade por respeitos humanos é desamor..., e ausência de personalidade.

371 Volta os teus olhos para a Virgem Maria e contempla como vive a virtude da lealdade. Quando Isabel precisa dela, diz o Evangelho que vai "cum festinatione" – com pressa alegre. Aprende!

 «    DISCIPLINA    » 

372 Obedecer docilmente. – Mas com inteligência, com amor e com sentido de responsabilidade, que nada têm a ver com julgar os que governam.

373 No apostolado, obedece sem reparar nas condições humanas de quem manda, nem no modo como manda. O contrário não é virtude.
Cruzes há muitas: de brilhantes, de pérolas, de esmeraldas, de esmaltes, de marfim...; também de madeira, como a de Nosso Senhor. Todas merecem igual veneração, porque a Cruz nos fala do sacrifício do Deus feito Homem.
– Leva esta consideração à tua obediência, sem te esqueceres de que Ele se abraçou amorosamente – sem hesitar! – ao Madeiro, e ali nos obteve a Redenção.
Só depois de teres obedecido, o que é sinal de retidão de intenção, faz a correção fraterna, com as condições requeridas, e reforçarás a unidade por meio do cumprimento desse dever.

374 Obedece–se co os lábios, com o coração e com a mente.
– Obedece–se não a um homem, mas a Deus.

375 Não amas a obediência se não amas de verdade o mandado, se não amas de verdade o que te mandaram.

376 Muitos problemas se remedeiam logo. Outros, não imediatamente. Mas todos se resolverão, se formos fiéis: se obedecermos, se cumprirmos o que está estabelecido.

377 O Senhor quer de ti um apostolado concreto, como o da pesca daqueles cento e cinqüenta e três grandes peixes – e não outros –, apanhados à direita da barca.
E perguntas–me: como é que, sabendo–me pescador de homens, vivendo em contacto com muitos companheiros e podendo distinguir a quem deve dirigir–se o meu apostolado específico, não pesco?... Falta–me vida interior?
Escuta a resposta dos lábios de Pedro, naquela outra pesca milagrosa: – "Mestre, estivemos fatigando–nos durante toda a noite, e nada apanhamos; não obstante, fiado na tua palavra, lançarei a rede".
Em nome de Cristo, começa de novo. – Fortalecido: fora essa moleza!

378 Obedece sem tantas cavilações inúteis... Mostrar tristeza ou pouca vontade perante o que se manda é falta muito considerável. Mas senti–la apenas, não somente não é culpa, mas pode ser uma grande ocasião de nos vencermos a nós mesmos, de coroarmos um ato heróico de virtude.
Não sou eu que o invento. Lembras–te? Narra o Evangelho que um pai de família confiou o mesmo encargo aos seus dois filhos... E Jesus alegra–se com aquele que, apesar de ter levantado dificuldades, cumpre! Alegra–se porque a disciplina é fruto do Amor.

379 A maior parte das desobediências provém de não saber "escutar" a indicação, o que no fundo é falta de humildade ou de interesse em servir.

380 Queres obedecer cabalmente?... Pois bem, escuta com atenção, para compreenderes o alcance e o espírito do que te indicam; e, se não entendes alguma coisa, pergunta.

381 Vamos ver quando te convences de que tens de obedecer!... E desobedeces se, em vez de cumprir o plano de vida, perdes o tempo. Todos os teus minutos devem estar preenchidos: trabalho, estudo, proselitismo, vida interior.

382 De modo semelhante ao da Igreja que, através do cuidado com a liturgia, nos faz intuir a beleza dos mistérios da Religião, e nos leva a amá–lo melhor, assim devemos viver – sem fazer teatro – certa correção, aparentemente mundana, de respeito profundo – mesmo externo – pelo Diretor, que por sua boca nos comunica a Vontade de Deus.

383 Ao governar, depois de pensar no bem comum, é necessário levar em conta que – no terreno espiritual e no civil – dificilmente uma norma pode não desagradar a alguns.
– Nunca chove ao gosto de todos!, reza a sabedoria popular. Mas isso, não duvides, não é defeito da lei, mas rebeldia injustificada da soberba ou do egoísmo daqueles poucos.

384 Ordem, autoridade, disciplina... – Escutam – se é que escutam! – , e sorriem cinicamente, alegando – elas e eles – que defendem a sua liberdade.
São os mesmos que depois pretendem que respeitemos ou que nos ajustemos aos seus descaminhos: não compreendem – que protestos tão vulgares! – que os seus modos não sejam – não podem ser! – aceitos pela autêntica liberdade dos outros.

385 Os que dirigem tarefas espirituais têm que interessar–se por tudo o que é humano, para elevá–lo à ordem sobrenatural e divinizá–lo.
Se não se pode divinizar, não te enganes: não é humano, é "animalesco", impróprio da criatura racional.

386 Autoridade. – Não consiste em que o de cima "grite" ao inferior, e este ao de mais abaixo.
Com esse critério – caricatura da autoridade – , além da evidente falta de caridade e de correção humana, só se consegue que quem está no comando se vá afastando dos governados, porque não os serve: no melhor dos casos, usa–os!

387 Não sejas tu desses que, trazendo desgovernada a sua própria casa, tentam imtrometer–se no governo das casas dos outros.

388 Mas... pensas de verdade que sabes tudo, porque foste constituído em autoridade?
– Escuta–me bem: o bom governante "sabe" que pode – que deve! – aprender dos outros.

389 Liberdade de consciência: não! Quantos males trouxe aos povos e às pessoas este erro lamentável, que permite agir contra os ditames íntimos da própria consciência!
Liberdade "das consciências", sim: que significa o dever de seguir esse imperativo interior... Ah, mas depois de se ter recebido uma séria formação!

390 Governar não é mortificar.

391 Para ti, que ocupas essa função de governo. Medita: os instrumentos mais fortes e eficazes, se os tratamos mal, ficam amassados, desgastam–se e se inutilizam.

392 As decisões de governo, tomadas por uma só pessoa, nascem sempre, ou quase sempre, influenciadas por uma visão unilateral dos problemas.
– Por muito grandes que sejam a tua preparação e o teu talento, deves ouvir aqueles que compartilham contigo essa tarefa de direção.

393 Nunca dês ouvidos à delação anônima: é o procedimento da gente vil.

394 Um critério de bom governo: é preciso tomar o material humano tal com é, e ajudá–lo a melhorar, sem nunca desprezá–lo.

395 Acho muito bem que procures diariamente aumentar essa profunda preocupação pelos que dependem de ti: porque sentir–se rodeado e protegido pela compreensão afetuosa do superior, pode ser o remédio eficaz de que necessitem as pessoas a quem tens de servir com o teu governo.

396 Que pena causam alguns, investidos em autoridade, quando julgam e falam com ligeireza, sem estudar o assunto, com afirmações categóricas, sobre pessoas ou questÕes que desconhecem, e... até são fruto da deslealdade!

397 Se a autoridade se converte em autoritarismo ditatorial e esta situação se prolonga no tempo, perde–se a continuidade histórica, morrem ou envelhecem os homens de governo, chegam à idade madura pessoas sem experiência de direção, e a juventude – inexperiente e excitada – quer tomar as rédeas: quantos males e quantas ofensas a Deus – próprias e alheias – recaem sobre os que usam tão mal da autoridade!

398 Quando quem manda é negativo e desconfiado, facilmente cai na tirania.

399 Procura ser retamente objetivo no teu trabalho de governo. Evita essa inclinação dos que tendem a ver sobretudo – e às vezes somente – o que não anda, os erros.
– Enche–te de alegria, coma certeza de que o Senhor a todos concedeu a capacidade de fazer–se santos, precisamente na luta contra os próprios defeitos.

400 A ânsia de novidade pode levar ao desgoverno.
– São precisos novos regulamentos, dizes...
– Achas mesmo que o corpo humano melhoraria com outro sistema nervoso ou arterial?

401 Que empenho o de alguns em massificar! Convertem a unidade em uniformidade amorfa, afogando a liberdade.
Parece que ignoram a impressionante unidade do corpo humano, com tão divina diferenciação de membros que – cada um com a sua função própria – contribuem para a saúde geral.
– Deus não quis que todos fôssemos iguais, nem que caminhássemos todos do mesmo modo pelo único caminho.

402 É preciso ensinar as pessoas a trabalhar – sem exagerar a preparação: "fazer" é também formar–se – e a aceitar de antemão as imperfeições inevitáveis: o ótimo é inimigo do bom.

403 Nunca confies só na organização.

404 O bom pastor não precisa atemorizar as suas ovelhas: semelhante comportamento é próprio dos maus governantes. Por isso, ninguém estranha que acabem odiados e sós.

405 Governar, muitas vezes, consiste em saber "ir puxando" pelas pessoas, com paciência e carinho.

406 O bom governo não ignora a necessária flexibilidade, sem cair na falta de exigência.

407 "Enquanto não me fizerem pecar!" – Enérgico comentário daquela pobre criatura, quase aniquilada, na sua vida pessoal e em seus afãs de homem e de cristão, por inimigos poderosos.
– Medita e aprende: enquanto não te fizerem pecar!

408 Nem todos os cidadãos pertencem aos quadros do exército. Mas, quando chega a guerra, todos participam... E o Senhor disse: "Não vim trazer a paz, mas a guerra".

409 "Eu era um guerrilheiro" – escreve – "e andava pelos montes, disparando quando me dava na telha. Mas quis alistar–me como soldado, porque compreendi que as guerras são ganhas mais facilmente pelos exércitos organizados e com disciplina. UM pobre guerrilheiro isolado não pode tomar cidades inteiras, nem ocupar o mundo. Pendurei o meu bacamarte – fica tão antiquado! – e agora estou mais bem armado. Ao mesmo tempo, sei que já não posso deitar–me no monte, à sombra de árvore, e sonhar que eu sozinho ganharei a guerra".
– Bendita disciplina e bendita unidade da nossa Mãe a Igreja Santa!

410 A tantos católicos rebeldes, dir–lhes–ia que faltam ao seu dever aqueles que, em vez de se aterem à disciplina e à obediência à autoridade legítima, se convertem em partido; em pequeno bando; em vermes de discórdia; em conjura e intriguice; em fomentadores de estúpidas pugnas pessoais; em tecelões de urdiduras de ciúmes e crises.

411 Não são a mesma coisa um vento suave e um furacão. Ao primeiro, qualquer um resiste: é brincadeira de crianças, paródia de luta.
– Pequenas contradições, escassez, apuros de nada... Aceitavas tudo isso com gosto, e vivias a alegria interior de pensar: agora, sim, estou trabalhando por Deus, porque temos Cruz!...
Mas, meu pobre filho: chegou o furacão, e sentes um balançar, um fustigar que arrancaria árvores centenárias. Isso..., por dentro e por fora. Confia! Não poderá arrancar a tua Fé e o teu Amor, nem tirar–te do teu caminho..., se tu não te afastas da "cabeça", se sentes a unidade.

412 Com que facilidade deixas de cumprir o plano de vida, ou fazes as coisas pior do que se as omitisses!... – É assim que queres enamorar–te cada vez mais do teu caminho, para contagiar os outros com esse amor?

413 Não ambiciones senão um único direito: o de cumprires o teu dever.

414 Dizes que a carga é pesada? – Não, mil vezes não! Essas obrigações, que aceitaste livremente, são asas que te levantam sobre o lodo vil das paixões.
Porventura os pássaros sentem o peso das suas asas? Corta–as, coloca–as no prato de uma balança: pesam! Pode, no entanto, a ave voar se lhas arrancam? Precisa dessas asas assim; e não nota o seu peso porque a elevam acima do nível das outras criaturas.
Também as tuas "asas" pesam! Mas, se te faltassem, cairias nos mais sujos lodaçais.

415 "Maria guardava todas estas coisas no seu coração..."
Quando está de permeio o amor limpo e sincero, a disciplina não representa um peso, ainda que custe, porque une ao Amado.

 «    PERSONALIDADE    » 

416 O Senhor necessita de almas fortes e audazes, que não pactúem com a mediocridade e penetrem com passo firme em todos os ambientes.

417 Sereno e equilibrado de caráter, vontade inflexível, fé profunda e piedade ardente: características imprescindíveis de um filho de Deus.

418 O Senhor pode tirar das próprias pedras filhos de Abraão... Mas temos de procurar que a pedra não seja quebradiça. De um rochedo sólido, ainda que seja informe, pode lavrar–se mais facilmente um silhar esplêndido.

419 O apóstolo não deve nivelar–se pela rasoura de uma criatura medíocre. Deus o chama para que atue como portador de humanidade e transmissor de uma novidade eterna. – Por isso, o apóstolo precisa ser uma alma longamente, pacientemente, heroicamente formada.

420 Cada dia descubro coisas novas em mim, dizes... E respondo–te: agora começas a conhecer–te.
Quando se ama deveras..., sempre se encontram detalhes para amar ainda mais.

421 Seria lamentável que alguém concluísse, ao ver atuar os católicos na vida social, que se mexem com acanhamento e capitis–diminuídos.
Não se pode esquecer que o nosso Mestre era – é! – "perfectus Homo" – perfeito Homem.

422 Se o Senhor te deu uma boa qualidade – ou uma habilidade – , não é apenas para que nela te deleites, ou para que te pavoneies, mas para que a desenvolvas com caridade a serviço do próximo.
– E quando encontrarás melhor ocasião de servir do que agora, ao conviveres com tantas almas que compartilham o teu mesmo ideal?

423 Ante a pressão e o impacto de um mundo materializado, hedonista, sem fé..., como é possível exigir e justificar a liberdade de não pensar como "eles" de não agir como "eles"?...
– Um filho de Deus não tem necessidade de pedir essa liberdade, porque Cristo já no–lo ganhou de uma vez para sempre; mas deve defendê–la e demonstrá–la em qualquer ambiente. Só assim é que "eles" entenderão que a nossa liberdade não está aferrolhada pelo ambiente.

424 Teus parentes, teus colegas, teus amigos vão notando a mudança, e reparam que não é uma transição momentânea, que já não és o mesmo.
– Não te preocupes, continua em frente! Cumpre–se o "vivit vero in me Christus" – agora é Cristo quem vive em ti.

425 Deves estimar os que sabem dizer–te "não". E, além disso, pedir–lhes que te esclareçam as razões da sua negativa, para aprenderes..., ou para corrigires.

426 Antes eras pessimista, indeciso e apático. Agora estás totalmente transformado: sentes–te audaz, otimista, seguro de ti mesmo..., porque afinal te decidiste a buscar o teu apoio somente em Deus.

427 Triste situação a de uma pessoa com magníficas virtudes humanas, e com carência absoluta de sentido sobrenatural: porque facilmente aplicará aquelas virtudes apenas aos seus fins particulares. – Medita nisto.

428 Para ti, que desejas formar–te numa mentalidade católica, universal, transcrevo algumas características:
– amplidão de horizontes e um aprofundamento enérgico no que é permanentemente vivo na ortodoxia católica;
– empenho reto e sadio – nunca frivolidade – em renovar as doutrinas típicas do pensamento tradicional, na filosofia e na interpretação da história...;
– uma cuidadosa atenção às orientações da ciência e do pensamento contemporâneos;
– e uma atitude positiva e aberta ante a transformação atual das estruturas sociais e das formas de vida.

429 Tens que aprender a dissentir dos outros – quando for preciso– com caridade, sem te tornares antipático.

430 Com graça de Deus e boa formação, podes fazer–te entender no ambiente dos mais simples... – Eles dificilmente te seguirão se te faltar "dom de línguas": capacidade e esforço para chegar às suas inteligências.

431 Cortesia sempre, com todos. Mas especialmente com os que se apresentam como adversários – tu não tenhas inimigos –, quando procuras tirá–los do seu erro.

432 Não é verdade que te causou compaixão o menino mimado? – Pois então... não te trates bem a ti mesmo! Não compreendes que vais tornar–te molezinho?
Além disso, não sabes que as flores de melhor aroma são as silvestres, as que estão expostas à intempérie e à seca?

433 Esse vai longe, dizem, e assusta a sua futura responsabilidade. – Ninguém lhe conhece uma atividade desinteressada, nem uma frase oportuna, nem um escrito fecundo. – É homem de vida negativa. – Dá sempre a impressão de estar submerso em profundas congeminações, embora se saiba que cultivou idéias em que pensar. – Tem no rosto e nas maneiras a sisudez do mulo, e isso lhe dá fama de prudente...

434 O pedante interpreta como ignorância a simplicidade e a humildade do douto.

435 Não sejas desses que, quando recebem uma ordem, logo pensam na maneira de modificá–la...
– Dir–se–ia que têm demasiada "personalidade"!
E desunem ou desbaratam.

436 A experiência, o saber tanto do mundo, o ler nas entrelinhas, a perspicácia excessiva, o espírito crítico... Tudo isso que, nas tuas relações e negócios, te levou demasiado longe, ao ponto de tornar–te um pouco cínico; todo esse "excessivo realismo" – que é falta de espírito sobrenatural– invadiu até mesmo a tua vida interior. – Por não seres simples, passaste a ser às vezes frio e cruel.

437 No fundo és um bom rapaz, porém julgas–te Maquiavel. – Lembra–te de que no Céu se entra sendo um homem honrado e bom, não um intriguistinha maçante.

438 É admirável esse teu bom humor... Mas levar tudo, tudo... na brincadeira – reconhece! – significa passar dos limites. – A realidade é bem outra: como te falta vontade para tomares as tuas coisas à sério, autojustificas–te gozando dos outros, que são melhores do que tu.

439 Não nego que sejas esperto. Mas o arrebatamento desordenado leva–te a agir como um tolo.

440 Essa desigualdade do teu caráter! – Tens as teclas estragadas: dás muito bem as notas altas e baixas..., mas não soam as do meio, as da vida corrente, aquelas que habitualmente os outros escutam.

441 Para que aprendas. – Numa ocasião memorável, fiz notar àquele nobre varão, como arriscava – ia perder – um alto posto no seu mundo, por estar defendendo uma causa santa que os "bons" impugnavam. Com voz cheia de gravidade humana e sobrenatural, que desprezava as honras da terra, respondeu–me: "Arrisco a alma".

442 O diamante lapida–se com o diamante...; e as almas, com as almas.

443 "Um grande sinal apareceu no Céu: uma mulher com uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça; vestida de sol; a lua a seus pés". – Para que tu e eu, todos, tenhamos a certeza de que nada aperfeiçoa tanto a personalidade como a correspondência à graça.
– Procura imitar a Santíssima Virgem, e serás homem – ou mulher – de uma só peça.

 «    ORAÇÃO    » 

444 Conscientes dos nossos deveres, como podemos passar um dia inteiro sem nos lembrarmos de que temos alma?

445 Se se abandona a oração, primeiro vive–se das reservas espirituais..., e depois, da trapaça.

446 Meditação. – Tempo certo e a hora certa. – Senão, acabará adaptando–se à nossa comodidade: isso é falta de mortificação. E a oração sem mortificação é pouco eficaz.

447 Falta–te vida interior: porque não levas à oração as preocupações dos teus e o proselitismo: porque não te esforças por ver claro, por tirar propósitos concretos e por cumpri–los; porque não tens sentido sobrenatural no estudo, no trabalho, nas tuas conversas, no convívio como os outros...
– Como andas em matéria de presença de Deus, conseqüência e manifestação da tua oração?

448 Não?... Porque não tiveste tempo?... – Tens tempo. Além disso, como é que serão as tuas obras, se não as meditaste na presença do Senhor, para bem orientá–las? Sem essa conversa com Deus, como é que acabarás com perfeição o trabalho de cada jornada?... – Olha, é como se alegasses que te falta tempo para estudar, porque estás muito ocupado em dar umas aulas... Sem estudo, não se pode dar uma boa aula.
A oração está antes de qualquer coisa. Se o entendes e não o pões em prática, não me digas que te falta tempo: muito simplesmente, não queres fazê–la!

449 Oração, mais oração! – Parece uma incongruência agora, em épocas de provas, de mais trabalho... Precisas dela: e não só da habitual, como prática de piedade; oração também durante os tempos mortos; oração entre ocupação e ocupação, em vez de deixares correr o pensamento entre bobagens.
Não faz mal se – apesar do teu empenho– não consegues concentrar–te e recolher–te. Pode valer mais esta meditação do que aquela outra que fizeste, com toda a comodidade, no oratório.

450 Um costume eficaz para conseguir presença de Deus: em cada dia, a primeira audiência, com Jesus Cristo.

451 A oração não é prerrogativa de frades: é incumbência de cristãos, de homens e mulheres do mundo, que se sabem filhos de Deus.

452 Sem dúvida, deves seguir o teu caminho: homem de ação... com vocação de contemplativo.

453 Católico, sem oração?... É como um soldado sem armas.

454 Agradece ao Senhor o enorme bem que te outorgou ao fazer–te compreender que "uma só coisa é necessária". – E, juntamente com a gratidão, que não te falte todos os dias a tua súplica pelos que ainda não O conhecem ou não O entenderam.

455 Quando procuravam "pescar–te", perguntavas a ti mesmo onde é que conseguiam aquela força e aquele fogo que tudo abrasa. – Agora, que fazes oração, percebeste que essa é a fonte que ressuma em torno dos verdadeiros filhos de Deus.

456 Desprezas a meditação... Não será que tens medo, que procuras o anonimato, que não te atreves a falar com Cristo cara a cara?
– Bem vês que há muitos modos de "desprezar" este meio, ainda que se afirme que se pratica.

457 Oração: é a hora das intimidades santas e das resoluções firmes.

458 Como era bem pensada a súplica daquela alma que dizia: – Senhor, não me abandones; não reparas que há "outra pessoa" que me puxa pelos pés?!

459 Voltará o Senhor a acender–me a alma?...
– Afirmam–te que sim a tua cabeça e a força profunda de um desejo longínquo, que talvez seja esperança... – Pelo contrário, o coração e a vontade – excesso de um, falta da outra – tingem tudo de uma melancolia paralisante e hirta, como um esgar, como uma troça amarga.
Escuta a promessa do Espírito Santo: "Dentro de brevíssimo tempo, virá Aquele que há de vir e não tardará. Entretanto, o meu justo viverá de fé".

460 A verdadeira oração, aquela que absorve o indivíduo por completo, é favorecida não tanto pela solidão do deserto como pelo recolhimento interior.

461 Fizemos a oração da tarde no meio do campo, já perto do anoitecer. Devíamos ter um aspecto um tanto pitoresco, para um espectador que não soubesse do que se tratava: sentados no chão, num silêncio apenas interrompido pela leitura de uns pontos de meditação.
Essa oração em pleno campo, "pressionando com força" o Senhor por todos os que vinham conosco, pela Igreja, pelas almas, foi grata ao Céu e fecunda: qualquer lugar é apto para esse encontro com Deus.

462 Gosto de que, tenhas essa tendência de percorrer muitos quilômetros: contemplas terras diferentes daquelas que pisas; diante dos teus olhos, passa gente de outras raças; ouves línguas diversas... É como um eco daquele mandamento de Jesus: "Euntes docete omnes gentes" – ide e ensinai a todos os povos.
Para chegares longe, sempre mais longe, mete esse fogo de amor nos que te rodeiam; e os teus sonhos e desejos se converterão em realidade: antes, mais e melhor!

463 A oração transcorrerá, umas vezes, de modo discursivo; outras, talvez poucas, cheia de fervor; e, talvez muitas, seca, seca, seca... Mas o que importa é que tu, com a ajuda de Deus, não desanimes.
Pensa na sentinela que está de guarda: não sabe se o Rei ou o Chefe de Estado se encontra no palácio; não está informado do que este faz e, na maioria dos casos, essa personagem não sabe quem lhe monta guarda.
– Nada disto acontece com o nosso Deus: Ele vive onde tu vives; ocupa–se de ti; conhece–te e conhece os teus pensamentos mais íntimos... Não abandones a guarda da oração!

464 Olha que conjunto de razões sem razão te apresenta o inimigo, para que abandones a oração: "Falta–me tempo" – quando o estás perdendo continuamente –; "isto não é para mim", "eu tenho o coração seco"...
A oração não é problema de falar ou de sentir, mas de amar. E ama–se quando se faz o esforço de tentar dizer alguma coisa ao Senhor, ainda que não se diga nada.

465 "Um minuto de reza intensa; isso basta". – Dizia isso um que nunca rezava.
– Compreenderia um apaixonado que bastasse contemplar intensamente durante um minuto a pessoa amada?

466 Este ideal de combater – e vencer – as batalhas de Cristo somente se tornará realidade pela oração e pelo sacrifício, pela Fé e pelo Amor. – Pois então... vamos orar, e crer, e sofrer, e Amar!

467 A mortificação é a ponte levadiça, que nos permite a entrada no castelo da oração.

468 Não desfaleças: por mais indigna que seja a pessoa, por mais imperfeita que venha a ser a sua oração, se esta se eleva com humildade e perseverança, Deus a escuta sempre.

469 "Senhor, eu não mereço que me escutes, porque sou mau" – rezava um alma penitente. E acrescentava: "Agora... escuta–me "quoniam bonus" – porque Tu és bom".

470 O Senhor, depois de enviar os seus discípulos a pregar, reúne–os na volta e convida–os a ir com Ele a um lugar solitário para descansar... Que coisas não lhes perguntaria e contaria Jesus! Pois bem..., o Evangelho continua a ser atual.

471 Entendo–te perfeitamente quando me escreves a respeito do teu apostolado: "Vou fazer três horas de oração com a Física. Será um bombardeio para que "caia" outra posição, que se acha do outro lado da mesa da biblioteca..., e que o senhor já conheceu quando esteve aqui".
Lembro–me da tua alegria, enquanto me ouvias dizer que entre a oração e o trabalho não deve haver solução de continuidade.

472 Comunhão dos Santos: bem a experimentou aquele jovem engenheiro, quando afirmava: "Padre, em tal dia, a tal hora, o senhor estava rezando por mim".
Esta é e será a primeira ajuda fundamental que temos de prestar às almas: a oração.

473 Habitua–te a rezar orações vocais, pela manhã, ao vestir–te, como as crianças. – E terás mais presença de Deus depois, ao longo da jornada.

474 Para os que empregam como arma a inteligência e o estudo, o terço é eficacíssimo. Porque, ao implorarem assim a Nossa Senhora, essa aparente monotonia de crianças com sua Mãe vai destruindo neles todo o germe de vanglória e de orgulho.

475 "Virgem Imaculada, bem sei que sou um pobre miserável, que não faço mais do que aumentar todos os dias o número dos meus pecados..." Disseste–me o outro dia que falavas assim com a Nossa Mãe.
E aconselhei–te, com plena segurança, que rezasses o terço: bendita monotonia de ave–marias, que purifica a monotonia dos teus pecados!

476 Uma triste forma de não rezar o terço: deixá–lo para o fim do dia.
Quando se deixa para o momento de deitar–se, recita–se pelo menos de má maneira e sem meditar os mistérios. Assim, dificilmente se evita a rotina, que afoga a verdadeira piedade, a única piedade.

477 Não se pronuncia o terço somente com os lábios, mastigando uma após outra as ave–marias. Assim mussitam as beatas e os beatos. – Para um cristão, a oração vocal há de enraizar–se no coração, de modo que, durante a recitação do terço, a mente possa adentrar–se na contemplação de cada um dos mistérios.

478 Sempre adias o terço para depois, e acabas por omiti–lo por causa do sono. – Se não dispões de outros momentos, reza–o pela rua e sem que ninguém o note. Isso te ajudará também a ter presença de Deus.

479 "Reze por mim", pedi–lhe como faço sempre. E respondeu–me espantado: "Mas está–lhe acontecendo alguma coisa?"
Tive de esclarecer–lhe que a todos nos acontece ou ocorre alguma coisa em qualquer instante; e acrescentei–lhe que, quando falta a oração, "passam–se e pesam mais coisas".

480 Renova durante o dia os teus atos de contrição: olha que se ofende a Jesus sem parar e, infelizmente, não O desagravam a esse mesmo ritmo.
Por isso venho repetindo desde sempre: os atos de contrição, quantos mais melhor! Serve–me tu de eco, com a tua vida e com os teus conselhos.

481. Como enamora a cena da Anunciação! Maria – quantas vezes temos meditado nisso! – está recolhida em oração..., aplica os seus cinco sentidos e todas as suas potências na conversa com Deus. Na oração conhece a Vontade divina; e com a oração converte–a em vida da sua vida! Não esqueças o exemplo de Nossa Senhora!

 «    TRABALHO    » 

482 O trabalho é a vocação inicial do homem, é uma bênção de Deus, e enganam–se lamentavelmente os que o consideram um castigo.
O Senhor, o melhor dos pais, colocou o primeiro homem no Paraíso, "ut operaretur" – para que trabalhasse.

483 Estudo, trabalho: deveres ineludíveis para todo o cristão; meios para nos defendermos dos inimigos da Igreja e para atrairmos – com o nosso prestígio profissional – tantas outras almas que, sendo boas, lutam isoladamente. São arma fundamentalíssima para quem queira ser apóstolo no meio do mundo.

484 Peço a Deus que também te sirvam de modelo a adolescência e a juventude de Jesus, quer quando argumentava com os doutores do Templo, quer quando trabalhava na oficina de José.

485 Trinta e três anos de Jesus!... Trinta foram de silêncio e obscuridade; de submissão e trabalho...

486 Escrevia–me aquele rapagão: "O meu ideal é tão grande que só cabe no mar". – Respondi–lhe: E o Sacrário, tão "pequeno"? E a oficina "vulgar" de Nazaré?
– Na grandeza das coisas do dia–a–dia espera–nos Ele!

487 Diante de Deus, nenhuma ocupação é em si mesma grande ou pequena. Tudo adquire o valor do Amor com que se realiza.

488 O heroísmo do trabalho está em "acabar" cada tarefa.

489 Insisto: na simplicidade do teu trabalho habitual, nos detalhes monótonos de cada dia, tens que descobrir o segredo – para tantos escondido– da grandeza e da novidade: o Amor.

490 Está–te ajudando muito – dizes–me – este pensamento: desde os primeiros cristãos, quantos comerciantes não se terão feito santos?
E queres demonstrar que também agora é possível... – O Senhor não te abandonará neste empenho.

491 Tu também tens uma vocação profissional, que te "aguilhoa". – Pois bem, esse "aguilhão" é o anzol para pescar homens.
Retifica, portanto, a intenção, e não deixes de adquirir todo o prestígio profissional possível, a serviço de Deus e das almas. O Senhor conta também com "isso".

492 Para acabar as coisas, é preciso começar a fazê–las.
– Parece óbvio, mas falta–te tantas vezes esta simples decisão! E... como satanás se alegra com a sua ineficácia!

493 Não se pode santificar um trabalho que humanamente seja um "lixo", porque não devemos oferecer a Deus tarefas mal feitas.

494 À força de descuidar detalhes, podem tornar–se compatíveis trabalhar sem descanso e viver como um perfeito comodista.

495 Perguntaste o que é que podias oferecer ao Senhor. – Não preciso pensar a minha resposta: as coisas de sempre, mas melhor acabadas, com um arremate de amor, que te leve a pensar mais nEle e menos em ti.

496 Uma missão sempre atual e heróica para um cristão comum: realizar de maneira santa os mais diversos afazeres, mesmo aqueles que parecem mais indiferentes.

497 Trabalhemos, e trabalhemos muito e bem, sem esquecer que a nossa melhor arma é a oração. Por isso, não me canso de repetir que temos que ser almas contemplativas no meio do mundo, que procuram converter o seu trabalho em oração.

498 Escreves–me na cozinha, junto ao fogão. Está começando a tarde. Faz frio. A teu lado, a tua irmãzinha – a última que descobriu a loucura divina de viver a fundo a sua vocação cristã – descasca batatas. Aparentemente – pensas – o seu trabalho é igual ao de antes. Contudo, há tanta diferença!
– É verdade: antes "só" descascava batatas; agora, santifica–se descascando batatas.

499 Afirmas que vais compreendendo pouco a pouco o que quer dizer "alma sacerdotal"... Não te zangues se te respondo que os fatos demonstram que só o entendes em teoria. – Cada dia te acontece o mesmo: ao anoitecer, no exame, tudo são desejos e propósitos; de manhã e à tarde, no trabalho, tudo são objeções e desculpas.
É assim que vives o "sacerdócio santo, para oferecer vítimas espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo"?

500 Ao retomares a tua ocupação habitual, escapou–te como que um grito de protesto: sempre a mesma coisa!
E eu te disse: – Sim, sempre a mesma coisa. Mas essa tarefa vulgar – igual à que realizam os teus colegas de trabalho – deve ser para ti uma contínua oração, com as mesmas palavras entranháveis, mas cada dia com música diferente.
É missão muito nossa transformar a prosa desta vida em decassílabos, em poesia heróica.

501 Aquele "stultorum infinitus est numerus" – é infinito o número dos néscios –, que se lê na Escritura, parece crescer de dia para dia. Nas funções mais diversas, nas situações mais inesperadas, encobertos sob a capa do prestígio dado pelos cargos – e até pelas "virtudes" –, quanto avoamento e quanta falta de discernimento terás de suportar!
Mas não compreendo que percas por esse motivo o sentido sobrenatural da vida, e permaneças indiferente: muito baixa é a tua condição interior, se agüentas essas situações – e não há outro jeito senão agüentá–las! – por motivos humanos...
Se não os ajudas a descortinar o caminho, com um trabalho responsável e bem acabado – santificado! –, fazes–te como eles – néscio –, ou és cúmplice.

502 Interessa que labutes, que metas ombros... Em todo o caso, coloca os afazeres profissionais no seu lugar: constituem exclusivamente meios para chegar ao fim; nunca se podem tomar, nem de longe, como o fundamental.
Quantas "profissionalites" impedem a união com Deus!

503 Perdoa a minha insistência: o instrumento, o meio, não deve converter–se em fim. – Se, em vez do seu peso normal, uma enxada pesasse cinqüenta quilos, o lavrador não poderia cavar com essa ferramenta, empregaria toda a sua energia em arrastá–la, e a semente não pegaria, porque ficaria sem ser usada.

504 Sempre aconteceu o mesmo: quem trabalha, por muito reta e limpa que seja a sua atuação, facilmente desperta ciúmes, suspicácias, invejas. – Se ocupas um posto de direção, lembra–te de que essas apreensões de alguns, a respeito de um colega concreto, não são motivo suficiente para prescindir do "visado"; mostram antes que pode ser útil em tarefas maiores.

505 Obstáculos?... Às vezes, existem. – Mas, em algumas ocasiões, és tu que os inventas por comodismo ou por covardia. – Com que habilidade formula o diabo a aparência desses pretextos para que não trabalhes...! porque sabe muito bem que a preguiça é a mãe de todos os vícios.

506 Desenvolves uma atividade incansável. Mas não procedes com ordem e, portanto, falta–te eficácia. – Fazes–me lembrar o que vi, certa vez, de lábios muito autorizados. Quis louvar um subordinado diante do seu superior, e comentei: Quanto trabalha! – Deram–me esta resposta: Diga antes: quanto se mexe!...
– Desenvolves uma incansável atividade estéril... Quanto te mexes!

507 Para tirar importância ao trabalho de outro, cochichaste: não fez mais do que cumprir o seu dever.
E eu acrescentei: – Parece–te pouco?..., Por cumprirmos o nosso dever, o Senhor nos dá a felicidade do Céu: "Euge serve bone et fidelis... intra in gaudium Domini tui" – muito bem, servo bom e fiel, entra no gozo eterno!

508 O Senhor tem o direito – e cada um de nós a obrigação – de que O glorifiquemos "em todos os instantes". Portanto, se desperdiçamos o tempo, roubamos glória a Deus.

509 Bem sabes que o trabalho é urgente, e que um minuto concedido à comodidade representa um tempo subtraído à glória de Deus. – Que esperas, pois, para aproveitar consciensiosamente todos os instantes?
Além disso, aconselho–te que consideres se esses minutos que te sobram ao longo do dia – bem somados, perfazem horas! – não obedecem à tua desordem ou à tua poltronice.

510 A tristeza e a intranqüilidade são proporcionais ao tempo perdido. – Quando sentires uma santa impaciência por aproveitar todos os minutos, hão de invadir–te a alegria e a paz, porque não pensarás em ti.

511 Preocupações?... – Eu não tenho preocupações – disse–te –, porque tenho muitas ocupações.

512 Passas por uma fase crítica: um certo temor vago; dificuldade em adaptar o plano de vida; um trabalho sufocante, porque não te chegam as vinte e quatro horas do dia para cumprires todas as tuas obrigações...
– Experimentaste seguir o conselho do Apóstolo: "Faça–se tudo com decoro e ordem"?, quer dizer, na presença de Deus, com Ele, por Ele e só para Ele?

513 Quando distribuíres o teu tempo, deves pensar também em que é que vais empregar os espaços livres que se apresentem as horas imprevistas.

514 Sempre entendi o descanso como um afastar–se do acontecer diário, nunca como dias de ócio.
Descanso significa represar: acumular forças, idéias, planos... Em poucas palavras: mudar de ocupação, para voltar depois – com novos brios – aos afazeres habituais.

515 Agora, que tens muitas coisas que fazer, desapareceram todos os "teus problemas"... – Sê sincero: como te decidiste a trabalhar para Ele, já não te sobra tempo para pensares nos teus egoísmos.

516 As jaculatórias não dificultam o trabalho, como o bater do coração não estorva o movimento do corpo.

517 Santificar o trabalho próprio não é uma quimera, mas missão de todo o cristão...: tua e minha.
– Assim o descobriu aquele torneiro mecânico, que comentava: "Deixa–me louco de alegria essa certeza de que eu, manejando o torno e cantando, cantando muito – por dentro e por fora –, posso fazer–me santo... Que bondade a do nosso Deus!"

518 A tarefa parece–te ingrata, especialmente quando contemplas como os teus companheiros amam pouco a Deus, ao mesmo tempo que fogem de graça e do bem que lhes desejas fazer.

519 Trabalhar com alegria não significa trabalhar "alegremente", sem profundidade, como que tirando de cima dos ombros um peso incômodo...
Procura que, por estouvamento ou por leviandade, os teus esforços não percam valor e, no fim das contas, te exponhas a apresentar–te diante de Deus de mãos vazias.

520 Alguns atuam com preconceitos no trabalho: por princípio, não confiam em ninguém e, obviamente, não entendem a necessidade de procurar a santificação do seu ofício. Se lhes falas, respondem–te que não acrescentes mais carga à do seu próprio trabalho, que suportam de má vontade, como um peso.
– Esta é uma das batalhas de paz que é preciso vencer: encontrar a Deus nas ocupações e – com Ele e como Ele – servir os outros.

521 Assustam–te as dificuldades, e te retrais. Sabes que resumo se pode fazer do teu comportamento? Comodismo, comodismo e comodismo!
Tinhas dito que estavas disposto a gastar–te sem limites, e ficas em aprendiz de herói. Reage com maturidade!

522 Estudante: aplica–te com espírito de apóstolo aos teus livros, com a convicção íntima de que essas horas e horas são já – agora! – um sacrifício espiritual oferecido a Deus, proveitoso para a humanidade, para o teu país, para a tua alma.

523 Tens um cavalo de batalha que se chama estudo: propões–te mil vezes aproveitar o tempo e, no entanto, qualquer coisa te distrai. Às vezes, cansas–te de ti mesmo, pela pouca vontade que manifestas, embora todos os dias recomeces.
Experimentaste oferecer o teu estudo por intenções apostólicas concretas?

524 É mais fácil mexer–se do que estudar, e menos eficaz.

525 Se sabes que o estudo é apostolado, e te limitas a estudar para passar, evidentemente a tua vida interior vai mal.
Com esse desleixo, perdes o bom espírito e, como aconteceu àquele trabalhador da parábola, que escondeu com manha o talento recebido, se não retificas, podes autoexcluir–te da amizade com o Senhor, para te enlameares nos teus cálculos de comodismo.

526 É necessário estudar... Mas não é suficiente.
Que se pode conseguir de quem se esfalfa para alimentar o seu egoísmo, ou de quem não persegue outro objetivo senão o de garantir a tranqüilidade, para daqui a alguns anos?
É preciso estudar..., para ganhar o mundo e conquistá–lo para Deus. Então elevaremos o nível do nosso esforço, procurando que o trabalho realizado se converta em encontro com o Senhor, e sirva de base aos outros, aos que seguirão o nosso caminho...
– Deste modo, o estudo será oração.

527 Depois de conhecer tantas vidas heróicas, vividas por Deus sem sair do seu lugar, cheguei a esta conclusão: para um católico, trabalhar não é cumprir, é amar!; é exceder–se com gosto, e sempre, no dever e no sacrifício.

528 Quando compreenderes esse ideal de trabalho fraterno por Cristo, sentir–te–ás maior, mais firme, e tão feliz quanto se pode ser neste mundo, que tantos se empenham em deteriorar e tornar amargo, porque andam exclusivamente atrás do seu próprio eu.

529 A santidade compõe–se de heroísmos. – Portanto, o que se nos pede no trabalho é o heroísmo de "acabar" bem as tarefas que nos competem, dia após dia, ainda que se repitam as mesmas ocupações. Senão, não queremos ser santos!

530 Convenceu–me aquele sacerdote amigo nosso. Falava–me da sua atividade apostólica, e me assegurava que não há ocupações pouco importantes. Debaixo deste campo coalhado de rosas – dizia –, esconde–se o esforço silencioso de tantas almas que, com o seu trabalho e oração, com a sua oração e trabalho, conseguiram do Céu uma torrente de chuvas de graça,
que tudo fecunda.

531 Coloca na tua mesa de trabalho, no teu quarto, na tua carteira..., uma imagem de Nossa Senhora, e dirige–lhe o olhar
ao começares a tua tarefa, enquanto a realizas e ao terminá–la. Ela te alcançará – garanto! – a força necessária para fazeres, da tua ocupação, um diálogo amoroso com Deus.

 «    FRIVOLIDADE    » 

532 Quando se pensa com a mente clara nas misérias da terra, e se contrasta esse panorama com as riquezas da vida com Cristo, a meu ver não se encontra senão uma palavra que qualifique – com expressão rotunda – o caminho que muitos escolhem: estupidez, estupidez, estupidez.
Não é que a maioria dos homens nos enganemos; sucede–nos coisa bastante pior: somos tolos da cabeça aos pés.

533 É triste que não queiras esconder–te como um silhar, para alicerçar o edifício. Mas que te convertas em pedra onde os outros tropecem..., isso parece–me de malvados!

534 Não te escandalizes por haver maus cristãos, que fazem barulho e não praticam. O Senhor – escreve o Apóstolo – "há de pagar a cada um segundo as suas obras": a ti, pelas tuas; e a mim, pelas minhas.
– Se tu e eu nos decidirmos a portar–nos bem, para começar já haverá dois pilantras a menos no mundo.

535 Enquanto não lutares contra a frivolidade, a tua cabeça será semelhante a uma loja de bricabraque: não conterá senão utopias, sonhos e... trastes velhos.

536 Tens uma dose de "malandragem" que, se a empregasses com sentido sobrenatural, te serviria para ser um cristão formidável... – Mas, tal com a usas, não passas de um formidável "malandro".

537 Quando te vejo tomar tudo à ligeira, lembras–me aquela velha piada: " Vem aí um leão!", disseram–lhe. E respondeu o cândido naturalista: "E eu que tenho com isso? Eu caço borboletas!"

538 Uma pessoa terrível: o ignorante que é, ao mesmo tempo, trabalhador infatigável.
Não afrouxes, ainda que estejas morrendo de velho, no empenho por formar–te mais.

539 Desculpa própria do homem frívolo e egoísta: "Não gosto de comprometer–me com nada".

540 Não queres nem uma coisa – o mal – nem outra – o bem –... E assim, mancando dos dois pés, além de errares de caminho, a tua vida fica cheia de vazio.

541 "In medio virtus..." – A virtude está no meio, diz a sábia sentença, para nos afastar dos extremismos. – Mas não vás cair no logro de converter esse conselho em eufemismo para encobrires a tua comodidade, matreirice, tibieza, "malandragem", falta de ideais, aburguesamento.
Medita aquelas palavras da Escritura Santa: "oxalá fosses frio ou quente! Mas porque és tíbio, e não frio nem quente, estou para te vomitar da minha boca".

542 Nunca chegas ao miolo. Ficas sempre no acidental! – Permite–me que te repita com a Escritura Santa: não fazes mais do que "falar ao vento"!

543 Não te comportes tu como esses que, ouvindo um sermão, em vez de aplicarem a doutrina a si mesmos, julgam: como isto se aplica bem a Fulano!

544 Às vezes, alguns pensam que na calúnia não há má intenção: é a hipótese – dizem com que a ignorância explica o que desconhece ou não compreende, para se dar ares de bem informada.
Mas é duplamente má: por ser ignorante e por ser mentirosa.

545 Não fales com tanta irresponsabilidade... Não compreendes que, mal tu lanças a primeira pedra, outros – no anonimato – organizam um apedrejamento?

546 És tu mesmo quem cria essa atmosfera de descontentamento entre os que te rodeiam? – Perdoa então que te diga que, além de malvado, és... estúpido.

547 Perante a desgraça ou o erro, constitui uma triste satisfação poder dizer: "Eu já o tinha previsto".
Isso significaria que não te importavas com a desventura alheia: porque deverias tê–la remediado, se estava ao teu alcance.

548 Há muitos modos de semear desorientação... – Basta, por exemplo, apontar a exceção como regra geral.

549 Dizes que és católico... – Por isso, quanta pena me dás, quando verifico que as tuas convicções não são suficientemente sólidas para te levarem a viver um catolicismo de ação, sem soluções de continuidade e sem ressalvas.

550 Faria rir, se não fosse tão dolorosa, essa ingenuidade com que aceitas – por ligeireza, ignorância, complexo de inferioridade... – as balelas mais grosseiras.

551 Imaginam os tolos, os inescrupulosos, os hipócritas, que os outros são também da sua condição... E os tratam – isso é que é penoso – como se o fossem.

552 Já seria ruim que perdesses o tempo, que não é teu, mas de Deus, e para a sua glória. Mas se, além disso, fazes que outros o percam, diminuis por um lado o teu prestígio e, por outro, aumentas o esbulho da glória que deves a Deus.

553 Faltam–te a maturidade e o recolhimento próprios de quem caminha pela vida com a certeza de um ideal, de uma meta. – Reza à Virgem Santa, para que aprendas a exaltar a Deus com toda a tua alma, sem dispersões de nenhum gênero.

 «    NATURALIDADE    » 

554 Cristo ressuscitado: o maior dos milagres só foi visto por uns poucos..., os necessários. A naturalidade é a assinatura das obras divinas.

555 Quando se trabalha única e exclusivamente para a glória de Deus, tudo se faz com naturalidade, com simplicidade, como quem tem pressa e não pode deter–se em "grandes manifestações", para não perder esse trato – irrepetível e incomparável – com o Senhor.

556 "Por que razão" – perguntavas indignado – "o ambiente e os instrumentos de apostolado hão de ser feios, sujos... e complicados?" – E acrescentavas: "Mas se custa a mesma coisa!"
– A mim, a tua indignação pareceu–me muito razoável. E considerei que Jesus se dirigia e atraía a todos: pobres e ricos, jovens e anciãos... Como é amável e natural – sobrenatural – a Sua figura!

557 Para a eficácia, naturalidade. Que se pode esperar de um pincel – mesmo nas mãos de um grande pintor –, se envolvem os pelos numa carapuça de seda?

558 Os santos tornam–se sempre "incômodos" para os outros.

559 Santos, anormais?... Chegou a hora de arrancar esse preconceito.
Temos de ensinar, com a naturalidade sobrenatural de ascética cristã, que nem sequer os fenômenos místicos significam anormalidade: é essa a naturalidade desses fenômenos..., como outros processos psíquicos ou fisiológicos têm a sua.

560 Falava–te do horizonte que se abre diante dos nossos olhos, e do caminho que devemos percorrer. – Não tenho objeções!, declaraste, como que estranhado de "não as ter"...
– Grava bem isto na cabeça: é que não deve havê–las!!

561 Evita essa adulação ridícula que, talvez de um modo inconsciente, manifesta às vezes a quem governa, convertendo–te em alto–falante sistemático dos seus gostos ou das suas opiniões em pontos intranscendentes.
– Põe mais cuidado ainda, no entanto, em não te empenhares em apresentar os seus defeitos como pormenores simpáticos, mostrando uma familiaridade que o desautoriza, ou – chegando à deformação de converter o que não está certo em algo engraçado.

562 Crias à tua volta um clima artificial, de desconfiança, de suspeita, porque, quando falas, dás a impressão de estar jogando xadrez: cada palavra, pensando na quarta jogada posterior.
Repara que o Evangelho, ao relatar a triste figura cautelosa e hipócrita dos escribas e fariseus, diz que faziam perguntas a Jesus, expunham–Lhe questões, "ut caperent eum in sermone" – para retorce as suas palavras!– Foge desse comportamento.

563 A naturalidade nada tem que ver com a grosseria, nem com a sujeira, nem com a pobretice, nem com a má educação.
Alguns empenham–se em reduzir o serviço a Deus ao trabalho com o mundo da miséria e – perdoai – dos piolhos. Esta tarefa é e será necessária e admirável; mas, se ficarmos exclusivamente nisso, além de abandonarmos a imensa maioria das almas, quando tivermos tirado os necessitados dessa situação, iremos ignorá–los?

564 Dizes que és indigno? – Pois então... procuras tornar–te digno. E pronto.

565 Que ânsias tens de ser extraordinário!... – O que acontece contigo é... vulgaríssimo!

566 Bem–aventurada és tu porque acreditaste, diz Isabel à nossa Mãe. – A união com Deus, a vida sobrenatural, comporta sempre a prática atraente das virtudes humanas: Maria leva a alegria ao lar de sua prima, porque "leva" Cristo.

 «    VERACIDADE    » 

567 Fazias a tua oração diante de um Crucifixo, e tomaste esta decisão: é melhor sofrer pela verdade, do que a verdade ter que sofrer por mim.

568 Muitas vezes a verdade é tão inverossímil!..., sobretudo porque sempre exige coerência de vida.

569 Se te incomoda que te digam a verdade, então ... por que perguntas?
– Pretendes talvez que te respondam com a tua verdade, para justificares os teus descaminhos?

570 Garantes que tens muito respeito pela verdade... É por isso que te colocas sempre a uma distância tão "respeitosa"?

571 Não te comportes como um mentecapto: nunca é fanatismo querer conhecer cada dia melhor, e amar mais, e defender com maior segurança, a verdade que tens de conhecer, amar e defender.
Pelo contrário – digo–o sem medo–, caem no sectarismo os que se opõem a esta conduta lógica, em nome de uma falsa liberdade.

572 Torna–se fácil – o mesmo acontecia no tempo de Jesus Cristo– dizer "não": negar ou pôr reservas a uma verdade de fé. – Tu, que te declaras católico, tens que partir do "sim".
– Depois, mediante o estudo, serás capaz de expor os motivos da tua certeza: de que não há contradição – não pode havê–la– entre Verdade e ciência, entre Verdade e vida.

573 Não abandones a tarefa, não te afastes do caminho, mesmo que tenhas de conviver com pessoas cheias de preconceitos, como se a base dos raciocínios ou o significado dos termos se definissem pelo seu comportamento ou pelas suas afirmações.
– Esforça–te para que te entendam..., mas, se não o consegues, segue em frente.

574 Encontrarás pessoas a quem, pela sua obtusa teimosia, dificilmente poderás persuadir... Mas, fora esses casos, vale a pena esclarecer as discordâncias e esclarecê–las com toda a paciência que se faça necessária.

575 Alguns não ouvem – não desejam ouvir – senão as palavras que têm na sua cabeça.

576 Para tantos, a compreensão que exigem aos outros consiste em que todos passem para o seu partido.

577 Não posso acreditar na tua veracidade, se não sentes mal–estar – e um mal–estar incômodo! – ante a mentira mais pequena e inócua, que nada tem de pequena nem de inócua, porque é ofensa a Deus.

578 Por que olhas, e ouves, e lês, e falas com intenção baixa, e tratas de captar o "ruim" que habita não na intenção dos outros, mas somente na tua alma?

579 Quando não há retidão naquele que lê, torna–se difícil que descubra a retidão daquele que escreve.

580 O sectário só vê sectarismo em todas as atividades dos outros. Mede o próximo com a medida raquítica do seu coração.

581 Causou–me pena aquele homem de governo. Intuía a existência de alguns problemas, aliás lógicos na vida..., e se assustou e se aborreceu quando lhos comunicaram. Preferia desconhecê–los, viver com a meia–luz ou com a penumbra de sua visão, para permanecer tranqüilo.
Aconselhei–o a enfrentá–los com crueza e em plena luz, justamente para que deixassem de existir e assegurei–lhe que então, sim, viveria com a verdadeira paz.
Tu, não resolvas os problemas, próprios e alheios, ignorando–os: isso seria comodismo, preguiça, abrir a porta à ação do diabo.

582 Cumpriste com o teu dever?... A tua intenção foi reta?... Sim? – Então não te preocupes se há pessoas anormais, que descobrem o mal que só existe no seu olhar.

583 Perguntaram–te – inquisitivos – se julgavas boa ou má aquela tua decisão, que eles consideravam indiferente.
E, com a consciência segura, respondeste: "Somente sei duas coisas: que a minha intenção é limpa e que sei bem quanto me custa". E acrescentaste: Deus é a razão e o fim da minha vida, e por isso consta–me que não há nada indiferente.

584 Explicaste–lhe os teus ideais e a tua conduta, segura, firme, de católico: e pareceu que aceitava e compreendia o caminho. – Mas depois ficaste com a dúvida de saber se não teria abafado essa sua compreensão entre os seus costumes não muito corretos...
Procura–o de novo, e esclarece–lhe que a verdade é coisa que se aceita para vivê–la ou para tentar vivê–la.

585 Quem são eles para querer experimentar primeiro?... Por que têm que desconfiar?, comentaste–me. – Olha: responde–lhes, da minha parte, que desconfiem da sua própria miséria..., e prossegue com tranqüilidade os teus passos.

586 Dão–te compaixão... – Com uma total falta de galhardia, jogam a pedra e escondem a mão.
Olha o que sentencia deles o Espírito Santo: "Ficarão confusos e envergonhados todos os forjadores de erros; todos à uma serão cobertos de opróbrio". Sentença que se cumprirá inexoravelmente.

587 Dizes que são bastante os que difamam e murmuram daquele empreendimento apostólico?... – Pois bem, logo que tu proclames a verdade, pelo menos já haverá um que não criticará.

588 No trigal mais belo e promissor, é fácil carpir carradas de saramagos, de papoulas e de capim...
– A respeito da pessoa mais íntegra e responsável, não falta, ao longo da história, com que encher páginas negras... Pensa também quanto não têm falado e escrito contra Nosso Senhor Jesus Cristo.
– Aconselho–te que – como no trigal – colhas as espigas brancas e graúdas: a verdadeira verdade.

589 Para ti, que me afirmaste que queres ter uma consciência reta: não esqueças que acolher uma calúnia, sem impugná–la, é converter–se em coletor de lixo.

590 Essa tua propensão – abertura, como lhe chamas – para admitir facilmente qualquer afirmação que vá contra aquela pessoa, sem ouví–la, não é precisamente justiça..., e muito menos caridade.

591 A calúnia , às vezes, causa um mal aos que a padecem... Mas a quem verdadeiramente desonra é aos que a lançam e difundem..., e depois carregam esse peso no fundo da alma.

592 Por que tantos murmuradores?, perguntaste magoado. – Uns, por erro, por fanatismo ou por malícia. – Mas a maioria repete o boato por inércia, por superficialidade, por ignorância.
Por isso, volto a insistir: quando não puderes louvar, e não seja necessário falar, cala–te!

593 Quando a vítima caluniada padece em silêncio, os "carrascos" assanham–se na sua valente covardia.
Desconfia dessas afirmações rotundas, se aqueles que as propugnam não tentaram, ou não quiseram, falar com o interessado.

594 Existem muitos modos de fazer um inquérito. Com um pouco de malícia, dando ouvidos às murmurações, reúnem–se dez volumes de bom tamanho contra qualquer pessoa nobre ou entidade digna. – E mais, se essa pessoa ou entidade trabalha com eficácia. – E muito mais ainda, se essa eficácia é apostólica...
Triste tarefa a dos promotores, mas mais triste ainda a atitude dos que se prestam a servir de alto–falante a essas afirmações iníquas e superficiais.

595 Esses – dizia ele com pena – não apreendem Cristo, mas uma máscara de Cristo... Por isso carecem de critério cristão, não alcançam a verdade e não dão fruto.
Não podemos esquecer, nós os filhos de Deus, que o Mestre anunciou: "Quem vos ouve, a Mim me ouve..." – Por isso, temos de procurar ser Cristo; nuca a sua caricatura.

596 Neste caso, como em tantos outros, os homens mexem–se – todos julgam ter razão –..., e Deus os guia: quer dizer, por cima das suas razões particulares, acabará por triunfar a imperscrutável e amorosíssima Providência de Deus.
Deixa–te, pois, "guiar" pelo Senhor, sem te opores aos seus planos, ainda que contradigam as tuas "razões fundamentais".

597 É uma experiência penosa observar que alguns, menos preocupados em aprender, em tomar posse dos tesouros adquiridos pela ciência, se dedicam a construí–la ao seu gosto, com procedimentos mais ou menos arbitrários.
Mas essa comprovação deve levar–te a redobrar o teu empenho em aprofundar na verdade.

598 Mais cômodo do que pesquisar é escrever contra os que pesquisam, ou contra os que contribuem com novas descobertas para a ciência e para a técnica. – Mas não devemos tolerar que, além disso, esses "críticos" pretendam erigir–se em senhores absolutos do saber e da opinião dos ignorantes.

599 "Não fica claro, não fica claro", contrapunha aquele homem à afirmação segura dos outros... E o que ficava claro era a sua ignorância.

600 Aborrece–te ferir, criar divisões, demonstrar intolerâncias..., e vais transigindo em atitudes e pontos – não são graves, garantes! – que trazem conseqüências nefastas para tantos.
Perdoa a minha sinceridade: com esse modo de proceder, cais na intolerância – que tanto te aborrece – mais néscia e prejudicial: a de impedir que a verdade seja proclamada.

601 Deus, pela sua justiça e pela sua misericórdia – infinitas e perfeitas –, trata com o mesmo amor, e de modo desigual, os filhos desiguais.
Por isso, igualdade não significa medir a todos com a mesma bitola.

602 Dizes uma verdade a meias, com tantas possíveis interpretações, que se pode qualificar como... mentira.

603 A dúvida – no terreno da ciência, da fama alheia – é uma planta que se semeia facilmente, mas que custa muito a arrancar.

604 Fazes–me lembrar Pilatos: "Quod scripsi, scripsi!" – o que escrevi não se muda... – , depois de ter permitido o crime mais horrível. – És inamovível!, mas deverias ter assumido essa posição antes..., não depois!

605 É virtude manter–se coerente com as próprias resoluções. Mas, se com o passar do tempo mudam os dados, é também um dever de coerência retificar o enfoque e a solução do problema.

606 Não confundas a intransigência santa com a teimosia obtusa.
"Quebro, mas não me dobro", afirmas ufano e com certa altivez.
– Ouve–me bem: o instrumento quebrado torna–se imprestável, e deixa aberto o campo àqueles que, com aparente transigência, impõem depois uma intransigência nefasta.

607 "Sancta Maria, Sedes Sapientiae" – Santa Maria, Sede da Sabedoria. – Invoca com frequência, deste modo, a Nossa Mãe, para que ela cumule os seus filhos – no seu estudo, no seu trabalho, na sua convivência – da Verdade que Cristo nos trouxe.

 «    AMBIÇÃO    » 

608 Perante os que reduzem a religião a um cúmulo de negações, ou se conformam com um catolicismo de meias–tintas; perante os que querem pôr o Senhor de cara contra a parede, ou colocá–lo num canto da alma..., temos de afirmar, com as nossa palavras e com as nossas obras, que aspiramos a fazer de Cristo um autêntico Rei de todos os corações..., também dos deles.

609 Não trabalhes em empreendimentos apostólicos, construindo somente para agora... Dedica–te a essas tarefas com a esperança de que outros – irmãos teus com o mesmo espírito – colham o que semeias a mãos cheias e arrematem os edifícios que vais alicerçando.

610 Quando o espírito cristão te animar de verdade, os teus anseios se irão retificando. – Já não sentirás ânsias de conseguir renome, mas de perpetuar o teu ideal.

611 Se não é para construir uma obra muito grande, muito de Deus – a santidade –, não vale a pena entregar–se.
Por isso, a Igreja – ao canonizar os santos – proclama a heroicidade de sua vida.

612 Quando trabalhares a sério pelo Senhor, a tua maior satisfação consistirá em que haja muitos que te façam concorrência.

613 Nesta hora de Deus, a da tua passagem pela terra, decide–te de verdade a realizar alguma coisa que valha a pena; o tempo urge, e é tão nobre, tão heróica, tão gloriosa a missão do homem e da mulher sobre a terra, quando acendem no fogo de Cristo os corações murchos e apodrecidos!
– Vale a pena levar aos outros a paz e a felicidade de uma rija e jubilosa cruzada.

614 Jogas a vida pela honra... Joga a honra pela alma.

615 Pela Comunhão dos Santos, tens de sentir–te muito unido aos teus irmãos. Defende sem medo essa bendita unidade!
– Se te encontrasses só, as tuas nobres ambições estariam condenadas ao fracasso: uma ovelha isolada é quase sempre uma ovelha perdida.

616 Achei graça à tua veemência. Perante a falta de meios materiais de trabalho e sem a ajuda dos outros, comentavas; "Eu só tenho dois braços, mas às vezes sinto a impaciência de ser um monstro com cinquenta, para semear e apanhar a colheita".
– Pede ao Espírito Santo essa eficácia... Ele ta concederá!

617 Chegaram–te às mãos dois livros em russo, e deu–te uma vontade enorme de estudar essa língua. Imaginavas a beleza de morrer como grão de trigo nessa nação, agora tão árida, que com o tempo dará crescidos trigais...
– Acho bem as tuas ambições. Mas, agora, dedica–te ao pequeno dever, à grande missão de cada dia, ao teu estudo, ao teu trabalho, ao teu apostolado e, sobretudo, à tua formação, que – pelo muito que ainda deves podar – não é tarefa nem menos heróica nem menos bela.

618 Para que serve um estudante que não estuda?

619 Quando estudar se torne para ti uma encosta muito árdua, oferece a Jesus esse esforço. Dize–lhe que continuas debruçado sobre os livros para que a tua ciência seja a arma com que combatas os teus inimigos e ganhes muitas almas para Ele... Então poderás ter a certeza de que o teu estudo leva caminho de converter–se em oração.

620 Se perdes as horas e os dias, se matas o tempo, abres as portas da tua alma ao demônio. Esse comportamento equivale a sugerir–lhe: "Aqui tens a tua casa".

621 Dizes que é difícil não perder o tempo – Concedo–te... Mas olha que o inimigo de Deus, os "outros", não descansam.
Além disso, lembra–te desta verdade que Paulo, um campeão do amor de Deus, proclama: "Tempus breve est!" – esta vida escapa–nos das mãos, e não existe a possibilidade de recuperá–la.

622 Tens consciência do que significa seres ou não uma pessoa com sólida preparação? – Quantas almas!...
– E agora deixarás de estudar ou de trabalhar com perfeição?

623 Existem duas maneiras de alcançar altura: uma – cristã – , pelo esforço nobre e galhardo de subir para servir os demais homens; e outra pagã –, pelo esforço baixo e ignóbil de afundar o próximo.

624 Não me afirmes que vives de cara para Deus, se não te esforças por viver – sempre e em tudo – com sincera e clara fraternidade de cara para os homens, para qualquer homem.

625 Os "ambiciosos" – de pequenas e miseráveis ambições pessoais – não entendem que os amigos de Deus aspirem a "alguma coisa", por serviço, e sem "ambição".

626 Uma ansiedade te consome: a pressa em forjar–te logo, em moldar–te, em martelar–te e polir–te, para chegares a ser a peça harmônica que cumpra eficazmente a tarefa prevista, a missão atribuída..., no grande campo de Cristo.
Rezo muito por ti, para que esse anseio seja acicate na hora do cansaço, do malogro, da obscuridade..., porque "a missão atribuída no grande campo de Cristo" não pode mudar.

627 Precisas lutar decididamente contra essa falsa humildade – comodismo, é como deverias chamá–la –, que te impede de comportar–te com a maturidade do bom filho de Deus: tens de crescer!
– Não te causa vergonha ver que os teus irmãos mais velhos levam anos de trabalho abnegado, e que tu ainda não és capaz – não queres ser capaz – de mexer um dedo para ajudá–los?

628 Deixa que a tua alma se consuma em desejos... Desejos de amor, de esquecimento próprio, de santidade, de Céu... Não te detenhas a pensar se chegarás alguma vez a vê–los realizados, como te sugerirá algum sisudo conselheiro; aviva–os cada vez mais, porque o Espírito Santo diz que Lhe agradam os "varões de desejos".
Desejos operantes, que tens de pôr em prática na tarefa cotidiana.

629 Se o Senhor te chamou "amigo", tens de responder à chamada, tens de caminhar com passo rápido, com a urgência necessária: ao passo de Deus! Caso contrário, corres o risco de ficar em simples espectador.

630 Esquece–te de ti mesmo... Que a tua ambição seja a de não viveres senão para os teus irmãos, para as almas, para a Igreja; numa palavra, para Deus.

631 No meio do júbilo da festa, em Caná, apenas Maria repara na falta de vinho... Até aos menores detalhes de serviço chega a alma se, como Ela, vive apaixonadamente pendente do próximo, por Deus.

 «    HIPOCRISIA    » 

632 Aos que a cultivam, a hipocrisia faz levar sempre uma vida de mortificação amarga e rancorosa.

633 Diante de propostas como a de Herodes – "Ide e informai–vos pontualmente do que há sobre esse menino e, tendo–o achado, avisai–me para que eu também vá adorá–lo" –, peçamos ao Espírito Santo a sua ajuda, para que nos guarde das "proteções ou das boas promessas" de aparentes bem–intencionados.
– Não nos faltará a luz do Paráclito se, como os Magos, procurarmos a verdade e falarmos com sinceridade.

634 Então há quem se incomode porque dizes as coisas claramente?
– Talvez estejam procedendo com a consciência turva, e precisem encobri–la desse modo.
– Persevera na tua conduta, para ajudá–los a reagir.

635 Enquanto interpretares com má fé as intenções alheias, não terás o direito de exigir compreensão para ti mesmo.

636 Falas continuamente de que é preciso corrigir, de que é preciso reformar. Muito bem...: reforma–te tu! – que boa falta te faz–, e já terás começado a reforma.
– Enquanto não o fizeres, não darei crédito às tuas proclamações de renovação.

637 Há alguns tão farisaicos que... se escandalizam quando vêem que outras pessoas repetem exatamente o mesmo que antes escutaram dos seus lábios.

638 És tão intrometido, que parece que não te ocupa outra missão que a de bisbilhotar na vida do próximo. E quando, por fim, tropeçaste com um homem digno, de vontade enérgica, que te deu um "basta!", lamentas–te publicamente como se tivesse ofendido.
– Até aí chega o teu impudor e a tua consciência deformada..., e a de muitos.

639 Numa só jogada, pretendes apropriar–te da "honradez" da opinião verdadeira e das "vantagens" ignóbeis da opinião oposta...
– Isso, em qualquer língua, chama–se duplicidade.

640 Que bondade a daqueles!!... – Estão dispostos a "desculpar" o que só merece louvor.

641 Velho ardil, o do perseguidor que se diz perseguido... – O povo denunciou–o há muito tempo em claro adágio: atirar a pedra e sair gemendo.

642 Será verdade que – infelizmente – são numerosos os que faltam à justiça com as suas calúnias e, depois, invocam a caridade e a honradez, para que a sua vítima não possa defender–se?

643 Triste ecumenismo esse que anda na boca de católicos que maltratam outros católicos!

644 Que errônea visão da objetividade! Focalizam as pessoas ou as iniciativas com as lentes deformadas dos seus próprios defeitos e, com ácida desvergonha, criticam ou se permitem vender conselhos.
– Propósito concreto: ao corrigir ou aconselhar, falar na presença de Deus, aplicando essas mesmas palavras à nossa conduta.

645 Não recorras nunca ao método – sempre deplorável – de organizar agressões caluniosas contra ninguém... Muito menos em nome de motivos moralizantes, que nunca justificam uma ação imoral.

646 Que errônea visão da objetividade! Focalizam as pessoas ou as iniciativas com as lentes deformadas dos seus próprios defeitos e, com ácida desvergonha, criticam ou se permitem vender conselhos.
– Propósito concreto: ao corrigir ou aconselhar, falar na presença de Deus, aplicando essas mesmas palavras à nossa conduta.

647 Maria nem a José comunica o mistério que Deus operou nEla. – Para que nos habituemos a não ser levianos, a dar o rumo devido às nossas alegrias e às nossas tristezas: sem procurar que nos exaltem ou que se compadeçam de nós. "Deo omnis gloria!" – tudo para Deus!

 «    VIDA INTERIOR    » 

648 Consegue mais aquele que importuna mais de perto... Por isso, aproxima–te de Deus: empenha–te em ser santo.

649 Gosto de comparar a vida interior a uma veste, à veste nupcial de que fala o Evangelho. O tecido compõe–se de cada um dos hábitos ou práticas de piedade que, como fibras, dão vigor ao pano. E assim como se despreza um terno com um rasgão, mesmo que o resto esteja em boas condições, se fazes oração, se trabalhas..., mas não és penitente – ou ao contrário –, a tua vida interior não é, por assim dizer, cabal.

650 Vamos ver quando acabas de entender que o teu único caminho possível é procurar seriamente a santidade!
Decide–te – não te ofendas– a tomar Deus a sério. Essa tua leviandade, se não a combates, pode terminar numa triste farsa blasfema.

651 Umas vezes, deixas que salte o teu mau caráter, esse que em mais de uma ocasião aflora com uma dureza disparatada. Outras, não te ocupas em compor o teu coração e a tua cabeça, a fim de que sejam aposento regalado para a Santíssima Trindade... E sempre, acabas por ficar um tanto longe de Deus, que conheces pouco...
– Assim, nunca terás vida interior.

652 "Iesus Christus, perfectus Deus, perfectus Homo" – Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem.
São muitos os cristãos que seguem a Cristo, pasmados ante a sua divindade, mas O esquecem como Homem..., e fracassam no exercício das virtudes sobrenaturais – apesar de toda a armação externa de piedade –, porque não fazem nada por adquirir as virtudes humanas.

653 Remédio para tudo: santidade pessoal!! – Por isso os santos estiveram cheios de paz, de fortaleza, de alegria, de segurança...

654 Até agora não tinhas compreendido a mensagem que nós, os cristãos, trazemos aos demais homens: a escondida maravilha da vida interior.
Que mundo novo estás colocando diante deles!

655 Quantas coisas novas descobriste! – No entanto, às vezes és um ingênuo, e pensas que já viste tudo, que já estás a par de tudo... Depois, tocas com as mãos a riqueza única e insondável dos tesouros do Senhor, que sempre te mostrará "coisas novas", se correspondes com amor e delicadeza; e então compreendes que estás no princípio do caminho, porque a santidade consiste na identificação com Deus, com esse nosso Deus que é infinito, inesgotável.

656 É com o Amor, mais do que com o estudo, que se chegam a compreender as "coisas de Deus".
Por isso, tens que trabalhar, tens que estudar, tens que aceitar a doença, tens que ser sóbrio... amando!

657 Para o teu exame diário: deixei passar alguma hora sem falar com meu Pai–Deus?... Conversei com Ele, com amor de filho? – Podes!

658 Não queiramos enganar–nos... – Deus não é uma sombra, um ser longínquo, que nos cria e depois nos abandona; não é um amo que se vai e não volta mais. Ainda que não o percebamos com os nossos sentidos, a sua existência é muito mais verdadeira que a de todas as realidades que tocamos e vemos. Deus está aqui, conosco, presente, vivo; Ele nos vê, nos ouve, nos dirige, e contempla as nossas menores ações, as nossas intenções mais escondidas.
Acreditamos nisto..., mas vivemos como se Deus não existisse! Porque não temos para Ele nem um pensamento, nem uma palavra; porque não Lhe manifestamos amor, nem O desagravamos...
Vamos continuar a viver com uma fé morta?

659 Se tivesses presença de Deus, quantas atuações "irremediáveis" remediarias!

660 Como podes viver a presença de Deus, se não fazes mais do que olhar para toda a parte?...
– Estás como que bêbado de futilidades.

661 É possível que esta palavra te assuste: meditação. – Recorda–te livros de capas pretas e velhas, ruídos de suspiros ou de rezas como cantilenas rotineiras... Mas isso não é meditação.
Meditar é considerar, contemplar que Deus é Pai, e tu, seu filho, necessitado de ajuda; e depois dar–lhe graças pelo que já te concedeu e por tudo o que te dará.

662 O único meio de conhecer Jesus: chegar ao trato com Ele! NEle encontrarás sempre um Pai, um Amigo, um Conselheiro e um Colaborador para todas as atividades nobres da tua vida cotidiana...
– E, com o trato íntimo, nascerá o Amor.

663 Se és tenaz em assistir diariamente a umas aulas, só porque ali adquires uns conhecimentos... muito limitados, como é que não tens constância para freqüentar o Mestre, sempre desejoso de ensinar–te a ciência da vida interior, de sabor e conteúdo eternos?

664 Que vale o maior homem, ou o maior galardão da terra, comparados com Jesus Cristo, que está sempre à tua espera?

665 Um tempo de meditação diária – união de amizade com Deus – é coisa própria de pessoas que sabem aproveitar retamente a sua vida; de cristãos conscientes que agem com coerência.

666 Os namorados não sabem dizer adeus um ao outro: acompanham–se sempre.
Tu e eu, amamos assim o Senhor?

667 Não viste como, para agradar e bem parecer, se arrumam os que se amam?
– Assim deves arrumar e compor a tua alma.

668 Em geral, a graça atua como a natureza: por graus. – Não podemos propiamente antecipar–nos à ação da graça: mas, naquilo que depende de nós, temos de preparar o terreno e cooperar, quando Deus no–la concede.
É mister conseguir que as almas apontem muito alto: empurrá–las para o ideal de Cristo; levá–las até as últimas conseqüências, sem atenuantes nem paliativos de espécie alguma, sem esquecer que a santidade não é primordialmente questão de braços. Normalmente, a graça segue as suas horas, e não gosta de violências.
Fomenta as tuas santas impaciências..., mas não percas a paciência.

669 Corresponder à graça divina – perguntas – é uma questão de justiça..., de generosidade...?
– De Amor!

670 "Os assuntos fervem na minha cabeça nos momentos mais inoportunos...", dizes.
Por isso te recomendei que tratasses de conseguir uns tempos de silêncio interior..., e a guarda dos sentidos internos e externos.

671 "Fica conosco, porque escureceu..." Foi eficaz a oração de Cléofas e do seu companheiro.
– Que pena se tu e eu não soubéssemos "deter" Jesus que passa! Que dor, se não Lhe pedimos que fique!

672 Esse minutos diários de leitura do Novo Testamento que te aconselhei – metendo–te e participando no conteúdo de cada cena, como um protagonista mais –, são para que encarnes, para que "cumpras" o Evangelho na tua vida... e para que o "faças cumprir".

673 Antes "divertias–te" muito... – Mas agora, que trazes Cristo em ti, a tua vida encheu–se de sincera e comunicativa alegria. Por isso atrais outros.
– Frequenta–O mais, para chegares a todos.

674 Cuidado: segura–te bem! – Procura que, ao elevares tu a temperatura do ambiente que te rodeia, não baixe a tua.

675 Acostuma–te a referir tudo a Deus.

676 Não observas como muitos dos teus companheiros sabem demonstrar grande delicadeza e sensibilidade, no seu trato com as pessoas que ama: a namorada, a mulher, os filhos, a família...?
– Tens que dizer–lhes – e exigir isso de ti mesmo! – que o Senhor não merece menos: que O tratem assim! e aconselha–os, além disso, a continuarem com essa delicadeza e essa sensibilidade, mas vividas com Ele e por Ele, e alcançarão uma felicidade nunca dantes sonhada, também aqui na terra.

677 O Senhor semeou na tua alma boa semente. E valeu–se – para essa sementeira de vida eterna – do meio poderoso da oração: porque tu não podes negar que, muitas vezes, estando diante do Sacrário, cara a cara, Ele te fez ouvir – no fundo da tua alma – que te querias para Si, que tinhas que deixar tudo... Se agora negas isso, és um miserável traidor; e, se o esqueceste, és um ingrato.
Valeu–se também – não duvides disso, como não duvidaste até agora – dos conselhos ou insinuações sobrenaturais do teu Diretor, que te repetiu insistentemente palavras que não deves passar por alto; e valeu–se no começo, além disso – sempre para depositar a boa semente na tua alma –, daquele amigo nobre, sincero, que te disse verdades fortes, cheias de amor de Deus.
– Mas, com ingênua surpresa, descobriste que o inimigo semeou joio na tua alma. E que continua semeá–lo, enquanto tu dormes comodamente e amoleces na tua vida interior. – Esta, e não outra, é a razão pela qual encontras na tua alma plantas pegajosas, mundanas, que de vez em quando parece que vão afogar o grão de trigo bom que recebeste...
– Arranca–as de uma vez! Basta–te a graça de Deus. Não temas que deixem um vazio, uma ferida... O Senhor colocará aí uma nova semente sua: amor de Deus, caridade fraterna, ânsias de apostolado... E, passado o tempo, não permanecerá nem o menor rasto de joio – desde que agora, que estás em tempo, o extirpes pela raiz; e melhor, se não dormes e vigias de noite o teu campo.

678 Felizes aquelas almas bem–aventuradas que, quando ouvem falar de Jesus – e Ele nos fala constantemente –, O reconhecem na hora como o Caminho, a Verdade e a Vida!
– Bem sabes que, quando não participamos dessa felicidade, é porque nos faltou a determinação de seguí–lo.

679 Mais uma vez sentiste Cristo muito perto. – E mais uma vez compreendeste que tens que fazer tudo por Ele.

680 Aproxima–te mais do Senhor..., mais! – Até que se converta em teu Amigo, teu Confidente, teu Guia.

681 Cada dia te notas mais metido em Deus..., dizes. – Então, cada dia estarás mais perto dos teus irmãos.

682 Se até agora, antes de encontrá–Lo, querias correr na tua vida com os olhos abertos, para estares a par de tudo; a partir deste momento..., toca a correr com o olhar limpo!, para veres com Ele o que verdadeiramente te interessa.

683 Quando há vida interior, recorre–se a Deus, perante qualquer contrariedade, com a espontaneidade com que o sangue acode à ferida.

684 "Isso é o meu Corpo...", e Jesus imolou–se, ocultando–se sob as espécies de pão. Agora está ali, com a sua Carne e com o seu Sangue, com a sua Alma e com a sua Divindade: exatamente como no dia em que Tomé meteu os dedos em suas Chagas gloriosas.
Contudo, em tantas ocasiões, tu passas ao largo, sem esboçar sequer um breve cumprimento de simples cortesia, como fazes com qualquer pessoa conhecida que encontras de passagem.
– Tens bastante menos fé que Tomé!

685 Se, para libertar–te, tivessem posto na cadeia um teu amigo íntimo, não procurarias ir visitá–lo, conversar um pouco com ele, levar–lhe presentes, calor de amizade, consolo?... E, se essa conversa com o encarcerado fosse para salvar–te a ti de um mal e proporcionar–te um bem..., tu a abandonarias? E se, em vez de um amigo, se tratasse do teu próprio pai ou do teu irmão?
– Então!

686 Jesus ficou na Hóstia Santa por nós!: para permanecer ao nosso lado, para amparar–nos, para guiar–nos. – E amor somente com amor se paga.
– Como não havemos de ir ao Sacrário, todos os dias, nem que seja apenas por uns minutos, para levar–lhe a nossa saudação e o nosso amor de filhos e de irmãos?

687 Viste a cena? – Um sargento qualquer ou um tenentinho com pouco comando...; pela frente, aproxima–se um pracinha bem apessoado, de condições incomparavelmente melhores que as dos oficiais, e não faltam nem a continência nem a resposta.
– Medita no contraste. – Lá do Sacrário dessa igreja, Cristo – perfeito Deus, perfeito Homem – que morreu por ti na Cruz, e que te dá todos os bens de que necessitas..., aproxima–te de ti. E tu passas sem reparar.

688 Começas–te com a tua visita diária...– Não me admira que me digas: começo a amar com loucura a luz do Sacrário.

689 Que não falte diariamente um "Jesus, eu te amo" e uma comunhão espiritual – ao menos – , como desagravo por todas as profanações e sacrilégios que Ele sofre por estar conosco.

690 Não se cumprimentam e se tratam com cordialidade todas as pessoas queridas? – Pois bem, vamos tu e eu cumprimentar – muitas vezes ao dia – Jesus, Maria e José, e o nosso Anjo da Guarda.

691 Deves ter uma devoção intensa à Nossa Mãe. Ela sabe corresponder com primor às delicadezas que lhe manifestamos.
Além disso, se rezas o terço todos os dias, com espírito de fé e de amor, a Senhora se encarregará de levar–te muito longe pelo caminho do seu Filho.

692 Sem o auxílio de Nossa Mãe, como havemos de manter–nos firmes na luta diária? – Procuras esse auxílio constantemente?

693 O Anjo da Guarda acompanha–nos sempre como testemunha especialmente qualificada. Será ele quem, no teu juízo particular, recordará as delicadezas que tiveres tido com Nosso Senhor, ao longo da tua vida. Mais ainda: quando te sentires perdido pelas terríveis acusações do inimigo, o teu Anjo apresentará aqueles impulsos íntimos – talvez esquecidos por ti mesmo –, aquelas manifestações de amor que tenhas dedicado a Deus Pai, a Deus Filho, a Deus Espírito Santo.
Por isso, não esqueças nunca o teu Anjo da Guarda, e esse Príncipe do Céu não te abandonará agora, nem no momento decisivo.

694 As tuas comunhões eram muito frias: prestavas pouca atenção ao Senhor; qualquer bagatela te distraía... – Mas, desde que pensas – nesse teu íntimo colóquio com Deus – que estão presentes os Anjos, a tua atitude mudou...: "Que não me vejam assim!", dizes para ti mesmo...
– E olha como, com a força do "que vão dizer?" – desta vez para bem –, avançaste um pouquinho em direção ao Amor.

695 Sempre que te vejas com o coração seco, sem saber o que dizer, recorre com confiança à Virgem Santíssima. Dize–lhe: Minha Mãe Imaculada intercedei por mim.
Se a invocares com fé, Ela te fará saborear – no meio dessa secura – a proximidade de Deus.

 «    SOBERBA    » 

696 Arrancar pela raiz o amor próprio e meter o amor a Jesus Cristo: nisto radica o segredo da eficácia e da felicidade.

697 Embora afirmes que O segues, de uma maneira ou de outra sempre pretendes ser "tu" mesmo a agir, segundo os "teus" planos e unicamente com as "tuas" forças. – Mas o Senhor disse: "Sine me nihil!" – sem Mim, nada podes fazer.

698 Ignoraram isso que tu chamas o teu "direito", que eu te traduzi como o teu "direito à soberba"... Pobre espantalho! – Sentiste, porque não podias defender–te – o atacante era poderoso –, a dor de cem bofetões. – E, apesar de tudo, não aprendes a humilhar–te.
Agora é a tua consciência que te argúi: chama–te soberbo... e covarde. – Dá graças a Deus, porque já vais entrevendo o teu "dever da humildade".

699 Estás cheio de ti, de ti, de ti... – E não serás eficaz enquanto não te deixares invadir por Ele, por Ele, por Ele, atuando "in nomine Domini" – em nome e com a força de Deus.

700 Como pretendes seguir a Cristo, se giras somente em volta de ti mesmo?

701 Uma preocupação impaciente e desordenada por subir profissionalmente pode disfarçar o amor próprio sob o pretexto de "servir as almas". Com falsidade – não tiro uma letra _, forjamos a justificativa de que não devemos desaproveitar certas conjunturas, certas circunstâncias favoráveis...
Volve os teus olhos para Jesus: Ele é "o Caminho". Também durante os seus anos escondidos surgiram conjunturas e circunstâncias "muito favoráveis", para antecipar a sua vida pública. Aos doze anos, por exemplo, quando os doutores da lei se admiraram das suas perguntas e das suas respostas... Mas Jesus Cristo cumpre a Vontade de seu Pai, e espera: obedece!
– Sem perderes essa santa ambição de levar o mundo inteiro a Deus, quando se insinuarem essas iniciativas – quem sabe, ânsia de deserção –, lembra–te de que te toca a ti obedecer e ocupar–te dessa tarefa obscura, pouco brilhante, enquanto o Senhor não te pedir outra coisa: Ele tem os seus tempos e as suas sendas.

702 Fátuos e soberbos, é assim que se revelam todos aqueles que abusam da sua situação de privilégio – dada pelo dinheiro, pela linhagem, pelo grau hierárquico, pelo cargo, pela inteligência... – para humilhar os menos favorecidos.

703 A soberba, mais cedo ou mais tarde, acaba por humilhar, diante dos outros, o homem "mais homem", que atua como uma marionete vaidosa e sem cérebro, movida pelos fios que satanás aciona.

704 Por presunção ou por simples vaidade, muitos mantêm um "mercado negro", para fazer subir artificialmente os seus próprios valores pessoais.

705 Cargos... Em cima ou em baixo? – Tanto te faz!... – Tu vieste – assim o garantes – para ser útil, para servir, com uma disponibilidade total: então porta–te em conseqüência.

706 Ficas falando, criticando... Parece que, sem ti, nada se faz bem.
– Não te zangues se te digo que te comportas como um déspota arrogante.

707 Se com lealdade, caridosamente, um bom amigo te faz ver, a sós, pontos que desfeiam a tua conduta, levanta–te dentro de ti a convicção de que se engana: não te compreende. Com esse falso convencimento, filho de seu orgulho, sempre serás incorrigível.
– Dás–me pena: falta–te decisão para procurar a santidade.

708 Malicioso, suspicaz, complicado, desconfiado, receoso..., adjetivos todos que mereces, ainda que te incomodem.
– Retifica! Por que os outros hão de ser sempre maus... e tu bom?

709 Encontras–te só..., queixas–te..., tudo te incomoda. – Porque o teu egoísmo te isola dos teus irmãos, e porque não te aproximas de Deus.

710 Sempre pretendendo que façam caso de ti ostensivamente!... Mas, sobretudo, que façam mais caso de ti que dos outros!

711 Por que ficas imaginando que tudo o que te dizes tem segunda intenção?... Com a tua suscetibilidade, estás limitando continuamente a ação da graça, que te chega por meio da palavra, não tenhas dúvida, dos que lutam por ajustar as suas obras ao ideal de Cristo.

712 Enquanto continuares persuadido de que os outros têm que viver sempre pendentes de ti, enquanto não te decidires a servir – a ocultar–te e desaparecer –, o convívio com os teus irmãos, com os teus colegas, com os teus amigos, será fonte contínua de desgostos, de mau humor...– de soberba.

713 Detesta a jactância. – Repudia a vaidade. – Combate o orgulho, cada dia, a cada instante.

714 Os pobrezinhos dos soberbos sofrem por mil e uma pequenas tolices, que o seu amor próprio agiganta, e que aos outros passam desapercebidas.

715 Julgas que aos outros nunca tiveram vinte anos? Julgas que nunca estiveram sitiados pela família, como menores de idade? Julgas que lhes foram poupados os problemas – mínimos ou não tão mínimos – com os quais tropeças?... Não. Eles passaram pelas mesmas circunstâncias que tu atravessa agora, e fizeram–se homens maduros – com a ajuda da graça –, espezinhando o seu eu com perseverança generosa, cedendo no que se podia ceder, e mantendo–se leais, sem arrogância e sem ferir – com serena humildade –, quando não se podia.

716 Ideologicamente, és muito católico. Agrada–te o ambiente dessa Residência universitária... Pena que a missa não seja ao meio–dia, e as aulas à tarde, para estudares depois do jantar, saboreando um ou dois cálices de conhaque! – Esse teu "catolicismo" não corresponde à verdade, fica em simples aburguesamento.
– Não compreendes que não se pode pensar assim na tua idade? Sai da tua poltronice, da tua egolatria..., e ajusta–te às necessidades dos outros, à realidade que te rodeia, e viverás à sério o catolicismo.

717 "Esse santo – dizia aquele, que tinha doado a imagem exposta ao culto –... deve–me tudo o que é."
Não penses que é uma caricatura: também tu consideras – ao menos, é o que parece pelo teu comportamento – que cumpres com Deus, por trazeres umas medalhas ou por umas práticas de piedade, mais ou menos rotineiras.

718 Que vejam as minhas boas obras!... – Mas não percebes que parece que as levas num cesto de bugigangas, para que as contemplem as tuas qualidades?
Além disso, não te esqueças da segunda parte do que Jesus mandou: "e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus."

719 "A mim mesmo, com a admiração que me devo." – Foi o que escreveu na primeira página de um livro. E o mesmo poderiam estampar muitos outros coitados, na última página de sua vida.
Que pena se tu e eu vivêssemos ou terminássemos assim! – Vamos fazer um exame sério.

720 Não tomes nunca uma atitude de suficiência perante as coisas da Igreja, nem perante os homens teus irmãos... Mas, em contrapartida, essa atitude pode ser necessária na atuação social, quando se trata de defender os interesses de Deus e das almas, porque já não se trata de suficiência, mas de fé e fortaleza, que viveremos com serena e humilde segurança.

721 É indiscreto, pueril e chocho dizer amabilidades dos outros ou elogiar as suas qualidades, diante dos interessados.
– Assim se fomenta a vaidade, e se corre o risco de "roubar" glória de Deus, a Quem tudo se deve.

722 Procura que a tua intenção esteja sempre acompanhada pela humildade. Porque, com frequência, às boas intenções se unem a dureza no juízo, uma quase incapacidade de ceder, e um certo orgulho pessoal, nacional ou de grupo.

723 Não desanimes com os teus erros: reage. – A esterilidade não é tanto conseqüência das faltas – sobretudo se nos arrependemos – quanto da soberba.

724 Se caíste, levanta–te com mais esperança... Só o amor próprio não compreende que o erro, quando é retificado, ajuda a conhecer–se e a humilhar–se.

725 "Não servimos para nada". – Afirmação pessimista e falsa. – Se se quer, com a graça de Deus – requisito prévio e fundamental – , pode–se chegar a servir, como bom instrumento, em muitos empreendimentos

726 Fez–me pensar a frase dura, mas exata, daquele homem de Deus, ao contemplar a arrogância daquela criatura: "Veste–me com a mesma pele do diabo, a soberba."
E senti na alma, por contraste, o desejo sincero de me revestir da virtude que Jesus Cristo pregou "quia mitis sum det humilis corde" – sou manso e humilde de coração –; e que atraiu o olhar de Trindade Santíssima sobre a sua Mãe e nossa Mãe: a humildade, o saber–nos e sentir–nos nada.

 «    AMIZADE    » 

727 Sempre que te custe fazer um favor, um seviço a uma pessoa, pensa que ela é filha de Deus, lembra–te de que o Senhor mandou que nos amássemos uns aos outros.
– Mais ainda: aprofunda cotidianamente neste preceito evangélico; não fiques na superfície. Tira as consequências – é muito fácil –, e acomoda a tua conduta de cada instante a esse apelo.

728 Vive–se de modo tão precipitado, que a caridade cristã passou a constituir um fenômeno estranho neste mundo, por mais que – ao menos nominalmente – se pregue a Cristo...
– Admito. Mas, que fazes tu que, como católico, tens de identificar–te com Ele e seguir as suas pegadas? Porque Ele nos indicou que temos de ir ensinar a sua doutrina a todas as gentes – a todas! – e em todos os tempos.

729 Os homens – como aconteceu sempre na história – coligam as suas vidas para cumprirem uma missão e um destino coletivos.
– Será que vale menos, para os homens e mulheres de hoje, o "único destino" da felicidade eterna?

730 Compreendeste o sentido da amizade quando chegaste a sentir–te como o pastor de um pequeno rebanho, que tinhas abandonado, e que agora procuras reunir novamente, ocupando–te em servir a cada um.

731 Não podes ser apenas um elemento passivo. Tens de converter–te em verdadeiro amigo dos seus amigos: " ajudá–los". Primeiro, com o exemplo da tua conduta. E depois, com o teu conselho e com o ascendente que a intimidade dá.

732 Entusiasmou–te esse espírito de irmandade e companheirismo, que descobriste inesperadamente ... – Claro: é coisa que tinhas sonhado com tanta força, mas que nunca tinhas visto. Não o tinhas visto porque os homens se esquecem de que são irmãos de Cristo, desse amável Irmão nosso, que entregou a sua vida pelos outros, por todos e por cada um, sem condições.

733 Tiveste a grande sorte de encontrar mestres de verdade, amigos autênticos, que te ensinaram sem reservas tudo quanto quisestes saber; não precisastes de artimanhas para lhes "roubar" a sua ciência, porque te indicaram o caminho mais fácil, embora a eles lhes tenha custado duro trabalho e sofrimentos descobri–lo... Agora, toca–te a ti fazer outro tanto, com este, com aquele, com todos!

734 Medita bem nisto e tira as consequências: essas pessoas, que te acham antipático, deixarão de pensar assim quando perceberem que "verdadeiramente" lhes queres bem. Depende de ti.

735 Não basta que sejas bom: tens de parecê–lo. Que dirias de uma roseira que não produzisse senão espinhos?

736 Para caldear os tíbios, é preciso rodeá–los com o fogo do entusiasmo.
Muitos poderiam gritar–nos: Não lamenteis o meu estado! Ensinai–me o caminho para sair desta situação, que tanto vos entristece!

737 O dever da fraternidade, para com todas as almas, far–te–á exercitar "o apostolado das coisas pequenas", sem que o notem: com ânsias de serviço, de modo que o caminho se lhes mostre amável.

738 Que alma tão estreita a dos que guardam zelosamente a sua "lista de agravos"!... Com esses infelizes, é impossível conviver.
A verdadeira caridade, assim como não contabiliza os "constantes e necessários" serviços que presta, também não anota – "omnia suffert", tudo suporta – as desfeitas que padece.

739 Cumpres um plano de vida exigente: madrugas, fazes oração, frequentas os Sacramentos, trabalhas ou estudas muito, és sóbrio, mortificas–te..., mas notas que te falta alguma coisa!
Leva ao teu diálogo com Deus esta consideração: uma vez que a santidade – a luta por alcançá–la – é a plenitude da caridade, tens que revisar o teu amor a Deus e, por Ele, aos outros.
Talvez descubras então, escondidos na tua alma, grandes defeitos, contra os quais nem sequer lutavas: não és bom filho, bom irmão, bom companheiro, bom amigo, bom colega: e, como amas desordenadamente a "tua santidade", és invejoso.
"Sacrificas–te" em muitos detalhes "pessoais": por isso estás apegado ao teu eu, à tua pessoa e, no fundo, não vives para Deus nem para os outros: só para ti.

740 Consideras–te amigo porque não dizes dele uma palavra má. – É verdade: mas também não vejo uma obra boa de exemplo, de serviço...
–Esses são os piores amigos.

741 Primeiro maltratas... E, antes de que ninguém reaja, gritas: "Agora, caridade entre todos!"
– Se começasses por esta segunda parte, nunca chegarias à primeira.

742 Não sejas semeador de cizânia, como aquele de quem afirmava a própria mãe: "O senhor apresente–o aos seus amigos, que ele se encarregará de que esses amigos briguem com o senhor".

743 Não me parece cristã a fraternidade de que faz alarde contigo aquele amigo que te alerta: "Disseram–me de ti esta ou aquela calúnia horrível; desconfia de alguém que deve ser da tua intimidade"...
Não me parece cristã, porque falta a esse "irmão" o impulso nobre de fazer calar o caluniador antes, e, depois, de comunicar–te lealmente o seu nome.
– Se não tem caráter para exigir de si próprio esta conduta, esse "irmão" expõe–te a ficares só na vida, impelindo–te a desconfiar de todos e a faltar à caridade com todos.

744 Não possuis nem um pingo de sentido sobrenatural e, nos outros, vês somente pessoas de melhor ou pior posição social. Das almas, não te lembras para nada, nem as serves. Por isso não és generoso..., e vives muito longe de Deus com a tua falsa piedade, ainda que rezes muito.
O Mestre falou bem claro: "Afastai–vos de mim e ide para o fogo eterno, porque tive fome..., tive sede..., estava na prisão..., e não me atendestes".

745 Não é compatível amar a Deus com perfeição e deixar–se dominar pelo egoísmo – ou pela apatia – no relacionamento com o próximo.

746 A verdadeira amizade implica também um esforço por compreender as convicções dos nossos amigos, mesmo que não cheguemos a partilhar delas nem a aceitá–las.

747 Nunca permitas que cresça a erva ruim no caminho da amizade: sê leal.

748 Um propósito firme na amizade: que nos meus pensamentos, nas minhas palavras, nas minhas obras para com o próximo – seja ele quem for –, não me comporte como até agora; quer dizer, que nunca deixe de praticar a caridade, que jamais dê passagem na minha alma à indiferença.

749 A tua caridade deve adequar–se, ajustar–se, às necessidades dos outros...; não às tuas.

750 Filhos de Deus! Eis uma condição que nos transforma em algo mais transcendente do que em pessoas que se suportam mutuamente. Escuta o Senhor: "Vos autem dixi amicos!" – somos seus amigos, que, com Ele, dão com gosto a sua vida uns pelos outros, nas horas heróicas e na convivência diária.

751 Como se pode pretender que os que não possuem a nossa fé venham para a Igreja Santa, se contemplam o desabrido trato mútuo dos que se dizem seguidores de Cristo?

752 A atração do teu trato amável deve alargar–se em quantidade e qualidade. Senão, o teu apostolado se extinguirá em cenáculos inertes e fechados.

753 Com a tua amizade e com a tua doutrina – corrijo–me: com a caridade e com a mensagem de Cristo –, animarás muitos não– católicos a colaborar a sério, para fazerem o bem a todos os homens.

754 Tomei nota das palavras daquele operário, que comentava entusiasmado, depois de participar dessa reunião que promoveste: "Nunca tinha ouvido falar, como se faz aqui, de nobreza, de honradez, de generosidade..." – e concluía admirado: "em face do materialismo de esquerdas ou de direitas, isto é a verdadeira revolução!"
– Qualquer alma entende a fraternidade que Jesus Cristo instaurou: empenhemo–nos em não desvirtuar essa doutrina!

755 Às vezes, pretendes justificar–te dizendo que és distraído, avoado; ou que, por caráter, és seco, fechadão. E acrescentas que, por isso, nem sequer conheces a fundo as pessoas com quem convives.
– Escuta: não é verdade que não ficas tranquilo com essa desculpa?

756 Põe muito sentido sobrenatural em todos os detalhes da tua vida ordinária, aconselhei–te. E acrescentei imediatamente: a convivência oferece–te muitas ocasiões, ao longo do dia.

757 Viver a caridade significa respeitar a mentalidade dos outros; encher–se de alegria pelo seu modo de caminhar para Deus... Não te percas em comparações, nem em desejos de saber quem anda mais alto: isso não interessa, o que interessa é que todos alcancemos o fim.

758 Dizes que o outro está cheio de defeitos! Muito bem... Mas, além de que os perfeitos só se encontram no Céu, tu também arrastas os teus defeitos e, no entanto, suportam–te e, mais ainda, estimam–te: porque te querem com o amor que Jesus Cristo dava aos seus, que bem carregados andavam de misérias!
– Aprende!

759 Queixas–te de que essa pessoa não é compreensiva... – Eu tenho a certeza de que faz o possível por entender–te. Mas tu, quando é que te esforçarás um pouquinho por compreendê–la?

760 De acordo!, admito: essa pessoa portou–se mal; a sua conduta é reprovável e indigna; não demonstra classe nenhuma.
– Merece humanamente todo o desprezo! – acrescentaste.
– Insisto: compreendo–te, mas não compartilho a tua última afirmação. Essa vida mesquinha é sagrada: Cristo morreu para redimi–la! Se Ele não a desprezou, como podes tu atrever–te a fazê–lo?

761 Se a tua amizade se rebaixa aré converter–te em cúmplice das misérias alheias, reduz–se a triste compadrio, que não merece o mínimo apreço.

762 Verdadeiramente a vida – que já de per si é estreita e insegura – às vezes se torna difícil.
– Mas isso contribuirá para fazer–te mais sobrenatural, para te fazer ver a mão de Deus: e assim serás mais humano e compreensivo com os que te rodeiam.

763 A indulgência é proporcional à autoridade. Um simples juiz tem de condenar – talvez reconhecendo atenuantes – o réu convicto e confesso. O poder soberano de um país, algumas vezes, concede uma anistia ou um indulto. À alma contrita, Deus a perdoa sempre.

764 "Através de vocês eu vi a Deus, que esquecia as minhas loucuras e as minhas ofensas, e me acolhia com carinho de Pai". Isto escreveu aos seus, contrito, de regresso à casa paterna, um filho peódigo do século XX.

765 Custou–me muito ir afastando e esquecendo as tuas preocupaçõezinhas, os teus sonhos pessoais: pobres e poucos, mas enraizados. – Em troca, agora estás bem certo de que o teu sonho e a tua ocupação são os teus irmãos, e somente eles, porque no teu próximo aprendeste a descobrir Jesus Cristo.

766 "O cem por um!"... Como te lembravas, faz uns dias, dessa promessa do Senhor!
– Na fraternidade que se vive entre os teus companheiros de apostolado – garanto–te – encontrarás esse cem por um.

767 Quantos temores e quantos perigos pode dissipar o amor verdadeiro entre os irmãos, que não se exibe – porque então é como se se profanasse –, mas que resplandece em cada detalhe!

768 Recorre, em confidência segura, todos os dias, à Virgem Santíssima. A tua alma e a tua vida sairão reconfortadas. – ela te fará participar dos tesouros que guarda em seu coração, pois "nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tivesse recorrido à sua proteção fosse desatendido".

 «    VONTADE    » 

769 Para avançar na vida interior e no apostolado, o necessário não é a devoção sensível; mas a dsiposição decidida e generosa da vontade, em face das instâncias divinas.

770 Sem o Senhor não poderás dar um passo seguro. –Esta certeza de que precisas da sua ajuda te levará a unir–te mais a Ele, com uma confiança firme, perseverante, ungida de alegria e de paz, ainda que o caminho se torne áspero e íngreme.

771 Repara na grande diferença que há entre o modo de agir natural e o sobrenatural. O primeiro começa bem, para depois acabar afrouxando. O segundo começa bem igualmente bem..., mas depois se esforça por prosseguir ainda melhor.

772 Não é mau comportar–se bem por nobres razões humanas. – Mas... que diferença quando "comandam" as sobrenaturais!

773 Ao contemplar essa alegria perante o trabalho duro, aquele amigo perguntou: – Mas, realizam–se todas essas tarefas por entusiasmo? – E responderam–lhe com alegria e com serenidade: "Por entusiasmo?... Teríamos feito um papelão!" "Per Dominum Nostrum Iesum Christum!" – por Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos espera continuamente.

774 O mundo está precisando que despertemos os sonolentos, que animemos os tímidos, que guiemos os desorientados; numa palavra, que os enquadremos nas fileiras de Cristo, para que não se joguem fora tantas energias.

775 Talvez também te aproveite a ti aquele expediente sobrenatural – delicadeza de amor voluntário – que repetia a si mesma uma alma muito de Deus, perante as diferentes exigências: "Já é tempo de que te decidas, de verdade, a fazer alguma coisa que valha a pena".

776 Que perfeição cristã pretendes alcançar, se fazes sempre o teu capricho, "o que gostas"...?
Todos os teus defeitos, não combatidos, darão um lógico fruto constante de más obras. E a tua vontade – que não estará temperada numa luta perseverante – não te servirá de nada, quando chegar uma ocasião difícil.

777 A fachada é de energia e rijeza. Mas, quanta moleza e falta de vontade por dentro!
– Fomenta a decisão de que as tuas virtudes não se transformem num disfarce, mas em hábitos que definam o teu caráter.

778 "Conheço algumas e alguns que não têm forças nem para pedir socorro", dizes–me desgostoso e cheio de pena. – Não passes ao largo; a tua vontade de salvar–te e de salvá–los pode ser o ponto de partida da sua conversão. Além disso, se reconsideras, perceberás que também a ti te estenderam a mão.

779 Os molengões, os que se queixam de mil e uma ninharias ridículas, são os que não sabem sacrificar–se nessas minúcias diárias por Jesus..., e muito menos pelos outros.
Que vergonha se o teu comportamento – tão duro, tão exigente com os outros! – padece dessa moleza nos teus afazeres cotidianos!

780 Sofres muito porque vês que não estás à altura. Quererias fazer mais e com maior eficácia, mas atuas com frequencia de um modo totalmente precipitado, ou não te atreves.
"Contra spem, in spem!" – vive de esperançca segura, contra toda a esperança. Apóa–te nesta rocha firme que te salvará e empurrará. É uma virtude teologal – esplêndida! –, que te animará a ir para a frente, sem receio de passar da risca, e te impedirá de parar.
– Não me olhes desse jeito! Sim!, cultivar a esperança significa robustecer a vontade.

781 Quando a tua vontade fraquejar diante do trabalho habitual, lembra–te uma vez mais daquela consideração: "O estudo, o trabalho, é parte essencial do meu caminho. O descrédito profissional – consequência da preguiça – anularia ou tornaria impossíveis as minhas tarefas de cristão. Necessito – assim Deus o quer – do ascendente do prestígio profissional, para atrair e ajudar os outros".
– Não duvides: se abandonas o teu trabalho, afasta–te – e afasta outros – dos planos divinos!

782 Assutava–te o caminho dos filhos de Deus porque, em nome do Senhor, te instavam a cumprir, anegar–te a ti mesmo, a sair da tua torre de marfim. Deste uma desculpa..., e confesso–te que não me admira nada essa carga que te pesa: um conjunto de complexos e tortuosidades, de melindres e escrúpulos, que te deixa inútil.
Não te zangues se te digo que te portaste com menos inteireza – como se fosses pior ou inferior – do que a gente depravada, audaz pregoeira do mal.
"Surge et ambula!" – levanta–te e caminha, decidie–te! Ainda podes libertar–te desse fardo nefasto se, com a graça de Deus, ouves o que Ele pede, e, sobretudo, se O secundas plenamente e de bom grado!

783 É bom que essas impaciências te comam a alma. – Mas não te afobes. Deus quer e conta com a tua decisão de te preparares seriamente, durante os anos ou meses necessários. – Não faltava razão àquele imperador: "Otempo e eu contra outros dois".

784 Assim resumia o ciúme ou a inveja um homem reto: "Devem ter muito má vontade, para turvarem uma água tão clara".

785 Perguntas se deves manter–te silencioso e inativo... – Perante a agressão injusta à lei justa, não!

786 Cada dia vais "enlouquecendo" mais... – Nota–se nessa segurnça e nesse aprumo formidável que te dá o saberes–te trabalhando por Cristo.
– Já o proclamou a Escritura Santa: "Vir fidelis, multum laudabitur" – o varão fiel merece louvores de todos.

787 Nunca te havias sentido mais absolutamente livre do que agora, que a tua liberdade está tecida de amor e de desprendimento, de segurança e de insegurança: porque nada fias de ti mesmo e tudo de Deus.

788 Viste como se represam as águas nos açudes, para os tempos de secas?... Do mesmo modo, para conseguires essa igualdade de caráter de que necessitas no tempo de dificuldade, tens de represar a alegria, as razões claras e as luzes que o Senhor te manda.

789 Quando se extinguem as labaredas do primeiro entusiasmo, avançar às escuras torna–se penoso. – Mas esse progresso, que custa, é o mais firme. E depois, quando menos o esperas, cessará a escuridão e voltarão o entusiasmo e o fogo. – Persevera!

790 Deus quer os seus filhos como forças de ataque. – Não podemos ficar na expectativa: própio de nós é lutar, onde quer que nos encontremos, como um exército em ordem de batalha.

791 Não se trata de que realizes as tuas obrigações apressadamente, mas de que as leves a termo sem pausa, ao passo de Deus.

792 Não te falta o trato agradável de conversador inteligente... Mas também és muito apático.
– "Se não me procuram...", desculpa–te.
– Se não mudas – esclareço – e não vais ao encontro dos que te esperam, nunca poderás ser um apóstolo eficaz.

793 Três pontos importantíssimos para arrastar as almas para o Senhor: que te esqueças de ti, e penses somente na glória de teu Pai–Deus; que submetas filialmente a tua vontade à Vontade do Céu, como Jesus Cristo te ensinou; que secundes docilmente as luzes do Espírito Santo.

794 Durante três dias e três noites Maria busca o Filho que se perdeu. Oxalá possamos tu e eu dizer que a nossa vontade de encontrar Jesus também não conhece descanso.

 «    CORAÇÃO    » 

795 O que é preciso para conseguir a felicidade não é uma vida cômoda, mas um coração enamorado.

796 Depois de vinte séculos, temos de apregoar com plena
segurança que o espírito de Cristo não perdeu a sua força redentora, aúnica que sacia os anelos do coração humano. – Começa por meter essa verdade no teu, que estará em perpétua inquietação – como escreveu Santo Agostinho – enquanto não o colocares inteiramente em Deus.

797 Amar é... não albergar senão um único pensamento, viver para a pessoa amada, não se pertencer, estar submetido venturosa e livremente, com a alma e o coração, a uma vontade alheia... e ao mesmo tempo própria.

798 Ainda não queres ao Senhor como o avaro às suas riquezas, como uma mãe a seu filho..., ainda te preocupas demasiado contigo mesmo e com as tuas ninharias! Nào obstante, notas que Jesus já se tornou indispensável na tua vida...
– Pois bem, logo que corresponderes por completo à sua chamada, Ele te será indispensável também em cada um dos teus atos.

799 Grita–Lhe com força, porque esse grito é loucura de apaixonado!: – Senhor, embora eu te ame...,não te fies de mim! Ata–me a Ti, cada dia mais!

800 Não duvides: o coração foi criado para amar. Metamos, pois, Nosso Senhor Jesus Cristo em todos os nossos amores. Caso contrário, o coração vazio se viga, e se enche das baixezas mais desprezíveis.

801 Não existe coração mais humano que o de uma criatura que transborda de sentido sobrenatural. Pensa em Santa Maria, a cheia de graça, Filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho, Esposa de Deus Espírito Santo: no seu Coração cabe a humanidade inteira sem diferenças nem discriminações.
– Cada um é seu filho, sua filha

802 As pessoas, quando têm o coração muito pequeno, parece que guardam os seus anseios numa gaveta pobre e fora de mão.

803 Nas relações com os que te cercam, tens de conduzir–te cada dia com muita compreensão, com muito carinho, juntamente – é claro– com toda a energia necessária: de outro modo, a compreensão e o carinho se convertem em cumplicidade e egoísmo.

804 Dizia – sem humildade de fachada – aquele nosso amigo: "Não precisei aprender a perdoar, porque o Senhor me ensinou a amar".

805 Perdoar. Perdoar com toda a alma e sem resquício de rancor! Atitude sempre grande e fecunda.
– Esse foi o gesto de Cristo ao ser pregado na Cruz: "Pai, perdoa–os, porque não sabem o que fazem". E daí veio a tua salvação e a minha.

806 Causou–te uma grande pena o comentário, bem pouco cristão, daquela pessoa: "Perdoa os teus inimigos – dizia–te –; não imaginas como isso os deixa furiosos!"
– Não te pudeste conter, e replicaste com paz: "Não quero abaratar o amor com a humilhação do próximo. Perdôo, porque amo, com fome de imitar o Mestre".

807 Evita com delicadeza tudo o que possa ferir o coração dos outros.

808 Por que motivo, entre dez maneiras de dizer "não", hás de escolher sempre a mais antipática? – A virtude não deseja ferir.

809 Olha: temos que amar a Deus não somente com o nosso coração, mas com o "dEle", e com o de toda a humanidade de todos os tempos...: senão, ficaremos abaixo das medidas para correspondermos ao seu Amor.

810 Dói–me que aqueles que se entregaram a Deus apresentem a imagem ou dêem pé para que os tomem por solteirões, quando têm o Amor por excelência! – Serão solteirões se não souberem amar Aquele que tanto ama.

811 Alguém comparou o coração a um moinho, que se move pelo vento do amor, da paixão...
Efetivamente, esse "moinho" pode moer trigo, cevada, esterco... – Depende de nós!

812 O demônio – pai da mentira e vítima da sua soberba – tenta arremedar o Senhor até no modo de fazer prosélitos. Reparaste? Assim como Deus se vale dos homens para salvar almas e lavá–las à santidade, satanás serve–se de outras pessoas para dificultar esse trabalho e até para as perder.
E – não te assustes – da mesma maneira que Jesus busca, como instrumentos, os mais próximos – parentes, amigos, colegas, etc. –, o demônio também tenta, com frequência, mover esses seres mais queridos, para induzir ao mal.
Por isso, se os laços do sangue se convertem em amarras, mque te impedem de seguir os caminhos de Deus, corta–os com decisão. E talvez a tua determinação desamarre também os que estavam enredados nas malhas de Lúcifer.

813 Obrigado, meu Jesus!, porque quiseste fazer–te perfeito Homem, com um Coração amante e amabilíssimo, que ama até à morte e sofre; que se enche de gozo e de dor; que se entusiasma com os caminhos dos homens, e nos mostra aquele que conduz ao Céu; que se submete heroicamente ao dever, e se guia pela misericórdia; que vela pelos pobres e pelos ricos; que cuida dos pecadores e dos justos...
– 0brigado, meu Jesus, e dá–nos um coração à medida do Teu!

814 Pede a Jesus que te conceda um Amor qual fogueira de purificação, onde a tua pobre carne – o teu pobre coração – se consuma, limpando–se de todas as misérias terrenas... E, vazio de ti mesmo, se cumule dEle. Pede–lhe que te conceda uma aversão radical ao que é mundano: que só o Amor te sustente.

815 Viste com muita clareza a tua vocação – amar a Deus –, não só com a cabeça. Garantes que puseste o coração no teu caminho..., mas às vezes te distrais e até tentas voltar o olhar para trás: sinal de que nào o puseste por inteiro. – Esmera–te!

816 "Eu vim – assim se exprime o Mestre – para separar o homem de seu pai, a filha de sua mãe e a nora de sua sogra...". Cumprindo o que Ele te exige, demonstrarás que os amas verdadeiramente. Por isso, não te escudes no carinho que lhes tens – deve ser total –, à hora do teu sacrifício pessoal. Senão, acredita–me, antepões ao amor de Deus o de teus pais; e ao de teus pais, o teu amor próprio.
– Entendeste agora, com mais profundidade, a congruência das palavras evangélicas?

817 O coração! De vez em quando, sem o poderes evitar, projeta–se uma sombra de luz humana, uma recordação torpe, triste, "provinciana"...
– Corre logo ao Sacrário, física ou espiritualmente: e tornarás à luz, à alegria, à Vida.

818 A frequência com que visitamos o Senhor está em função de dois fatores: fé e coração; ver a verdade e amá–la.

819 O Amor se robustece também com negação e mortificação.

820 Se tivesses um coração grande e um pouco mais de sinceridade, não te deterias a mortificar, nem te sentirias mortificado... por minúcias.

821 Se te zangas – em outras ocasiões é um dever; em outras, uma fraqueza –, que a zanga dure somente uns minutos.E, além disso, sempre com caridade: carinho!

822 Repreender?... Muitas vezes é necessário. Mas ensinando a corrigir o defeito. Nunca por um desabafo do teu mau caráter.

823 Quando é preciso corrigir, deve–se atuar com clareza e amabilidade; sem excluir um sorriso nos lábios, se for oportuno. Nunca –ou muito raras vezes– aos berros.

824 Sentes–te depositário do bem e da verdade absoluta e, portanto, investido de um título pessoal ou de um direito a desarraigar o mal a todo o custo?
– Por esse caminho não consertarás nada: só por Amor e com amor!, recordando que o Amor te perdoou e te perdoa tanto.

825 Ama os bons, porque amam a Cristo... – E ama também os que não O amam, porque têm essa infelicidade..., e especialmente porque Ele ama uns e outros.

826 A gente daquela terra – tão afastada de Deus, tão desorientada – recordou–te as palavras do Mestre: "Andam como ovelhas sem pastor".
– E sentiste que tu também ficavas com as entranhas cheias de compaixão... Decide–te, no lugar que ocupas, a dar a vida em holocausto por todos.

827 O pobres – dizia aquele amigo nosso – são o meu melhor livro espiritual e o principal motivo das minhas orações. Doem–me eles, e Cristo me dói com eles. E, porque me dói, compreendo que O amo e que os amo.

828 Quando se coloca o amor de Deus no meio da amizade, este afeto se depura, se engrandece, se espiritualiza; porque se queimam as escórias, os pontos de vista egoístas, as considerações excessivamente carnais. Não o esqueças: o amor de Deus ordena melhor os nossos afetos, torna–os mais puros, sem diminuí–los.

829 Esta situação abrasa–te: Cristo aproximou–se de ti quando não passavas de um miserável leproso! Até esse momento, só cultivavas uma qualidade boa: um generoso interesse pelos outros. Depois desse encontro, alcançaste a graça de ver Jesus neles, e te enamoraste dEle, e agora O amas neles..., e parece–te muito pobre – tens razão! – o altruísmo que antes te impelia a prestar uns serviços ao próximo.

830 Acostuma–te a colocar o teu pobre coração no Doce e Imaculado Coração de Maria, para que o purifique de tanta escória, e te leve ao Coração Sacratíssimo e Misericordioso de Jesus.

 «    PUREZA    » 

831 A castidade – a de cada um no seu estado: solteiro, casado, viúvo, sacerdote – é uma triunfante afirmação do amor.

832 O "milagre" da pureza tem como pontos de apoio a oração e a mortificação.

833 A tentação contra a castidade demonstra–se tanto mais perigosa quanto mais dissimulada: por se apresentar insidiosamente, engana melhor.
– Não transijas, nem sequer com a desculpa de não "parecer estranho"!

834 A santa pureza: humildade da carne! Senhor – peidas–Lhe –, sete chaves para o meu coração. E aconselhei–te que Lhe pedisses sete chaves para o teu coração e, também, oitenta anos de gravidade para a tua juventude...
Além disso, vigia..., porque mais depressa se apaga uma fagulha do que um incêndio; foge..., porque aqui é uma vil covardia ser "valente"; não andes com os olhos esparramados..., porque isso não indica ânimo desperto, mas insídia de satanás.
Mas toda essa diligência humana, junto com a mortificação, o cilício, a disciplina e o jejum, que pouco valem sem Ti, meu Deus!

835 Assim matou aquele confessor a concupiscência de uma alma delicada, que se acusou de certas curiosidades: – "Ora! Instintos de machos e de fêmeas!"

836 Tão logo se admite voluntariamente esse diálogo, a tentação tira a paz à alma, do mesmo modo que a impureza consentida destrói a graça.

837 Seguiu o caminho da impureza, com todo o seu corpo... e com toda a sua alma. – A sua fé foi–se esfumando..., embora saiba muito bem que não é problema de fé.

838 "O Senhor disse–me que se pode chegar a ser "outro" Santo Agostinho, depois do meu passado. Não duvido, e hoje mais do que ontem quero esforçar–me por comprová–lo".
Mas tens de cortar valentemente e pela raiz, como o santo bispo
de Hipona.

839 Sim, pede perdão contrito, e faz abundante penitência pelos acontecimentos impuros da tua vida passada – mas não queiras recordá–los.

840 Essa conversa... suja, de cloaca!
– Não basta que não a secundes: manifesta energicamente a tua repugnância!

841 É como se o "espírito" se fosse reduzindo, empequenecendo, até ficar num pontinho... E o corpo aumenta, agiganta–se, até dominar. – Foi para ti que São Paulo escreveu: "Castigo o meu corpo e o reduzo à escravidão, não seja que, tendo pregado aos outros, venha eu a ser reprovado".

842 Que pena dão os que afirmam – pela sua triste experiência pessoal – que não se pode ser casto, vivendo e trabalhando no meio do mundo!
– Com esse raciocínio ilógico, não deveriam incomodar–se se alguém ofende a memória de seus pais, de seus irmãos, da sua mulher, do seu marido.

843 Aquele confessor, um pouco rude, mas experiente, conteve os desvarios de uma alma e os reduziu à ordem com esta afirmação: "Andas agora por caminhos de gado; depois, conformar–te–ás em ir pelos das cabras; e depois..., sempre como um animal, que não sabe olhar para o céu".

844 Talvez sejas... isso mesmo, o que és: um animalzinho. – Mas tens de reconhecer que outros são íntegros e castos. Ah! e não te irrites depois, quando não contarem contigo ou quando te ignorarem: eles e elas organizam os seus planos humanos com pessoas que têm alma e corpo..., não com animais.

845 Há quem traga filhos ao mundo para o seu benefício, para o seu serviço, para o seu egoísmo... E não se lembram de que são um dom maravilhoso do Senhor, do qual terão que prestar contas especialíssimas.
Trazer filhos, somente para continuar a espécie, também o sabem fazer – não te zangues comigo – os animais.

846 Um casal cristão não pode desejar cegar as fontes da vida. Porque o seu amor se fundamenta no Amor de Cristo, que é entrega e sacrifício...
Além disso, como Tobias recordava a Sara, os esposos sabem que "nós somos filhos de santos, e não podemos juntar–nos à maneira dos gentios, que não conhecem a Deus".

847 Quando éramos pequenos, procurávamos grudar–nos à nossa mãe, ao passarmos por caminhos escuros ou por onde havia cachorros.
Agora, ao sentirmos as tentações da carne, devemos chegar–nos estreitamente à Nossa Mãe do Céu, por meio da sua presença bem próxima e por meio de jaculatórias.
– Ela nos defenderá e nos levará à luz.

848 Pensam que são mais homens, ou mais mulheres, por levarem essa vida desordenada.
Vê–se que os que raciocinam assim colocam o seu ideal de pessoa nas meretrizes, nos invertidos, nos degenerados..., naqueles que têm o coração podre e não poderão entrar no Reino dos Céus.

849 Permite–me um conselho, para que o ponhas em prática diariamente. Quando o coração te fizer notar as suas baixas tendências, reza devagar à Virgem Imaculada: Olha–me com compaixão, não me deixes, minha Mãe! – E aconselha–o assim a outros.

 «    PAZ    » 

850 Fomenta, na tua alma e no teu coração –na tua inteligência e no teu querer–, o espírito de confiança e de abandono na amorosa Vontade do Pai celestial... –Daí nasce a paz interior por que anseias.

851 Como hás de ter paz, se te deixas arrastar –contrariando os "puxões" da graça– por essas paixões que nem sequer tentas dominar?
O céu empurra para cima; tu –somente tu: não procures desculpas!–, para baixo... – E deste modo te despedaças.

852 Tanto a paz como a guerra estão dentro de nós. – Não se pode chegar ao triunfo, à paz, se faltam a lealdade e a decisão de vencer no combate.

853 Um remédio contra essas tuas inquietações: ter paciência, retidão de intenção, e olhar as coisas com perspectiva sobrenatural.

854 Afasta logo de ti –se Deus está contigo!– o temor e a perturbação de espírito... Evita pela raiz essas reações, pois só servem para multiplicar as tentações e aumentar o perigo.

855 Ainda que tudo se afunde e se acabe, ainda que os acentecimentos ocorram ao contrário do previsto, e nos sejam tremendamente adversos, nada ganhamos perturbando–nos. Além disso, lembra–te da oração confiante do profeta: "O Senhor é nosso Juiz, o Senhor é nosso Legislador, o Senhor é nosso Rei; Ele é quem nos há de salvar".
– Reza–a devotamente, todos os dias, para ajustares a tua conduta aos desígnios da Providência, que nos governa para nosso bem.

856 Se –por teres o olhar cravado em Deus– sabes manter–te sereno ante as preocupações, se aprendes a esquecer as pequenezes, os rancores e as invejas, evitarás a perda de muitas energias, que te fazem falta para trabalhar com eficácia, a serviço dos homens.

857 Aquele amigo confiava–nos sinceramente que nunca se tinha entediado, porque nunca se tinha encontrado só, sem o nosso Amigo.
– Caía a tarde, num silêncio denso... Notas–te muito vivamente a prsença de Deus... E, com essa realidade, que paz!

858 Uma saudação vibrante de um irmão recordou–te, naquele ambiente de viagem, que os caminhos honestos do mundo estão abertos para Cristo: falta apenas que nos lancemos a percorrê–los, com espírito de conquista.
Sim, Deus criou o mundo para os seus filhos, para que o habitem e o santifiquem. Que estás esperando?

859 És extraordinariamente feliz. Às vezes, quando percebes que um filho de Deus O abandona, sentes – no meio da tua paz e da tua alegria íntimas – uma dor de carinho, uma amargura, que nem perturba nem inquieta.
– Muito bem, mas... toca a empregar todos os meios humanos e sobrenaturais para que essa pessoa reaja..., e a confiar com segurança em Jesus Cristo! Assim, as águas voltam sempre ao seu leito.

860 Quando te abandonares de verdade no Senhor, aprenderás a contentar–te com o que vier, e a não perder a serenidade, se as tarefas –apesar de teres posto todo o teu empenho e utilizado os meios oportunos– não correm a teu gosto... Porque terão "corrido" como convém a Deus que corram.

861 Continuas a ter desacertos e faltas, e doem–te! Ao mesmo tempo, caminhas com uma alegria que parece que te vai fazer explodir.
Por isso, porque te doem – dor de amor – os teus malogros já não te tiram a paz.

862 Quando se está às escuras, com a alma cega e inquieta, temos de recorrer, como Bartimeu, à Luz. Repete, grita, insiste com mais força: "Domine, ut videam!" – Senhor, que eu veja!... E far–se–á dia para os teus olhos, e poderás alegrar–te com o clarão de luz que Ele te concederá.

863 Luta contra as asperezas do teu caráter, contra os teus egoísmos, contra o teu comodismo, contra as tuas antipatias... Além de que temos de ser corredentores, o prêmio que receberás –pensa bem nisto– estará em proporção diretíssima com a semeadura que tiveres feito.

864 Tarefa do cristão: afogar o mal em abundância de bem. Não se trata de campanhas negativas, nem de ser anti–nada. Pelo contrário: viver de afirmação, cheios de otimismo, com juventude, alegria e paz; ver com compreensão a todos: os que seguem a Cristo e os que O abandonam ou não O conhecem.
– Mas compreensão não significa abstencionismo nem indiferença, mas atividade.

865 Por caridade cristã e por elegância humana, deves esforçar–te por não criar um abismo com ninguém..., por deixar sempre uma saída ao próximo, para que não se afaste ainda mais da Verdade.

866 A violência não é bom sistema para convencer..., e muito menos no apostolado.

867 O violento perde sempre, mesmo que ganhe a primeira batalha..., porque acaba rodeado da solidão criada pela sua incompreensão.

868 A tática do tirano é conseguir que briguem entre si aqueles que, unidos, poderiam fazê–lo cair. –Velha artimanha usada pelo inimigo –pelo diabo e pelos seus corifeus–, para desbaratar muitos planos apostólicos.

869 Esses..., que vêem antagonistas onde só há irmãos, negam com as suas obras a sua profissão de cristãos.

870 Com a polêmica agressiva, que humilha, raramente se resolve uma questão. E, sem dúvida, nunca se consegue esclarecimento algum quando, entre os que disputam, há um fanático.

871 Não compreendo o teu aborrecimento, nem o teu desencanto. Corresponderam–te com a tua mesma moeda: o deleite nas injúrias, através da palavra e das obras.
Aproveita a lição e, de agora em diante, não esqueças que também têm coração os que convivem contigo.

872 Para que não perdesses a paz, naqueles tempos de dura e injusta contradição, recordei–te: "Se nos abrirem a cabeça, não daremos a isso maior importância: será porque temos de levá–la aberta".

873 Paradoxo: desde que me decidi a seguir o conselho do Salmo: "Lança sobre o Senhor as tuas preocupações, e Ele te sustentará", cada dia tenho menos preocupações na cabeça... E, ao mesmo tempo, com o trabalho oportuno, tudo se resolve, com maior clareza!

874 Santa Maria é –assim a invoca a Igreja– a Rainha da paz. Por isso, quando se conturba a tua alma, ou o ambiente familiar ou profissional, ou a convivência na sociedade ou entre os povos, não cesses de aclamá–la com esse título: "Regina pacis, ora pro nobis!" –Rainha da paz, rogai por nós! Experimentaste fazê–lo, ao menos, quando perdes a tranqüilidade?... – Ficarás surpreso com a sua eficácia imediata.

 «    O ALÉM    » 

875 O verdadeiro cristão está sempre disposto a comparecer diante de Deus. Porque, em cada instante –se luta por viver como homem de Cristo–, encontra–se preparado para cumprir o seu dever.

876 Em face da morte, sereno! – É assim que te quero. – Não com o estoicismo frio do pagão; mas com o fervor do filho de Deus, que sabe que a vida é mudada, não tirada. – Morrer?... Viver!

877 Doutor em Direito e em Filosofia, preparava um concurso para professor catedrático na Universidade de Madrid. Duas carreiras brilhantes, feitas com brilhantismo.
Mandou–me avisar: estava doente, e desejava que eu fosse vistá–lo. Cheguei à pensão onde estva hospedado. – "Padre, estou morrendo", foi a sua saudação. Animei–o, com carinho. Quis fazer uma confissão geral. Naquela noite faleceu.
Um arquiteto e um médico me ajudaram a amortalhá–lo. – E, à vista daquele corpo jovem, que rapidamente começou a decompor–se..., estivemos de acordo os três em que as duas carreiras universitárias não valiam nada, comparadas com a carreira definitiva que, como bom cristão, acabava de coroar.

878 Tudo se conserta, menos a morte... E a morte conserta tudo.

879 A morte chegará inexoravelmente. Portanto, que oca vaidade centrar a existência nesta vida! Olha como padecem tantas e tantos. A uns, porque ela se acaba, dói–lhes deixá–la; a outros, porque dura, enfastia–os... Em caso algum tem cabimento a atitude errada de justificarmos a nossa passagem pela terra como um fim.
É preciso sair dessa lógica, e ancorar–se na outra: na eterna. É necessária uma mudança total: um esvaziar–se de si mesmo, dos motivos egocêntricos, que são caducos, para renascer em Cristo, que é eterno.

880 "Non habemus hic manentem civitarem" – não se encontra nesta terra a nossa morada de finitiva. – E, para que não o esqueçamos, às vezes essa verdade surge com crueza à hora da morte: incompreensão, perseguição, desprezo... – E sempre a solidão, porque – mesmo que estejamos rodeados de carinho – cada um morre sozinho.
– Soltemos já todas as amarras! Preparemo–nos continuamente para esse passo, que nos levará à presença eterna da Trindade Santíssima.

881 "Non habemus hic manentem civitatem" –não se encontra nesta terra a nossa morada definitiva. – E, para que não esqueçamos, às vezes surge com crueza à hora da morte: incompreensão, perseguição, desprezo... – E sempre a solidão, porque – mesmo que estejamos rodeados de carinho– cada um morre sozinho.
– Soltemos já todas as amarras! Preparemo–nos continuamente para esse passo, que nos levará à presença eterna da Trindade Santíssima.

882 O tempo é o nosso tesouro, o "dinheiro" para comprarmos a eternidade.

883 Consolou–te a idéia de que a vida é um gastar–se, um queimá–la no serviço de Deus. – Assim, gastando–nos integralmente por Ele, virá a libertação da morte, que nos trará a posse da Vida.

884 Aquele sacerdote amigo trabalhava pensando em Deus, agarrado à sua mão paterna, e ajudando os outros a assimilar essas idéias–mestras. Por isso, dizias para si mesmo: Quando morreres, tudo continuará a andar bem, porque continuará Ele a ocupar–se de tudo.

885 Não faças da morte uma tragédia!, porque não o é. Só aos filhos enamorados é que não entusiasma o encontro com seus pais.

886 Todas as coisas daqui de baixo são um punhado de cinzas. Pensa nos milhões de pessoas –já defuntas– "importantes" e "recentes", de quem já ninguém se lembra.

887 Esta foi a grande revolução cristã: converter a dor em sofrimento fecundo; fazer, de um mal, um bem. Despojamos o diabo dessa arma...; e, com ela, conquistamos a eternidade.

888 O juízo revelar–se–á terrível para aqueles que, conhecendo perfeitamente o caminho, e tendo–o ensinado e exigido aos outros, não o tiverem percorrido eles mesmos.
– Deus os julgará e os condenará com as suas próprias palavras.

889 O purgatório é uma misericórdia de Deus, para limpar os defeitos daqueles que desejam identificar–se com Ele.

890 Somente o inferno é castigo do pecado. A morte e o juízo não passam de consequências, que aqueles que vivem na graça de Deus não temem.

891 Se alguma vez te intranquilizas com o pensamento da nossa irmã a morte – porque te vês tão pouca coisa! –, anima–te e considera: que será esse Céu que nos espera, quando toda a formosura e grandeza, toda a felicidade e Amor infinitos de Deus se derramarem sobre o pobre vaso de barro que é a criatura humana, e a saciarem eternamente, sempre com a novidade de uma ventura nova?

892 Quando se choca com a amarga injustiça desta vida, como se alegra a alma reta ao pensar na Justiça eterna do seu Deus eterno!
– E, dentro do conhecimento das suas próprias misérias, escapa–lhe, com eficazes desejos, aquela exclamação paulina: "Non vivo ego" – não sou eu quem vive agora!, é Cristo quem vive em mim!: e viverá eternamente.

893 Como se deve morrer contente, quando se viveram heroicamente todos os minutos da vida! – Posso garantir–te isso, porque presenciei a alegria daqueles que, com serena impaciência, durante muitos anos, se preparam para esse encontro.

894 Pede que nenhum de nós falhe ao Senhor. – Não nos será difícil, se não formos tolos. Porque o nosso Pai–Deus ajuda em tudo: até mesmo tornando temporário este nosso desterro no mundo.

895 O pensamento da morte ajudar–te–á a cultivar a virtude da caridade, porque talvez esse instante concreto de convivência seja o último em que estás com este ou com aquele...: eles ou tu, ou eu, podemos faltar em qualquer momento.

896 Dizia uma alma ambiciosa de Deus: felizmente, nós os homens não somos eternos!

897 Fez–me meditar aquela notícia: cinquenta e um milhões de pessoas falecem por ano: noventa e sete por minuto. O pescador – assim disse o Mestre – lança as suas redes ao mar, o Reino dos Céus é semelhante a uma rede de arrastão..., e de dentro dela serão escolhidos os bons; e os maus, os que não preencherem as condições, rejeitados para sempre! Cinquenta e um milhões morrem por ano, noventa e sete por minuto: dize–o também a outros.

898 A Nossa Mãe subiu em corpo e alma aos Céus. Repete–lhe que, como filhos, não queremos separar–nos dEla... Ela te escutará!

 «    A LÍNGUA    » 

899 Dom de línguas, saber transmitir a ciência de Deus: recurso imprescindível para quem há de ser apóstolo. – Por isso, peço todos os dias a Deus Nosso Senhor que o conceda a cada uma e a cada um dos seus filhos.

900 Aprende a dizer "não", sem ferir desnecessariamente, sem lançar mão da recusa cortante, que rasga a caridade.
– Lembra–te de que estás sempre diante de Deus!

901 Aborrece–te que eu insista, do mesmo modo, nas mesmas coisas essenciais? Que não tenha em conta essas correntes em voga? – Olha: sempre se definiu da mesma maneira, ao longo dos séculos, a linha reta, porque é a mais clara e breve. Outra definição seria mais obscura e complicada.

902 Acostuma–te a falar cordialmente de tudo e de todos; em particular, de todos os que trabalham no serviço de Deus.
E quando não for possível, cala–te! Também os comentários bruscos ou desembaraçados podem beirar a murmuração ou a difamação.

903 Dizia–te um rapagão que acabava de entregar–se mais intimamente a Deus: "Agora o que eu preciso é falar menos, visitar doentes e dormir no chão".
– Aplica a moral da história a ti mesmo.

904 Dos sacerdotes de Cristo não se deve falar senão para louvá–los!
–Desejo com toda a minha alma que os meus irmãos e eu o tenhamos muito em conta, para a nossa conduta diária.

905 A mentira tem muitas facetas: reticências, cochichos, murmuração... – Mas é sempre arma de covardes.

906 Não há direito de que te deixes impressionar pela primeira ou pela última conversa!
Escuta com respeito, com imteresse; dá crédito às pessoas..., mas peneira o teu juízo na presença de Deus.

907 Murmuram. E depois eles mesmos se encarregam de que alguém venha imediatamente contar–te o "diz–se"...
– Vilania? – Sem dúvida. Mas não percas a paz, já que as suas línguas não poderão fazer–te mal nenhum, se trabalhas com retidão...– Pensa: como são bobos, que pouco tato humano têm, que falta de lealdade para com os seus irmãos... e especialmente para com Deus!
E não caias tu na murmuração, por um mal entendido direito de réplica. Se tens de falar, serve–te da correção fraterna, como nos aconselha o Evangelho.

908 Não te preocupes com essas contradições, com esses falatórios; trabalhamos sem dúvida numa tarefa divina, mas somos homens... E é lógico que, ao andar, levantemos o pó do caminho.
Isso que te incomoda, que te fere..., aproveita–o para a tua purificação e, se for preciso, para retificar.

909 Murmurar, dizem, é muito humano. – Repliquei: nós temos que viver à maneira divina.
A palavra malvada ou leviana de um só homem pode formar uma opinião, e até pôr de moda que se fale mal de alguém... Depois, essa murmuração sobe lá de baixo, chega às alturas, e talvez se condense em negras nuvens.
– Mas, quando o fustigado é uma alma de Deus, as nuvens se resolvem em chuva fecunda, aconteça o que acontecer; e o Senhor se encarrega de exaltá–lo, naquilo mesmo em que pretendiam humilhá–lo ou difamá–lo.

910 Não querias acreditar, mas tiveste que render–te à evidência, bem à tua custa: aquelas afirmações que pronunciaste com simplicidade e com saudável senso católico, os inimigos da fé as retorceram com malícia.
É verdade, "temos de ser cândidos como as pombas..., e prudentes como as serpentes". Não fales a destempo nem fora de lugar.

911 Por não saberes –ou não quereres– imitar a conduta nobre daquele homem, a tua secreta inveja te leva a ridicularizá–lo.

912 A maledicência é filha da inveja; e a inveja, o refúgio dos infecundos.

913 Há alguns que, quando não fazem mal aos outros ou não os mortificam, parece que se consideram desocupados.

914 Ás vezes, penso que os murmuradores são como pequenos endemoninhados... – Porque o demônio insinua–se sempre com o seu espírito maligno de crítica a Deus, ou aos seguidores de Deus.

915 "Burrices!", comentas depreciativamente.
–Mas tu as conheces? Não? – Então, como é que falas daquilo que não sabes?

916 Responde a esse murmurador: fique descansado, vou contar isso ou falar disso com o interessado.

917 Escreveu um autor contemporâneo: "O mexerico é sempre desumano, revela uma valia pessoal medíocre; é um sinal de falta de educação; demonstra ausência de finura de sentimentos; é indigno do cristão".

918 Evita sempre a queixa, a crítica, as murmurações... Evita à risca tudo o que possa introduzir discórdia entre irmãos.

919 Tu, que estás investido em muito alta autoridade, serias imprudente se interpretasses o silêncio dos que escutam como sinal de aquiescência: pensa que não lhes deixas expor as suas sugestões, e que te sentes ofendido se chegam a fazê–las. – Tens de corrigir–te.

920 Esta há de ser a tua atitude perante a difamação. Primeiro, perdoar: a todos, desde o primeiro instante e de todo o coração. – Depois, amar: que não te escape nem uma falta de carinho; responde sempre com amor!
– Mas, se atacam a tua Mãe, a Igreja, defende–a valentemente; com calma, mas com firmeza e com inteireza cheia de energia, impede que manchem, ou que estorvem, o caminho por onde têm de caminhar as almas que querem perdoar e responder com caridade, quando sofrem injúrias pessoais.

921 O vilarejo mais pequeno – comentava alguém, cansado de murmurações – deveria ter ambiente de capital.
– Não sabia, o coitado, que não adianta.
– Tu, por amor a Deus e ao próximo, não caias num defeito tão "provinciano"... e tão pouco cristão. – Dos primeiros seguidores de Cristo afirmava–se: Vêde como se amam! Pode–se dizer o mesmo de ti, de mim, a qualquer hora?

922 As críticas contra as obras de apostolado costumam ser de dois gêneros: uns apresentam o trabalho como uma estrutura complicadíssima; outros o tacham de tarefa cômoda e fácil.
No fundo, essa "objetividade" se reduz a estreiteza de vistas, com uma boa dose de preguiça tagarela.
–Pergunta–lhes sem te zangares: E vocês, que fazem?

923 Para os imperativos da tua fé, talvez não possas pedir simpatia, mas tens que exigir respeito.

924 Os que te falaram mal desse amigo leal para com Deus são os mesmos que irão murmurar de ti, quando te decidires a portar–te melhor.

925 Certos comentários só podem ferir os que se sentem atingidos. Por isso, quando se caminha – com a cabeça e o coração – seguindo os passos do Senhor, as críticas se acolhem com purificação e servem de acicate para avivar o passo.

926 A Trindade Santíssima coroou a nossa Mãe.
– Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, pedir–nos–á contas de toda a palavra ociosa. Mais um motivo para que digamos a Santa Maria que nos ensine a falar sempre na presença do Senhor.

 «    PROPAGANDA    » 

927 Convence–te: o teu apostolado consiste em difundir bondade, entusiasmo, generosidade, espírito de sacrifício, constância no trabalho, profundidade no estudo, amplitude na entrega, atualização, obediência absoluta e alegre à Igreja, caridade perfeita...
– Ninguém dá o que não tem.

928 Para ti, que és ainda jovem e acabas de empreender o caminho, um conselho: como Deus merece tudo, procura sobressair profissionalmente, para que possas depois propagar as tuas idéias com maior eficácia.

929 Não o esqueças: tanto melhor convencemos quanto mais convencidos estamos.

930 "Não se acende a luz para colocá–la debaixo de um alqueire, mas sobre um candeeiro, a fim de que alumie todos os da casa; assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de maneira que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus".
E, no final da sua passagem pela terra, Ele ordena: "Euntes docete" – ide e ensinai. Quer que a sua luz brilhe na conduta e na palavra dos seus discípulos – nas tuas também.

931 É chocante a frequencia com que, em nome da liberdade!, tantos têm medo – e se opõem! – a que católicos sejam simplesmente bons católicos.

932 Guarda–te dos propagadores de calúnias e insinuações, que uns acolhem por ligeireza e outros por má fé, destruindo a serenidade do ambiente e envenenando a opinião pública.
Em certas ocasiões, a verdadeira caridade pede que se denunciem esses atropelos e os seus promotores. Senão, com a consciência desviada ou pouco formada, eles e os que os ouvem podem pensar: calam, logo consentem.

933 Os sectários vociferam contra o que chamam "o nosso fanatismo", porque os séculos passam e a Fé católica permanece imutável.
Pelo contrário, o fanatismo dos sectários – por não guardar relação com a verdade – muda de vestimenta em cada época, levantando contra a Santa Igreja o espantalho de meras palavras, esvaziadas de conteúdo pelas suas obras: "liberdade", que acorrenta; "progresso", que devolve à selva; "ciência", que esconde ignorância... Sempre uma bandeira que encobre velha mercadoria estragada.
Oxalá se torne cada dia mais forte o "teu fanatismo" pela Fé, única defesa da única Verdade!

934 Não te assustes nem te espantes com a obtusidade de alguns. Nunca deixará de haver fátuos que esgrimam, com alardes de cultura, a arma da sua ignorância.

935 Que pena verificar como caminham unidos, por paixões diferentes – mas unidos contra os cristãos, filhos de Deus –, os que odeiam o Senhor e alguns que afirmam estar a seu serviço!

936 Em certos ambientes, sobretudo nos da esfera intelectual, percebe–se e apalpa–se como que uma palavra de ordem de seitas, servida às vezes até por católicos, que – com cínica perseverança – mantém e propaga a calúnia, para lançar sombras sobre a Igreja ou sobre pessoas e entidades, contra toda a verdade e toda a lógica.
Reza diariamente, com fé: "ut inimicos Sanctae Ecclesiae – inimigos porque são eles que se proclamam assim – humiliare digneris, te rogamus audi nos!". Confunde, Senhor, os que te perseguem, com a claridade da tua luz, que estamos decididos a propagar.

937 Dizem que é velha essa idéia do catolicismo, e portanto inaceitável?... – Mais antigo é o sol, e não perdeu a sua luz; mais arcaica a água, e ainda tira a sede e refresca.

938 Não se pode tolerar que ninguém, nem mesmo com um bom fim, falseie a história ou a vida. – Mas constitui um grande erro levantar um pedestal aos inimigos da Igreja, que consumiram os seus dias em persegui–la. Convence–te: não se falta à verdade histórica se um cristão não colabora na construção de um pedestal que não deve existir: desde quando se pode colocar o ódio como modelo?

939 A propaganda cristã nào necessita provocar antagonismos, nem maltratar os que não conhecem a nossa doutrina. Se se procede com caridade – "caritas omnia suffert!", o amor tudo suporta –, quem era contrário, decepcionado com o seu erro, pode acabar aderindo sincera e delicadamente.
– Contudo, não tem cabiemtno fazer concessões no dogma, em nome de uma ingênua "amplidão de critério", porque quem agisse assim se exporia a ficar fora da Igreja; e, em vez de conseguir o bem para os outros, faria um mal a si mesmo.

940 O cristianismo é "insólito", não se acomoda às coisas deste mundo. E esse é talvez o seu "maior inconveniente", e a bandeira dos mundanos.

941 Alguns não sabem nada de Deus..., porque não lhes falaram em termos compreensíveis.

942 Aonde não chegar a tua inteligência, pede que chegue a tua santa esperteza, para servires mais e melhor a todos.

943 Acredita em mim: a catequese, de ordinário, tem de ser capilar: um a um. Cada homem de fé com o seu companheiro mais próximo.
Aos que somos filhos de Deus, importam–nos todas as almas, porque nos importa cada alma.

944 Ampara–te na Virgem Santíssima, Mãe do Bom Conselho, para que da tua boca jamais saiam ofensas a Deus.

 «    RESPONSABILIDADE    » 

945 Se nós, os cristãos, vivêssemos verdadeiramente de acordo com a nossa fé, produzir–se–ia a maior revolução de todos os tempos... A eficácia da corredenção depende de cada um de nós! – Medita nisto.

946 Sentir–te–ás plenamente responsável quando compreenderes que, em face de Deus, só tens deveres. Ele já se encarrega de conceder–te direitos!

947 Oxalá te habitues a ocupar–te diariamente dos outros, com tanta entrega que te esqueças de que existes!

948 Um pensamento que te ajudará nos momentos difíceis: quanto mais aumentar a minha fidelidade, melhor contribuirei para que os outros cresçam nesta virtude. – E é tão atraente sentirmo–nos sustentados uns pelos outros!

949 Não sejas "teórico": são as nossas vidas, em cada jornada, que devem converter esses ideais grandiosos numa realidade cotidiana, heróica e fecunda.

950 De fato, o que é velho merece respeito e agradecimento. Aprender, sim. Ter em conta essas experiências, também. Mas não exageremos: cada coisa a seu tempo. Por acaso vestimos gibão e bombacha, ou cobrimos a nossa cabeça com uma peruca empoada?

951 Não te zangues: muitas vezes um comportamento irresponsável denota falta de cabeça ou de formação, mais que ausência de bom espírito.
Será necessário exigir aos mestres, aos diretores, que preencham essas lacunas com o seu cumprimento responsável do dever.
– Será necessário que te examines..., se és tu que ocupas um desses lugares.

952 Corres o grande perigo de conformar–te com viver – ou de pensar que deves viver – como um "bom menino", que mora numa casa ordenada, sem problemas, e que só conhece a felicidade.
Isso é uma caricatura do lar de Nazaré: Cristo, justamente porque trazia a felicidade e a ordem, saiu de lá para propagar esses tesouros entre os homens e mulheres de todos os tempos.

953 Acho muito lógicas as tuas ânsias de que a humanidade inteira conheça a Cristo. Mas começa com a responsabilidade de salvar as almas dos que convivem contigo, de santificar cada um dos teus colegas de trabalho ou de estudo... – Esta é a principal missão que o Senhor te confiou.

954 Comporta–te como se dependesse de ti, exclusivamente de ti, o ambiente do lugar em que trabalhas: ambiente de alboriosidade, de alegria, de presença de Deus e de sentido sobrenatural.
– Não compreendo a tua abulia. Se tropeças com um grupo de colegas um pouco difícil – que talvez tenha chegado a ser difícil pelo teu descaso –, logo te desinteressas deles, tiras o corpo, e pensas que são um peso morto, um lastro que se opõe às tuas aspirações apostólicas, que não te vão entender...
– Como queres que te escutem se, além de querer–lhes bem e serví–los com a tua oração e mortificação, não lhes falas?...
– Quantas surpresas terás no dia em que te decidas a conversar com um, com outro, e outro! Além disso, se não mudas, poderão exclamar com razão, apontando–te com o dedo: "Hominem non habeo!" – não tenho quem me ajude!

955 Escuta–me: as coisas santas, quando se vêem santamente, quando se vivem todos os dias santamente..., não se convertem em coisas "de todos os dias". Todos os afazeres de Jesus Cristo nesta terra foram humanos, e divinos!

956 Não te podes conformar com viver – dizes – como os outros, com uma fé comum. – Efetivamente, deves ter fé pessoal: com senso de responsabilidade.

957 A Trindade Santíssima concede–te a sua graça, e espera que a aproveites responsavelmente: em face de tanto benefício, não se pode andar com atitudes cômodas, lentas, preguiçosas..., porque, além disso, as almas te esperam.

958 Para ti, que estás tendo esse grande problema. – Se se focaliza bem o assunto, isto é, com um sentido sobrenatural sereno e responsável, sempre se encontra a solução.

959 Ao pegarem os seus filhos ao colo, as mães – as boas mães – procuram não trazer alfinetes que possam ferir essas criaturas... Ao tratarmos com as almas, temos que usar de toda a suavidade... e de toda a energia necessária.

960 "Custos, quid de nocte!" – Sentinela, alerta!
Tomara que tu também te acostumasses a ter, durante a semana, o teu dia de guarda: para te entregares mais, para viveres com mais amorosa vigilância cada detalhe, para fazeres um pouco mais de oração e de mortificação.
Olha que a Santa Igreja é como um grande exército em ordem de batalha. E tu, dentro desse exército, defendes uma "frente", onde há ataques e lutas e contra–ataques. Compreendes?
Essa disposição, ao aproximar–te mais de Deus, incitar–te–á a converter as tuas jornadas, uma após outra, em dias de guarda.

961 No reverso de uma vocação "perdida" ou de uma resposta negativa a essas chamadas constantes da graça, deve–se ver a vontade permissiva de Deus. – Sem dúvida; mas, se somos sinceros, bem sabemos que isso não constitui isenção de culpa nem atenuante, porque percebemos no anverso o descumprimento pessoal da Vontade divina, que nos procurou para Si e não encontrou correspondência.

962 Se tua mas de verdade a tua Pátria – e estou certo de que a mas –, perante um alistamento voluntário para defendê–la de um perigo iminente, não duvidarias em inscrever o teu nome. Em momentos de emergência, como já te escrevi, todos são úteis: homens e mulheres; velhos, maduros, jovens e até adolescentes. Só ficam à margem os incapazes e as crainças.
Todos os dias se convoca, não já um alistamento voluntário – isso é pouco –, mas uma mobilização geral de almas, para defender o Reino de Cristo. E o próprio Rei, Jesus, te chamou expressamente pelo teu nome. Ele te pede que combatas as batalhas de Deus, pondo a seu serviço o que tens de mais elevado na tua alma: o teu coração, a tua vontade, o teu entendimento, todo o teu ser.
– Escuta–me: a carne, com a tua pureza de vida e especialmente com a proteção de Nossa Senhora, não é problema. – Serás tão covarde que tentes livrar–te do chamamento, com a desculpa de que tens doente o coração, a vontade ou o entendimento?... Pretendes justificar–te e ficar nos serviços auxiliares?
– O Senhor quer fazer de ti um instrumento de vanguarda – já o és – e, se viras as costas, só mereces compaixão, como traidor!

963 Se o tempo fosse somente ouro..., talvez pudesses perdê–lo. – Mas o tempo é vida, e tu não sabes quanta te resta.

964 O Senhor converteu Pedro – que O tinha negado três vezes – sem lhe dirigir sequer uma censura: com um olhar de Amor.
– É com esses mesmos olhos que Jesus nos olha, depois das nossas quedas. Oxalá possamos dizer–Lhe, como Pedro: "Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que eu te amo!", e mudemos de vida.

965 Alguns argumentam que é em nome da caridade que procedem com delicadeza e compreensão com os que cometem atropelos.
– Rogo a Deus que essa delicadeza e essa compreensão não sejam a camuflagem dos seus... respeitos humanos, do seu comodismo!, para permitir que se cometa o mal. Porque então... a sua delicadeza e a sua compreensão só seriam cumplicidade na ofensa a Deus.

966 Não é possível facilitar a conversào de uma alma, à custa de tornar possível a perversão de muitas outras.

967 Se alguém aceitasse que, entre os cordeiros, se criassem lobos..., pode–se imaginar com facilidade a sorte que correriam os seus cordeiros.

968 Os homens medíocres, medíocres de cabeça e de espírito cristão, quando constituídos em autoridade, rodeiam–se de néscios: a sua vaidade os persuade, falsamente, de que assim nunca perderão o domínio.
Os sensatos, pelo contrário, rodeiam–se de doutos – que ao seu saber acrescentam a limpeza de vida –, e os transformam em homens de governo. Essa humildade não os frusta, pois – ao engrandecerem os outros – se engrandecem a si próprios.

969 Não é prudente elevar homens inéditos a uma tarefa importante de direção, para ver o que acontece. – Como se o bem comum pudesse depender de uma caixa de surpresas!

970 Estás constituído em autoridade, e atuas guiado pelo que os homens dirào? – Velho caduco! – Primeiro, deve importar–te o que Deus dirá: depois – muito em segundo lugar, e às vezes nunca –, terás de ponderar o que os outros podem pensar. "Todo aquele que me reconhecer diante dos homens – diz o Senhor –, eu também o reconhecerei diante de meu Pai que está nos céus. Mas aquele que me negar diante dos homens, eu também o negarei diante de meu Pai que está nos céus".

971 Tu, que ocupas um posto de responsabilidade, ao exerceres a tua tarefa, lembra–te disto: tudo o que é pessoal perece com a pessoa que se fez imprescindível.

972 Uma norma fundamental de bom governo: distribuir responsabilidades, sem que isto signifique procurar a comodidade ou o anonimato. Insisto, distribuir responsabilidades: pedindo contas a cada um do seu encargo, para poder "prestar contas" a Deus; e às almas, se for preciso.

973 Ao resolveres os assuntos, procura nunca exagerar a justiça ao ponto de esqueceres a caridade.

974 A resistência de uma corrente mede–se pelo elo mais fraco.

975 Não digas de nenhum dos teus subordinados: não presta.
– Quem não prestas és tu: porque não sabes colocá–los no lugar em que podem funcionar bem.

976 Rejeita a ambição de honras; contempla, pelo contrário, os instrumentos, os deveres e a eficácia. – Assim, não ambicionarás os cargos e, se te chegam, hás de olhá–los na sua justa medida: cargas a serviço das almas.

977 Na hora do desprezo da Cruz, Nossa Senhora está lá, perto do seu Filho, decidida a correr a sua mesma sorte. – Percamos o medo de nos comportarmos como cristãos responsáveis, quando isso não é cômodo no ambiente em que nos desenvolvemos: Ela nos ajudará.

 «    PENITÊNCIA    » 

978 Nosso Senhor Jesus assim o quer: é preciso segui–Lo de perto. Não há outro caminho. Essa é a obra do Espírito Santo em cada alma –na tua–: sê dócil, não oponhas obstáculos a Deus, até que faça da tua pobre carne um Crucifixo.

979 Se a palavra amor sai muitas vezes da boca, sem estar escorada em pequenos sacrifícios, chega a cansar.

980 Sob todos os pontos de vista, a mortificação é de uma importância extraordinária.
– Por razões humanas, pois quem não sabe dominar–se a si mesmo jamais influirá positivamente nos outros, e o ambiente o vencerá, sempre que afague os seus gostos pessoais: será um homem sem energia, incapaz de um esforço grande quando for preciso.
– Por razões divinas: não te parece justo que, com estes pequenos atos, demonstremos o nosso amor e acatamento Àquele que deu tudo por nós?

981 O espírito de mortificação brota, não tanto como manifestação de Amor, mas como uma das suas conseqüências. Se falhas nessas pequenas provas –reconhece–o–, fraqueja o teu amor pelo Amor.

982 Não reparaste que as almas mortificadas, pela sua simplicidade, até neste mundo desfrutam mais das coisas boas?

983 Sem mortificação, não há felicidade na terra.

984 Quando te decidires a ser mortificado, melhorará a tua vida interior e serás muito mais fecundo.

985 Não devemos esquecê–lo: em todas as atividades humanas, tem que haver homens e mulheres com a Cruz de Cristo na sua vida e nas suas obras, erguida ao alto, visível, reparadora; símbolo da paz, da alegria; símbolo da Redenção, da unidade do gênero humano, do amor que Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, a Trindade Santíssima teve e contínua a ter pela humanidade.

986 "Não irá rir, Padre, se lhe disser que – faz uns dias – me surpreendi oferecendo ao Senhor, de uma maneira espontânea, o sacrifício de tempo que supunha para mim ter de consertar um brinquedo estragado de um dos meus filhos?"
– Não sorrio, fico feliz! Porque, com esse mesmo Amor, Deus se ocupa de recompor os nossos estragos.

987 Sê mortificado, mas não insípido nem amargurado. – Sê recolhido, mas não encolhido.

988 Um dia sem mortificação é um dia perdido, porque não nos negamos a nós mesmos, não vivemos o holocausto.

989 Não contrariaste alguma vez, em alguma coisa, os teus gostos, os teus caprichos? – Olha que Quem te pede isso está pregado numa Cruz – sofrendo em todos os seus sentidos e potências –, e uma coroa de espinhos cobre a sua cabeça... por ti.

990 Apresentas–te como um teórico formidável... – Mas não cedes nem em miudezas insignificantes! – Não acredito nesse teu espírito de mortificação!

991 Cuidar das pequenas coisas representa uma mortificação constante, caminho para tornar mais agradável a vida aos outros.

996 Quando recordares a tua vida passada, passada sem pena nem glória, considera quanto tempo tens perdido e como o podes recuperar: com penitência e com maior entrega.

997 Ao pensares em todas as coisas da tua vida que ficarão sem valor por não as teres oferecido a Deus, deverias sentir–te avaro: ansioso por apanhar tudo, por não desaproveitar também nenhuma dor. – Porque, se a dor acompanha a criatura, o que é senão insensatez desperdiçá–la?

999 Enquanto a Sagrada Família descansa, aparece o Anjo a José, para que fujam para o Egito. Maria e José pegam o Menino e empreendem o caminho sem demora. Não se revoltam, não se desculpam, não esperam que a noite termine... Dize à Nossa Mãe Santa Maria e ao Nosso Pai e Senhor São José que desejamos amar com prontidão toda a penitência passiva.

1000 Escrevo este número para que tu e eu acabemos o livro sorrindo, e fiquem tranquilos os benditos leitores que, por simplicidade ou malícia, buscaram o "esotérico" nos 999 pontos de "Caminho".